• Nenhum resultado encontrado

– PósGraduação em Letras Neolatinas

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2018

Share "– PósGraduação em Letras Neolatinas"

Copied!
165
0
0

Texto

(1)

Por

Wanessa Cristina Ribeiro de Sousa

Tese de Doutorado submetida à Banca examinadora como requisito necessário para obtenção do Título de Doutora em Letras Neolatinas (Estudos Literários Neolatinos-Literaturas Hispânicas).

Orientadora:Profª. Doutora Mariluci da Cunha Guberman

Co-orientadora: Profª. Drª Beatriz Ferrús

(2)

Por

Wanessa Cristina Ribeiro de Sousa

Tese de Doutorado submetida a Banca examinadora, como requisito necessário para obtenção do Título de Doutora em Letras Neolatinas (Estudos Literários Neolatinos-Literaturas Hispânicas).

Orientadora:Profª.Doutora Mariluci Guberman

Co-orientadora: Profª. Drª Beatriz Ferrús

(3)

À minha vó Zizinha: Quem sempre me apoiou em todas as

(4)

E, ah com que felicidade infecundo, cansaço, Um supremíssimo cansaço”

Álvaro de Campos

Para mim a sensação é de tarefa cumprida, ainda que inconclusa, pois uma das coisas que aprendi com a leitura crítica de Los pasos perdidos e do Diario de Alejo Carpentier é que este romance nos faz perder os passos para que encontremos a cada leitura um novo caminho de observação. Aos demais, registro aqui meus agradecimentos.

Agradeço primeiramente à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ). A subvenção financeira oferecida possibilitou boa parte do desenvolvimento da pesquisa bibliográfica em solo brasileiro e a ampliação dos horizontes acadêmicos no período de Doutorado Sanduíche na Universidade Autonôma de Barcelona.

Agradeço também a Rede de bibliotecas públicas da Catalunha e de Madrid, pela eficiência no atendimento das minhas necessidades como pesquisadora; à Biblioteca Nacional da Catalunha que me recebeu de braços abertos, sempre dispostos a me fornecerem o suporte necessário para o desenvolvimento da pesquisa; à Biblioteca Nacional da Espanha, pela grandiosidade do acervo oferecido aos estudantes e à Casa América Catalunha, especialmente a Cristina Borrás, que se solidarizou com minha busca bibliográfica adquirindo para o acervo da instituição o Diario (2013) de Alejo Carpentier. Publicação que me rendeu uma reestruturação na presente tese.

(5)

À Profa. Dra. Leticia Rebollo pela dedicação em todas as aulas e pelo reconhecimento e respeito do meu trabalho como pesquisadora; À Profa. Dra. Cláudia Luna por seus questionamentos sempre pertinentes, pelo brilho nos olhos ao observar meus progressos pessoais e profissionais; ao Prof Dr Víctor Lemus pelo incentivo e por entender que meu maior interesse era o meio do caminho e não a estação final; ao Prof Dr. Fernando Castro e ao Prof Dr Eduardo Coutinho por me incentivarem a sempre “pensar fora da caixinha”; ao

Prof. Dr Antônio Ferreira por estar sempre disposto a compartilhar suas experiências e seus conhecimentos e a todos os docentes desta Universidade que, direta ou indiretamente, contribuíram para o meu desenvolvimento acadêmico.

Agradeço também aos meus professores da Educação Básica, especialmente, longe de ser exclusivamente, à Célia Lucia, Fernando Pimenta e Kátia. Por todo o esmero em oferecer o melhor para minha formação como pessoa e estudante; por serem exemplos de resistência diante de um sistema educativo reducionista que faz com que o professor espere cada vez menos de seus alunos. Obrigada por exigirem o meu melhor, por me fazerem pensar, por não me conformar com minha realidade pessoal e social, por contribuírem com o meu desenvolvimento como cidadã do mundo. Capaz de empreender mudanças e de sempre estar disposta a apresentar o melhor de mim.

Agradeço a minha mãe Zildinha, minha avó Zizinha, meus afilhados, meu marido Clauder. A todos da família Ribeiro e Sousa e aos amigos, alunos e colegas de profissão que sempre se fizeram presentes. Que entenderam minhas ausências, inseguranças, explosões e os, surpreendentes, momentos de silêncio ao longo desses conflituosos anos de pesquisa. Por discutirem comigo a respeito da obra, por aguentarem a leitura em voz alta, os e-mails

pedindo opinião sobre a escrita, a coerência; que ajudaram a controlar o “índice de sonolência” das minhas análises; suportaram o choro; o fuso horário durante

o período em que estive na Espanha. Ah, agradeço também ao meu cãozinho

(6)
(7)

RIBEIRO DE SOUSA, Wanessa Cristina.

Um intelectual no reino de Alejo Carpentier: análise crítica de Los pasos perdidos. Wanessa Cristina Ribeiro de Sousa – Rio de Janeiro: UFRJ, 2016. 166 fls.: il.; 30 cm.

Orientadora: Mariluci da Cunha Guberman.Co-orientadora: Beatriz Férrus Tese (Doutorado) UFRJ / Faculdade de Letras / Programa de PósGraduação em Letras Neolatinas, 2016.

(8)

Programa de Pós-Graduação em Letras Neolatinas (Estudos Literários-Literaturas Hispânicas), Faculdade de Letras, Universidade Federal do Rio de Janeiro 2016. Tese de Doutorado, 166 fls.

Resumo

Estudo crítico da obra Los pasos perdidos escrita pelo autor cubano Alejo

Carpentier. Objetiva apresentar o romance não como uma autobiografia, mas sim como uma representação do modo como Carpentier coloca sua realidade a serviço da narrativa. Para tanto, se desenvolve o levantamento da problemática

da representação da identidade latino-americana com o apoio teórico de Martí (1983), Rojas Mix (1991), Anderson (2008) Bethell (2009) e Hall (2011) e a

análise do gênero relato de viagens e a trajetória do intelectual do século XX tendo em vista os estudos de Malinowski (1978), López de Mariscal (2007) e Pratt (2011). Tais pontos fundamentam a análise de Los pasos perdidos. A

relevância dessa análise se deve à conjunção harmoniosa entre o estudo do contexto histórico cultural vigente na primeira metade do século XX, o Diario de

Carpentier e o discurso sustentado na representativa obra, publicada em 1953, no qual o autor cubano arrola as seguintes instâncias: redescoberta,

(9)

Programa de Pós-Graduação em Letras Neolatinas (Estudos Literários-Literaturas Hispânicas), Faculdade de Letras, Universidade Federal do Rio de Janeiro 2016. Tese de Doutorado, 166 fls.

Resumen

Estudio crítico de la novela Los pasos perdidos escrita por el autor cubano Alejo Carpentier. Objetiva presentar la novela no como una autobiografia, sino

como representación de la manera como Carpentier pone su realidad al servicio de la narrativa. Para esto, se plantea la problemática de la

representación de la identidad latinoamericana con el apoio teórico de Martí (1983), Rojas Mix (1991), Anderson (2008), Bethell (2009) y Hall (2011), el análisis del género relato de viajes y la trayectória del intelectual e el siglo XX

teniendo en cuenta los estudios de Malinowski (1978), López de Mariscal (2007) y Pratt (2011). Tales puntos fundamentan el análisis de Los pasos perdidos. La relevancia del análisis se debe a la conjunción armoniosa entre el

estudio del contexto histórico cultural vigente en la primera mitad del siglo XX, el Diario de Carpentier y el discurso sostenido en la representativa obra,

(10)

Programa de Pós-Graduação em Letras Neolatinas (Estudos Literários-Literaturas Hispânicas), Faculdade de Letras, Universidade Federal do Rio de Janeiro 2016. Tese de Doutorado, 166 fls.

Abstract

Critical study of the work The Lost Steps written by the Cuban author Alejo

Carpentier. It has as objective to show the novel not as an autobiography, but like a representation of the way as Carpentier shows the reality to service of the narrative. Therefore, it develops the survey of problematic of representation of

the identity Latin-American with the theoretical support of Martí (1983), Rojas Mix (1991), Anderson (2008), Bethell (2009) and Hall (2011) and an analyze of

the gender travel report and the trajectory of intellectual of twenty century in view of the studies of Malinowski (1978), López de Mariscal (2007) and Pratt (2011) . Such points underlie an analyze of The Steps. The relevance of the

analyze must be the harmonious conjunction between the study of the cultural historic context present in the first half of twenty century, the Diary of Carpentier

and the discourse sustained in the representative work, published in 1953, where the Cuban author, lists the following instances: rediscovery, construction and representation of the identity Latin-American as strategy that invites the

(11)

Sinopse

(12)

resulta que ahora nosotros, novelistas latinoamericanos, tenemos que nombrarlo todo - todo lo que nos define, envuelve y circunda: todo lo que opera con energía de contexto - para situarlo en lo universal

(13)

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ………...….15

1ª PARTE : CONTEXTO HISTÓRICO E CULTURAL

I CRIAÇÃO E RECRIAÇÃO NA AMÉRICA ...19 1.1 O percurso de uma nação sob a tutela de um nome………...…....20 1.2 Para um conceito de identidade latino-americana...29 II ALEJO CARPENTIER: UM INTELECTUAL NO REINO DESTE MUNDO ..38

2ª PARTE : A OBRA LOS PASOS PERDIDOS DE ALEJO CARPENTIER

III O RELATO DE VIAGEM: HISTÓRIA E APLICAÇÕES ………...56 3.1. O modelo etnográfico e seu meta-modelo………..57 3.2. Literatura de viagem: aproximações entre o real e o ficcional………....78 3.3. O rio Orinoco e a Selva discursiva de Alejo Carpentier……….…………..91

IV LA SINFONÍA AL REVÉS: CONDUTORES E CONDUZIDOS AO COMPASSO DO GÊNESIS………...……...104 4.1. Presença feminina em Los pasos perdidos………..105 4.2. Os companheiros da barca do intelectual de Alejo Carpentier………....130

4.3. Desdobramentos da figura do intelectual em Los pasos perdidos….…143

CONSIDERAÇÕES FINAIS ……….……155

(14)

INTRODUÇÃO

A obra Los Pasos perdidos, do escritor cubano Alejo Carpentier (1904-1980), foi publicada em 1953 e, segundo o autor da mesma, apresenta-se como uma das obras mais pessoais e complexas de sua produção intelectual. Assim sendo, encontra ao longo das seguintes páginas, uma contextualização histórico-metodológica para embasar a análise literária do romance. Pretende-se oferecer ao leitor uma análise crítica das principais conexões feitas por Carpentier entre realidade histórica e pessoal e criação literária.

O estudo que se encontra nas páginas a seguir pretende construir uma análise que responda as seguintes questões: a) Como se constrói o diálogo entre a representação das personagens envolvidas nas narrativas e de quais estratégias se vale o autor para tecer sua história na História da América ; b) Que estratégias discursivas são usadas por Carpentier para realizar a representação dos vários perfis que habitaram o continente e quais elementos condicionaram as variações entre cada um deles; c) Como se dá o encontro entre os representantes da Civilização letrada e da selva na narrativa de Carpentier; d) Como uma determinada visão dos acontecimentos se esforça para questionar uma representação da identidade com os elementos escolhidos.

(15)

O capítulo inaugural da presente tese está estruturado de uma maneira que permita ao leitor situar-se no tema do estudo, tendo em vista o embasamento teórico lido e analisado para a confecção do texto. Inicia-se o primeiro subcapítulo apresentando um breve panorama histórico-literário desde o período de colonização europeia na América até meados do século XX. Tais considerações são importantes para compreender o processo de construção psicológica das personagens presentes no romance Los Pasos perdidos.

O segundo subcapítulo dá continuidade às discussões a respeito da nomeação do continente americano ao abordar a evolução de um dos conceitos-chave na tese em questão: a identidade. Segundo Alejo Carpentier, a questão da representação de uma nação perante as demais seria a tarefa mais importante de um escritor latino-americano que produzia seus textos no século XX. Como defende Carpentier (2003: 205) em seu artigo “ Problemática de la actual novela latinoamericana”:

La tarea máxima que corresponde al novelista hispanoamericano de nuestra época es la de definir su continente para la humanidad, de manera que su visión del mundo, lejos de ser ruralista y local, también adquiera valor universal.

Ao trabalhar com o conceito de identidade, pretende-se discutir na presente tese como a representação deste conceito é problemática, temporal e crucial para a sociedade hispano-americana do século XX. Tal tarefa, no século XX era destinada aos intelectuais. Diversas publicações, como a citação anterior o confirmam .

Tendo em vista a evolução do conceito de identidade, relaciona-se, no segundo capítulo, a figura do intelectual delineada ao longo do século XX e o posicionamento crítico de Alejo Carpentier em sua trajetória científica. Para tanto, desenvolve-se uma relação entre o conceito de intelectual e as publicações de Alejo Carpentier tanto no campo teórico-metodológico quanto no cenário literário.

(16)

Após associar os escritos técnicos sobre viagens aos conceitos teóricos sobre a literatura de viagem, o que se encontrará, respectivamente, é uma análise baseada na aproximação crítica entre as questões discutidas nos itens anteriores e a obra Los Pasos perdidos. Desde a divisão dos capítulos do romance, estruturação da ação, escolhas verbais e vocabulares, referências aos mais diversos campos das ciências humanas e naturais até a associação a dados biográficos do autor.

O quarto e último capítulo da presente tese trata da análise crítica de alguns personagens-chave da trama: as três mulheres com quem o protagonista se relaciona, respectivamente, esposa Ruth, Mouche, amante do mundo “civilizado” e

Rosario, amante da selva. Acrescentam-se a figura do Adelantado, quem o conduz habilmente em sua viagem al revés; a figura do mineiro Yannes e do protagonista da trama.

(17)

1ª PARTE: CONTEXTO HISTÓRICO E CULTURAL

Datas. Mas o que são datas? Datas são pontas de icebergs

(18)

I CRIAÇÃO E RECRIAÇÃO NA AMÉRICA

- […] soy de América. - Ah! Dde eso que descubrió Colón

Miguel Rojas Mix

Ao nomear é possível atribuir, além de chamamento, também uma finalidade. O nome dá fim, delimita, denomina pessoas, objetos, territórios. No entanto, o nome pode deixar de transparecer essa finalidade ao longo dos anos. Tomemos como exemplo o vocábulo embarcar. Originalmente tal palavra, apoiada em suas raízes etimológicas, compreendia o ato de adentrar em uma embarcação1, o que sugere que esta ação utiliza o mar como meio de deslocamento. Contudo, atualmente, esta palavra tem seu sentido ampliado e é utilizada em outros contextos. Como exemplo temos um Guia do viajante encontrado no site de uma companhia aérea. Neste guia, a palavra embarcar é usada para designar o ingresso na aeronave. Como se vê nas linhas que seguem:

Sabia que disponibilizamos um guia online para você que vai viajar com a gente? Seja primeira vez ou não, você encontra dicas para que tudo dê certo, da preparação até o desembarque no destino final. Tirando suas dúvidas antes de embarcar, sua viagem fica muito mais agradável!2

Assim como um vocábulo pode ter sua siginificação ampliada e revista ao longo da história, o mesmo ocorre com as imagens que construímos de nós e dos outros. Da mesma forma aconteceu com colonizados e colonizadores envolvidos no proceso desencadeado pelas Grandes navegações europeias, e não apenas com eles. As idiosincrasias que nos determinam como único e como pertencente a um grupo compõem a nossa identidade. Assim como os vocábulos, o conceito que na atualidade chamamos de identidade deve ser considerado sob uma perspectiva que respeite sua condição de ser provisório, revogável e de ser avaliado segundo o contexto em que é aplicado.

1 Estrutura flutuante que se destina à navegação. (In AULETE, 2009)

(19)

Com isso, após considerações sobre a tarefa de nomear, apresentar-se-á um estudo das origens do vocábulo América com base nos estudos de Rojas Mix (1991) e Bethel (2009), a construção do nome e da ideia do que entendemos por América Latina, com o objetivo de refletir sobre a importancia desse processo para formação identitária da sociedade em questão no primeiro ítem do presente capítulo, conceito aqui baseado nos estudos de Anderson (2008) e Hall (2003). Para finalizar, serão apresentados, no capítulo seguinte, alguns dados biográficos sobre o escritor cubano Alejo Carpentier e informações a respeito do contexto de produção de suas obras com o fim de sustentar as análises que serão desenvolvidas a respeito de Los pasos perdidos nos capítulos seguintes

1. 1 O percurso de uma nação sob a tutela de um nome

Que há num simples nome? 3

William Shakespeare

A célebre frase na epígrafe do presente item, tomada de uma das peças teatrais do renomado escritor inglês William Shakespeare, interroga acerca da aparente simplicidade dos termos que usamos para nomear pessoas, lugares, objetos. É a partir dela que se pretende traçar um paralelo entre a variedade de nomes dados ao continente e os questionamentos que surgiram na sociedade latino-americana em torno da criação de uma identidade que congregasse os valores da nação. Questionamentos que se vislumbram não só textos em teóricos, mas também em literários como no romance Los pasos perdidos de Alejo Carpentier.

É certo que, ao atribuir um nome, o sujeito exerce poder sobre o nomeado e este rito, carregado de significação, não figura apenas na tradição do pensamento europeu, mas sim de inúmeras civilizações ao longo dos séculos. Para discorrer acerca do processo de nomeação do território americano, julga-se relevante iniciar o

(20)

presente subcapítulo apresentando o contexto que fomentou o período conhecido como Grandes navegações.

O continente europeu vivia um momento de crise nos séculos XIII e XIV. França e Inglaterra disputavam território na chamada Guerra dos cem anos, que durou, na verdade, 116 anos. No território espanhol, uma massiva ocupação muçulmana. Em meio a tantos conflitos, o transporte de mercadorias por via terrestre foi drasticamente afetado. Não havia alimento em quantidade suficiente para a população europeia. Além disso, a Peste negra foi a responsável por milhares de mortes.

Os povos que ocupavam o território que hoje conhecemos como França, Inglatera e Espanha lutavam na Europa para aumentar seus limites e consolidar-se como Estados-Nação. Portugal, nação favorecida pela evolução das condições técnico-navais e com a existência de uma poderosa e ambiosa classe burguesa em seu território, deu início ao que seria conhecido como Expansionismo marítimo-comercial. Dentre os navegadores portugueses da época, destacam-se as figuras de Bartolomeu Dias, o primeiro europeu a dobrar o Cabo das tormentas, que desde então é conhecido como Cabo da Boa Esperança; Vasco da Gama, comandante que empreendeu a mais longa viagem oceânica até então realizada, da Europa para a Índia e Pedro Álvares Cabral, a quem se atribui a primeira exploração significativa da costa nordeste da América do Sul.

As navegações espanholas começariam apenas a partir de 1492, com a expulsão dos muçulmanos e a consolidação do Estado Nacional Espanhol. Foi Cristóvão Colombo o navegador que iniciou este processo de expansão. Américo Vespúcio o teria acompanhado em duas de suas viagens pelo oceano e Fernão de Magalhães é reconhecido como o primeiro comandante a realizar a viagem de circum-navegação. O Historiador David Arnold (s/d,76) discorre sobre o período de expansionismo europeu, como se lê a seguir:

(21)

surgimento do imperialismo ocidental dos séculos XIX e XX, que se estendeu a todos os pontos do mundo habitado.

A história da construção e da denominação desse território, hoje conhecido como América latina, é tão labiríntica quanto a história de sua identidade. Os diversos nomes que este continente possuiu ao longo da história dão tom e ritmo às discussões em torno da questão identitária. Ao instalar-se no território encontrado, os ibéricos pretendiam bem mais que apropriar-se das riquezas materiais ali existentes. Era preciso dominar também as ideias, o pensamento dos nativos. Introjetar nos habitantes daquele território a cosmovisão europeia. Ela seria o meio através do qual os europeus conseguiriam convencer os indígenas a servirem aos interesses da Coroa espanhola.

Os ibéricos estavam comprometidos com as ideias do capitalismo comercial, sistema econômico que substituiu o feudalismo. Tomaram posse da maior parte do território americano e estruturaram o cenário do Novo Mundo como uma fonte de recursos para as metrópoles. No caso espanhol, predominou uma intensa extração de ouro e prata que serviu aos interesses da Coroa espanhola. Para que tal feito fosse alcançado, os povos pré-colombianos foram dizimados.

Os relatos à corte espanhola sobre o novo território precisavam ser realizados em uma língua conhecida pelos reis, mas existiam paisagens desconhecidas aos olhos e às palavras espanholas. Não poder nomear, descrever em palavras, fará com que este outro (no caso o cronista) sinta dificuldades em dominar o cenário circundante. As cartas e diários escritos nesta época sinalizam interessantes perspectivas sobre a questão do ato de nomear.

(22)

Para discorrer sobre o olhar do cronista estrangeiro a respeito do território descoberto, pode-se observar um fragmento contido na segunda carta de Cortéz dirigida a Carlos V. Ao descrever a cidade de Temixtitán4 manifesta seu desejo em ser fiel na descrição do território, até então chamado Novo Mundo, mas confessa sua limitação em realizá-lo por faltarem, em seu idioma, palavras para nomear o que foi visto, numa tentativa de justificar suas possíveis omissões, como se lê em:

Procurarei dar, mui poderoso senhor, um pequeno relato das grandezas, maravilhas e estranhezas desta grande cidade [...] Mas, certamente, tudo que direi será pouco para descrever o que aqui existe. Mas, pode acreditar vossa majestade que, se algum erro cometer, será por exclusão e não por excesso. [...] nos referidos mercados se vendem todas as coisas que se encontram por toda terra que, ademais das que disse, são tantas e de tantas qualidades que pela prolixidade e por não guardar tantas na memória e também por não saber nomeá-las, não as expresso. [...] há uma mesquita principal que não existe língua humana que consiga descrever a sua beleza e suas particularidades. (CORTÉZ, 2008:62-63)

Deixa-se de expressar o que não se conhece pelo nome. Possuir um nome é também ter direto a ser mencionado e rememorado. É uma necessidade humana atribuir nomes a objetos, pessoas, lugares, como uma tentativa de abarcá-las, de exercer algum conhecimento e/ou poder sobre elas. No livro de Gênesis (2: 19) encontra-se expressa esta necessidade de nomear o que se vê e Deus, o criador, teria confiado esta tarefa a Adão, o primeiro homem a povoar a Terra, segundo a tradição cristã, como lemos em: “ Havendo, pois, o Senhor Deus formado da terra todo o animal do campo, e toda a ave dos céus, os trouxe a Adão, para este ver como lhes chamaria; e tudo o que Adão chamou a toda a alma vivente, isso foi o seu nome”.

Hernán Cortéz (2008: 89) quis exercer sua tarefa de Adão, e nomear o território para o qual fora trasladado. Como se comprova no fragmento abaixo.

Pelo que tenho visto, existe muita similaridade entre esta terra e a Espanha, tanto em grandeza, fertilidade e frio, além de outras coisas. Por isto me pareceu conveniente dar o nome a esta terra de Nova

(23)

Espanha do mar oceano. Assim, em nome de vossa majestade coloquei este nome e peço humildemente que o aceite.

Assim também fez o conquistador europeu Cristóvão Colombo em sua terceira viagem empreendida em 1498. A seguir temos uma citação sobre o relato de Colombo extraída da obra El Orinoco ilustrado, publicado em 1741, pelo escritor e padre missionário espanhol José Gumilla (1999: 13-14) que corrobora o anteriormente dito:

[...]admirado do frescor das árvores da ilha Orinoco as chamou ilhas de Gracia e a costa de Paria [...]a chamou no dia seguinte, Isla Santa. [...] Colombo ficou maravilhado ao saber que no mundo havia um rio de tão soberbo fluxo capaz de encher de água doce do Golfo inteiro [...] não poderia atravessar o golfo, que chamou de triste, porque o seu centro não oferecia saída, e a única e estreita que possui nomeou Boca de Dragos ou de Dragões pela passagem ruim que deu e ainda dá a velejadores que temem a cada onda, um naufrágio.

Cabe destacar que Colombo, buscou nas escrituras sagradas muitas das referências que utilizava para descrever o continente americano. A Bíblia e as narrativas de viagem eram usadas constantemente como fonte de informação para os homens da época.

Mais que desbravar novos territórios, a figura de Colombo foi imortalizada como a de alguém que pretendia encontrar o paraíso descrito na Bíblia no mundo terrenal. Na introdução do livro Diários da descoberta da América, o jornalista gaúcho Marcos Faerman comenta a respeito da preparação empreendida por Colombo para descobrir um novo mundo dentro do espaço em que vivia, como se lê em:

Desenhou mapas para viver, nos seus tempos em Portugal; leu muitas narrativas de viagens, nas bibliotecas dos conventos; ouvia nas tavernas os marujos falando dos mais remotos pontos do mundo – e chegara a ver o mar dos gelos; e um dia lhe caiu nos olhos, em uma leitura do Livro Sagrado, uma palavra que mais ouvia do que lia – e era como se o profeta Isaías com ele estivesse falando: “Eu fundarei um novo céu e uma nova terra e não mais se pensará no que era antes”. Era o sonho de sua vida esta nova terra [...] (FAERMAN in: COLOMBO, 2010:8)

(24)

O nome América aparece no ano de 1507, em um mapa da obra Introdução à Cosmografia, publicada pelo geógrafo alemão Martin Waldseemüller. No mapa, o geógrafo refere-se ao Novo Mundo como “América”, em uma clara homenagem ao navegador Américo Vespúcio. Tal nome não serviu aos interesses da Coroa espanhola e de sua elite colonial, já que a noção de americano não era compartilhada pelos europeus.

A não aceitação do nome américa está claramente expressa na publicação de Emílio Castelar, escritor e penúltimo presidente da Primeira República Espanhola, Historia del descubrimento de América (1892). Em seu livro, o escritor e político espanhol apresenta um estudo sobre as navegações espanholas dando protagonismo à figura de Cristóvão Colombo e criticando severamente a homenagem feita ao navegador Vespúcio.

A Critica sobre a escolha do nome para o continente também foi feita por outros escritores, dentre eles, vale destacar um fragmento de Frei Bartolomé de las Casas (1956: 547) em seu Historia de las Indias, no qual argumenta que o apagamento da figura de Colombo seria: “... usurpar injustamente ao Almirante a honra, o louvor e privilégios, que, por ser o primeiro que com seus trabalhos, suor e indústria deu à Espanha e ao mundo o conhecimento desta terra firme. ”

Antes que se chegasse ao nome que conhecemos hoje, este contraditório continente foi chamado de: Índias, Novo Mundo, Las Españas, Ultramar5. Muitos cronistas defendiam que se desse o nome de Colômbia, Colona, Columbia, Hispânida, Isabélica, Antillana, Magna Colômbia. No entanto toda essa discussão deixou à margem qualquer tentativa de valorizar os povos autóctones. A partir do olhar europeu, a América Latina se estabeleceu no mundo ocidental moderno como uma região periférica, explorada e devedora da tradição europeia.

O movimento de independência das colônias espanholas na América ganhou força no período napoleônico. Para a elite colonial da América Espanhola era

(25)

preciso romper com a metrópole para alcançar o pleno desenvolvimento comercial do território. Com a derrota de Napoleão, a Espanha se reorganiza para reprimir os movimentos independentistas na América Espanhola, mas seu poder sobre as colônias não dura muito tempo.

A partir de 1817, a Inglaterra, sedenta por novos fornecedores de matérias´primas e mercados consumidores, reestabelece seu apoio aos revolucionários americanos. Os Estados Unidos, que conquistaram sua independência em 1776, também se aliaram aos rebeldes na luta contra a dominação espanhola. Estes últimos objetivavam, por intermédio da Doutrina Monroe, garantir os mercados regionais que se originaram no processo e emancipação da América em princípios do século XIX. Buscavam também abrir novos mercados em seu próprio território.

Esse primeiro momento de independência na América Espanhola não implicava promover uma autonomia econômica nem uma melhoria nas condições de vida da população. Com a emancipação das colônias se impôs a dependência econômica da região às grandes potências capitalistas do século XIX. As nações americanas permaneciam como fornecedras de matérias-primas e consumidoras de artigos industrializados. Eram os Estados Unidos os que agora davam continuidade ao processo de exploração dos territórios, como lemos em Michael Kryzanec (1996)

As ações dos Estados Unidos durante os episódios do Texas e da guerra entre México-Estados Unidos relevaram aos latino-americanos que a ameaça ao hemisfério e a sua integridade nacional não vem da Europa, mas sim de seu vizinno nortenho.

Pode-se observar uma alteração no modo de referir-se ao continente, durante as primeiras décadas posteriores à independência das colônias espanhola. Líderes de movimentos pró independência e as novas elites criolas passam a utilizar o termo Hispano-américa em vez de América6 numa tentativa de constituir uma identidade cultural que congregasse o grupo de países que foram colonizados pelos espanhóis

(26)

e diferenciar-se das futuras nações das regiões da América colonizadas por outros países.

Com a forte expansão das colônias norte-americanas, os franceses buscaram

“aproximar-se” dos territórios antes dominados pelos espanhóis disseminando a ideia do Panlatinismo que foi inicialmente aceita por pensadores franceses e hispano-americanos, ainda que por distintos motivos. De acordo com Michel Chevalier justifica-se a importância da participação da França, pois

A França [...] constitui o topo do grupo latino; é o seu protetor. Nos acontecimentos que parecem se aproximar, o papel da França é grande. A França é depositária dos destinos de todas as nações do grupo latino nos dois continentes. Somente ela pode impedir que esta família inteira de povos não seja tragada pelo duplo avanço dos Germanos ou Saxões e dos Eslavos (Cf. CHEVALIER, Michel. “Sobre el progreso y porvenir de la civilización” In: ARDAO, 1991: 165)

A implementação de tal conceito era interessante aos franceses, pois estes vislumbravam uma possível volta ao antigo Sistema Colonial cujo poder passaria a estar em mãos francesas. Os pensadores hispano-americanos encontravam no conceito francês uma via que lhes permitiria construir a ideia de uma identidade filiada aos valores europeus, permitindo o ingresso na “civilização”e livrando-os do

“atraso” colonial.

O surgimento do termo “América Latina” é controverso. Em relação ao

adjetivo “Latina”, sabe-se que deriva do pequeno território italiano chamado Lácio. No que concerne, contudo, a expressão América Latina7 temos distintas informações que serão expostas para ilustrar a complexidade do processo de nomeação do continente. John Leddy Phelan (1993), afirma que foi à época dos preparativos da invasão francesa ao território mexicano que nasceu o termo“América Latina”, em um

artigo de 1861 escrito por L. M. Tisserand na Revue des Races Latines. Em contrapartida, o uruguaio Arturo Ardao (1980) em seu Génesis de la idea y el nombre de América Latina confronta a visão do historiador norte-americano, e sustenta que o

(27)

nome “América Latina” foi criado, em realidade, pelo pensador e jornalista

colombiano, José Maria Torres Caicedo (1830-1889), no ano de 1856.

É da mesma data que procedem outros dois argumentos: o do historiador chileno Miguel A Rojas Mix (1991) que atribui o mérito a Francisco Bilbao, organizador do Movimiento Social de los Pueblos de la América Meridional em Bruxelas no ano de 1856, onde expôs suas reflexões sobre “la raza latinoamericana” e “la unidad latinoamericana” em um discurso realizado em Paris. Há também, o argumento defendido pela historiadora norte-americana Aims McGuiness que destaca a figura de Justo Arosemena, que era representante liberal do Estado do Panamá no Senado da Colômbia e fez referência em seu discurso, proferido em Bogotá, à “América Latina” e ao “interés latinoamericano”. Outros intelectuais

também utilizaram o termo em um período próximo o que dificulta uma determinação precisa do autor da expressão América latina8

O pesquisador Eduardo Coutinho em “ América Latina: o móvel e o plural”

(2013) sustenta que a escolha do nome Latina seria uma estratégia europeia para imprimir, no nome do território, a ideia de uma América colonizada por povos de origem neolatina alcançando, assim, uma diferenciação em relação à América Anglo-Saxônica. O geógrafo político francês Hervé Théry (2004: 3) afirma, em texto publicado no livro Literary Cultures of Latin America: a Comparative History, que somente na América Latina, encontra-se um continente:

(28)

... cujo nome porta um qualificativo que indica a cultura dominante que o moldou, e esse é um fato que tem inúmeras repercussões não só em sua geografia e em sua formação socioeconômica, como também evidentemente em sua produção cultural.

No século XX o termo América Latina é ressignificado. Ao desvincular-se do caráter puramente etnolinguístico abarca uma dimensão política, transformando-se

em uma “marca expressiva de utopias do habitante do subcontinente por ele

designado, passando, para usar a expressão de alguns críticos, de uma “ficção” a uma espécie de ‘autobiografia’. ” (COUTINHO, 2013: 60). Acreditava-se ser possível compreender uma nacionalidade latino-americana, de caráter hispânico, que precederia nacionalismos locais e regionais em defesa da dominação estadunidense. A rivalidade entre hispano-américa e Estados Unidos foi alimentada por um longo período como se lê em:

Os intelectuais hispano-americanos, dos anos 1880 até a Segunda Guerra Mundial, eram bastante hostis aos Estados Unidos, ao imperialismo norte-americano, à cultura norte-americana e ao pan-americanismo. Os catalisadores foram, sem dúvida, Cuba e a Guerra Hispano-Americana de 1898.O conceito das duas Américas de um lado, os Estados Unidos, e do outro, a América Espanhola, Hispano-américa, América Latina, na época mais frequentemente chamada

“Nuestra América”, que era distinta e superior à América Anglo-Saxã (o humanismo e o idealismo latinos eram exaltados em detrimento do utilitarismo e do materialismo anglo-saxãos) (BETHELL, 2009: 299)

Esse sentimento construído através de um discurso que compreende um momento histórico e um anseio comum, fomenta a criação de uma identidade continental filiada não apenas em critérios etnolinguísticos, mas sim em um projeto de representação frente às outras nações. Para dar prosseguimento a discussão, apresenta-se no item seguinte alguns conceitos sobre identidade com o fim de discorrer acerca do processo de construção de uma identidade na América Latina desde uma perspectiva local.

1.2 Para um conceito de identidade latino-americana

(29)

continente americano alcançasse o reconhecimento de sua existência e o respeito como território livre, perante as demais nações. Sobre a construção da identidade e seus conceitos, prosseguiremos a seguir, apresentando algumas definições de identidade propostas no período compreendido entre os séculos XVIII e XX e suas aplicações, com o fim de vislumbrar a identidade como um processo em constante atualização.

O pensamento antropocentrista abrira espaço para que as manifestações culturais, como a pintura e a literatura, expressassem os questionamentos do homem sobre conflitos existentes no mundo que o circundava. Esse movimento foi conhecido posteriormente como Renascimento cultural9. Com o advento do Humanismo a figura do homem passa a ter maior protagonismo na sociedade. O movimento cultural que surgiu na França, entre os anos de 1650 e 1700, como uma reação frente a intolerância e os abusos da Igreja Católica e do Estado objetivava uma valorização do saber enciclopédico como um meio de alcançar uma mudança efetiva nas formas de Governos existentes até então. Para tanto, o indivíduo em questão precisava apresentar uma identidade determinada, como vemos em A identidade cultural na pós-modernidade10 do sociólogo e teórico cultural jamaicano Stuart Hall (2011:11):

... um indivíduo totalmente centrado, unificado, dotado das capacidades de razão, de consciência e de ação, cujo "centro" consistia num núcleo interior, que pela primeira vez quando o sujeito nascia e com ele se desenvolvia, ainda que permanecendo essencialmente o mesmo — contínuo ou "idêntico" a ele — ao longo da existência do indivíduo.

Este conceito de identidade, ainda que abarque uma definição estável,

sugerida pela escolha dos vocábulos “centrado”, “unificado”, “contínuo”, representou

uma importante mudança no pensamento da época, pois o homem passou a ser agente de transformação da realidade. Com as Grandes Navegações empreendidas

9 Iniciou-se na Itália, irradiando-se por toda a Europa. Promoveu uma completa negação dos valores e princípios feudais, refletindo ideais urbanos e burgueses. Aliado à Reforma Protestante são os movimentos que marcam o início dos Tempos Modernos. (VICENTINO 1995: 8)

10 Cabe ressaltar que a presente tese não tem a pretensão de relacionar o conceito de identidade nos moldes entendidos na pós modernidade com a obra de Alejo Carpentier. Os conceitos aqui

(30)

a partir do século XV, o homem ampliou não apenas seu poder de conquistar territórios, mas também o seu ponto de vista em relação ao outro. Este outro não era mais o europeu de um Estado nação diferente do observador, havia agora um outro continente, do qual muito pouco se sabia. Era preciso identificar, categorizar esse outro e estabelecer quem exerceria poder sobre quem no encontro entre dois mundos tão diferentes. Tais relações se desenvolvem tal qual afirma Foucault (2001: 1538) ao afirmar:

Eu quero dizer que, nas relações humanas, quaisquer que sejam - que trate de comunicar verbalmente, como fazemo-lo agora, ou que trate-se de relações amorosas, institucionais ou econômicas -, o poder continua presente: eu quero dizer a relação na qual um quer tentar de dirigir a conduta do outro. Estas são, por conseguinte, relações que pode-se encontrar em diversos níveis, sob diferentes formas; estas relações de poder são relações móveis, ou seja elas podem alterar-se, elas não são dadas de uma vez para sempre

As relações de poder, redefinidas com a disseminação das ideias do Humanista do século XVI foram fortalecidas pelo ideario iluminista do século XVIII. O homem passa a ser contemplado como “indivíduo soberano”, processo que alavancou a evolução do pensamento e permitiu o desenvolvimento do sistema político-social que se vislumbra na modernidade.

O século XIX se caracterizou como um intenso período de disputas de ordem intelectual e geográfica. Foi o palco do liberalismo, nacionalismo, imperialismo, da consolidação do método capitalista e do nascimento das ideias socialistas. Em meio a este cenário, a noção de sujeito sofreu algumas atualizações. Era importante considerar que este indivíduo continuava a ser independente e racional, no entanto, não era possível negar que

a identidade é formada na "interação" entre o eu e a sociedade. O sujeito ainda tem um núcleo ou essência interior que é o "eu real", mas este é formado e modificado num diálogo contínuo com os mundos culturais "exteriores" e as identidades que esses mundos oferecem. (HALL, 2011: 11-12)

(31)

indiscutivelmente determinante na caraterização do eu, como se lê na afirmação de Hall (2011: 38-39)

Assim, a identidade é realmente algo formado, ao longo do tempo, através de processos inconscientes, e não algo inato, existente na consciência no momento do nascimento. Existe sempre algo "imaginário" ou fantasiado sobre sua unidade. Ela permanece sempre incompleta, está sempre "em processo", sempre "sendo formada". (...) Assim, em vez de falar da identidade como uma coisa acabada, deveríamos falar de identificação, e vê-la como um processo em andamento. [...] A identidade surge não tanto da plenitude da identidade [...] mas de uma falta de inteireza que é "preenchida" a partir de nosso exterior, pelas formas através das quais nós imaginamos ser vistos por outros. Psicanaliticamente, nós continuamos buscando a "identidade" e construindo biografias que tecem as diferentes partes de nossos eus divididos numa unidade porque procuramos recapturar esse prazer fantasiado da plenitude.

Há agora muitos outros, cujas diferenças vão bem além da identificação étnica ou geográfica. Em meio a tantas particularidades, infindas descobertas e choques culturais, era necessário estabelecer uma união entre os povos. E o equilíbrio entre as particularidades de cada povo não seria a base que sustentaria a política colonizadora aplicada no território americano.

Ainda que em um território com disposição e organização diferentes, os conquistadores europeus seguiram usando a cosmovisão europeia como base para dominação do Novo contimente e o desenvolvimento intelectual das colônias europeias na América caminhava com grandes interrogações no plano de constituição de nação.

Existia no continente americano um notório desenvolvimento territorial, alimentado pelo fluxo de colonos europeus que ocupavam a terra, se casavam, gerando uma descendência fruto da mescla entre o colonizado e o colonizador. A qual identidade de filiaria esta geração? Esse foi um dos questionamentos largamente discutidos desde o século XIX, como pode ser lido em algumas publicações da época.

(32)

efetivas mudanças. Afirma que “Os povos que não se conhecem devem ter pressa

em se conhecer, como aqueles que vão lutar juntos” (Martí, 1983: 194).

O escritor cubano, em seu manifesto, apresenta os pressupostos que julga fundamentais para a produção e utilização do conhecimento no desenvolvimento de um país latino-americano como a solução para solucionar os problemas enfrentados,

pois, segundo ele “Trincheiras de ideias valem mais que trincheiras de pedra” (Martí,

1983: 194). E corrobora o discurso reiterando que a fundação de uma identidade cultural dos povos latino-americanos é substancial para eliminar o perigo da dominação estrangeira, que poderia abalar a hegemonia dos países latino-americanos:

[...] o dever urgente de nossa América é mostrar-se como é, unida em alma e intenção, vencedora veloz de um passado sufocante, manchada apenas com o sangue do adubo, arrancado das mãos, na luta com as ruínas, e o das veias que nossos donos furaram [...] e é urgente, já que o dia da visita está próximo, que o vizinho a conheça, que a conheça logo, para que não a despreze. [...] Porque já ressoa o hino unânime; a atual geração leva às costas, pelo caminho adubado por seus pais sublimes, a América trabalhadora; do rio Bravo ao estreito de Magalhães, sentado no dorso do condor, espalhou o Grande Semi, nas nações românticas do continente e nas ilhas doloridas do mar, a semente da América nova! (MARTÍ, 1983: 200-201)

O manifesto de José Martí, filho de europeus, foi publicado primeiramente no ano de 1891, e é considerado com um dos textos que estariam no cerne da construção de uma identidade latino-americana. Coloca no plano de discussão alguns problemas existentes no continente no século XIX, tais como a luta pela independência frente à Coroa espanhola, como se lê em:

(33)

E a necessidade de estabelecer um método de governo próprio para o continente. Um modelo que não se opõe a beber da cultura de outros povos, mas que se recusa terminantemente a adotar práticas já existentes sem que estas representem a melhor escolha para solucionar os problemas locais.

Nem o livro europeu, nem o livro ianque davam a chave do enigma hispano-americano. [...] Os jovens da América arregaçam as mangas, põem as mãos na massa e a fazem crescer com a levedura de seu suor. Entendem que se imita demais e que a salvação é criar. Criar é a palavra-chave desta geração. O vinho é de banana; e se sair ácido, é o nosso vinho! (MARTÍ, 1983: 1956-197)

Ao conformar em seu manifesto elementos de ordem política e emocional, José Martí fomentava a questão do pertencimento nos territórios colonizados pela Espanha na América. A geração fruto da união de dois mundos distintos deveria forjar um novo destino para este capítulo da história, que não privilegiasse apenas uma visão dos fatos. Era urgente a necessidade de valorizar a prática cultural local. Dessa forma, o discurso do libertário cubano semeava as bases que alicerçariam um movimento em busca da autonomia não somente econômica, mas também politica e cultural. Pode-se vislumbrar a forte emotividade no texto considerando o conteúdo expresso no fragmento a seguir:

Com o fogo do coração, degelar a América coagulada! Verter, fervendo e latejando nas veias, o sangue nativo do país! De pé, com o olhar alegre dos trabalhadores, saúdam-se, de um povo a outro, os novos homens americanos. Surgem os estadistas naturais do estudo direto da Natureza. Lêem para aplicar, não para copiar. Os economistas estudam os problemas nas suas origens. Os oradores começam a ser sóbrios. Os dramaturgos levam à cena os personagens nativos. As academias discutem temas nossos. [...] A prosa, faiscante e depurada, está carregada de idéias. Os governadores, nas repúblicas de índios, aprendem a linguagem dos índios. (MARTÍ, 1983: 200)

(34)

causa comum à coletividade. Quem discorre sobre este processo é o sociólogo Benedict Anderson (2008: 32) em seu livro Comunidades imaginadas. O autor sustenta que uma comunidade se apresenta como imaginada

[...] porque seus membros nunca conhecerão todos os demais; na mente de cada indivíduo reside uma imagem da comunidade da qual participam. Ou seja, ainda que os limites de uma nação não existam empiricamente, seus indivíduos são capazes de criar e imaginar tais fronteiras, criando e imaginando seus membros.

Sua explanação segue para sustentar que, além de imaginada, uma comunidade também se configura como limitada em suas fronteiras por outros territórios. Característica, segundo ele, fundamental para sustentar a ideia de nacionalismo, já que seria inviável consolidar um sentimento nacionalista que abarcasse toda a humanidade, dada a pluralidade que constitui seus indivíduos.

O conceito de limitado aplicado ao de comunidade é um dos fatores que dificulta a instauração de um sentimento de pertencimento que congregue europeus e colonizados. Como colocado no parágrafo anterior, a consolidação de um sentimento nacionalista de caráter universal é inviável. A solução para este impasse é pluralizar o termo identidade e reconhecer que o indíviduo pode filiar-se a várias ideias de pertencimento.

Outra característica que constituiu uma comunidade, segundo Anderson, é sua condição de ser soberana. A construção do nacionalismo, tal qual concebe o sociólogo, estaria intimamente relacionada às transformações ocorridas ao longo da Idade Moderna e Contemporânea. A comum unidade, idealizada até então pelos europeus, foi abalada. O mesmo ocorreu com os habitantes do Novo Mundo, conquistado pelos navegadores ibéricos. Era preciso criar novos modelos identitários que abarcassem a complexidade advinda do encontro entre Europa e América.

A partir do século XX, por volta da década de 1950, condensou-se na América a figura do intelectual, ligado ao campo das letras e artes. Auto-determinavam-se intelectuais, indivíduos que

(35)

e dar-lhes uma significação social, cultural e eventualmente política. (AGUILAR In: ALTAMIRANO 2008: 685)

Frutos de um momento em que o acesso aos bens culturais expandia-se, permitindo que novos grupos sociais, tivessem acesso à leitura, essa porção da sociedade ganhava cada vez mais espaço no cenário da recém-criada crítica literária.

O intelectual, como entendido nesse momento, deixa de estar somente nos espaços restritos da academia, para problematizar questões que não competem apenas ao campo ilustrado das ideias. Encontram um caminho para questionar também problemas que competem a diversas instâncias da esfera pública.

Os intelectuais da América Latina buscaram alcunhar um nome para o continente, numa tentativa de encontrar identificação, de encontrar autonomia. É preciso construir uma ideia de nação e esta deve ser formada de uma série de símbolos, dentre os quais, figura o nome. É neste ponto que se valoriza a questão da identidade e se compreende que esta é múltipla e

... tem a ver com as questões referidas ao uso dos recursos da história, da língua e da cultura no processo do devir e não do ser, não << quem somos>> ou << de onde viemos>>, mas sim em que poderíamos nos converter, como nos representaram e, como isso, abarca o modo como poderíamos nos representar. [...] as identidades se constroem no discurso e não fora dele[...] se constroem através da diferença e não a margem dela. [...] (HALL, DU GAY: 17-19)

Em Los pasos perdidos de Alejo Carpentier os homens das letras, das artes e das navegações seguem sua existência um uma eterna busca. Os conquistadores espanhóis das histórias lidas pelo protagonista, seguiam a estela de Adão na tarefa de dar nome às coisas, mas desta vez, não porque estas não possuam um nome e sim porque este não estava expresso em um idioma que os espanhóis conheciam.

(36)

americano lecionando em cátedras, ocupando a posição de diretor da Imprensa Nacional. Os livros foram seu alfabeto e seu evangelho.

É com a publicação de Los pasos perdidos que o leitor consegue ter contato com o arcabouço humano de Alejo Carpentier. Ao usar suas experiências pessoais como enredo da trama, vislumbra-se um escritor para além do conhecimento ilustrado. Sobre este novo Carpentier, Gonzalez Echeverría (2004: 211-212) comenta :

[...] esse romance representa uma ruptura importante no transcurso de sua obra [...] uma visão extraordinariamente clara das contradições que [...] dão forma à empresa literária de Carpentier. [...] uma série de rupturas e deslocamentos que são o resultado de seu desejo de localizar a América-Latina e seu próprio discurso dentro da história e da escrita ocidental, ou, o que é mais comum, fora delas.

(37)

II ALEJO CARPENTIER: UM INTELECTUAL NO REINO DESTE MUNDO

A relação do escritor cubano Alejo Carpentier com as artes começou a se estabelecer desde sua infância. Sua avó paterna era pianista e seus pais, o arquiteto francês, discípulo de Pablo Casals, e a professora de idiomas de origem russa, sempre cultivaram um ambiente que permitiu a Carpentier escrever e compor desde muito cedo.

O musicólogo cubano, que se destacou por sua habilidade em manejar la pluma, experimentou em sua juventude todo o fervor revolucionário presente no continente Americano nas primeiras décadas do século XX. Integra o Grupo Minorista, ao lado de escritores como Juan Marinello e Nicolas Guillén; atua na direção da expressiva Revista de Avance (1927), na qual se denotava uma forte influência das ideias difundidas nas obras de Picasso e Stravinsky. Porém o vigor em defender e propagar a realidade que o circundava, desde seu nascimento, amadureceu somente após sua estada em Paris.

Os anos que passara em contato com as tendências surrealistas e toda a intelectualidade vigente na Europa promoveram em Carpentier um redescobrimento do continente americano. A escrita automática e todo o aparato tecnicista do movimento idealizado por André Breton não atraía o interesse do escritor cubano. Seu posicionamento a respeito desse momento literário está expresso em seu Diario (2013: 70): “Soy adverso a la literatura onírica [...] El sueño [...] es uma cosa tan

personal, tan íntima, tan vivida por uno mismo, como el amor físico”.

No entanto, o contato com a estética surrealista permitiu uma reflexão que levou o escritor cubano a vislumbrar o surrealismo em solo latino-americano. O campo do absurdo, do desmesurado, manifestado em estado bruto, virgem e alheio a qualquer artificialidade. Dessa descoberta nasceram suas teorias sobre o real maravilloso, inaugurada no prólogo de seu livro El reino de este mundo e aplicada ao longo de todos os seus escritos advindos, na qual comenta que:

(38)

en todo lo latinoamericano. Aquí lo insólito es cotidiano, siempre fue cotidiano.” (CARPENTIER, 1984: 122)

Para tanto, passa a estudar com afinco os documentos que tratam de fornecer dados sobre o Novo Mundo. A respeito deste período de “imersão” na história

americana, temos a seguinte declaração de Carpentier:

[...] desde las Cartas de Cristóbal Colón, pasando por el Inca Garcilaso, hasta los autores del siglo XVIII. Por espacio de casi ocho años creo que no hice otra cosa que leer textos americanos (Alejo Carpentier. 75 Aniversario, p.13. (Entrevista a VELAYOS ZURDO, 1985: 60)

A necessidade de estar sempre munido de dados precisos sobre os temas que lhe interessavam se apresentava como característica massivamente trabalhada em seus, quase, sessenta anos de ofício como jornalista. O que lhe permitiu calcar em suas obras literárias um marcante traço de verossimilhança.

Ainda sobre sua minúcia ao situar o leitor no tempo e espaço, cabe ressaltar que seus escritos literários não foram rotulados pela crítica como literatura informativa: o que reflete uma especial capacidade em manejar as palavras de acordo com o discurso proposto, reconhecida na afirmação que temos a seguir: “El periodista es en si un historiador, él es el cronista de su tiempo, y el que anima con sus crónicas, la gran noche del futuro”. (Granma, La Habana, 16 de enero de 1976 (In: VELAYOS ZURDO, 1985: 55).

Ao analisar aspectos da obra e vida de Alejo Carpentier, é possível vislumbrar que o escritor cubano se figura na sociedade como intelectual latino-americano, que pode parecer destoar do ambiente em que vive, mas que se apresenta como produto da simbiose de culturas tão peculiar ao Novo Mundo. De nacionalidade cubana, conseguiu depreender também os costumes e valores europeus através da educação de seus pais que, como muitos habitantes do Velho Mundo, vieram tentar uma nova vida em solo americano.

(39)

O então jornalista cubano, em seu trabalho como chefe de redação da revista Carteles, armou-se de palavras e usou o discurso escrito para colocar em evidência a realidade ditadorial sobre a qual vivia a ilha de Cuba. Fez de sua postura profissional um modus operandi, não só na jornalística como também na literatura latino-americana. Como se verifica em um fragmento de seu Diario (2013:45) “Quién quiera, en América, tener una acción política eficaz, siendo escritor, debe empezar por hacer una obra importante. Luego, respaldado por la obra, gritar por lo que

quiera.”

A citação contida no parágrafo acima poderia justificar a incessante busca por conhecimento na trajetória profissional e pessoal de Alejo Carpentier, o ferrenho trabalho em seus textos. Seu compromisso em transparecer a verdade, em apresentar ao público, em seus programas radiofônicos, fatos históricos emblemáticos e obras literárias consagradas pelo cânone literário.

Em território parisiense, o inquieto intelectual segue em sua sedenta busca por conhecimento. Deslumbrado com a multiplicidade de campos de atuação e acesso à cultura, Carpentier (2013: 5-6) se envolve em múltiplas atividades, como se pode ler em

Desde su llegada a París [...] para ganarse la vida, había tenido que realizar diversos trabajos de esa índole [lides publicitarias – grifo da autora] en varias instituiciones galas: redactaba publicidade en castellano para la Compañia Transatlántica Francesa, realizaba, además la traducción de la revista turística Le Voyage en France, y promocionaba la importante casa cinematográfica Gaumont Franco Film Aubert (G.F.F.A)

Aproximou-se também de vários artistas, alguns destes pertencentes ao surrealismo, cujo estudo do momento se centrava em redescobrir a América Latina para apresentá-la à cultura ocidental sob um olhar moderno. Sobre esse momento de imersão em território europeu, o autor cubano comenta o seguinte:

Nunca Cuba estuvo más viviente en mi espíritu – en paisajes, hombres, maneras de hablar – que cuando vivía en París. Así mismo, mi visión de París es mucho más exacta, ahora que estoy en América, que cuando vivía allá. (CARPENTIER, 2013:32)

(40)

matiz etnológico em busca de respostas que completassem as lacunas do passado do território americano. Mario de Andrade realizou semelhante trabalho que culminou, posteriormente, no aclamado Macunaíma: o herói sem caráter (1928). Ainda que Carpentier apresentasse pouca simpatia por essa prática terminou por vivenciá-la e, de tal forma, revisar suas considerações sobre o continente americano através de uma experiência semelhante, quando de seu autoexílio na Venezuela:

Los pasos perdidos foi escrito durante seu exilio na Venezuela [...] e, efetivamente, descreve uma viagem que o autor fez remontando o Orinoco até as grandes savanas, [...] uma nota final do livro identifica a cena. Porém não é importante precisar o lugar no mapa. Durante o transcurso da narração, o rio permanece anônimo. Poderia se tratar de qualquer rio americano. O narrador poderia ser qualquer homem que remontara a corrente em busca do passado da humanidade e de sua própria infância. (HARSS, 1966: 508, tradução nossa)

Ao experimentar a estética que objetivava dar lugar ao sonho e a imaginção, com o fim de alcançar paisagens míticas e cosmovisões desmedidas, Carpentier volta seus olhos para seu continente natal e se dá conta de que este processo por lá faz parte do cotidiano da América Latina:

Na América Latina tudo é sem medida: montanhas e cascatas gigantescas, planícies infinitas, selvas impenetráveis. A anarquia urbana coloca tentáculos terra adentro, onde sopram os vendavais. O antigo convive com o moderno, o arcaico com o futurístico, o tecnológico com o feudal, o pré-histórico com o utópico. Em nossas cidades se levantam arranha-céus junto a mercados indígenas onde proliferam ainda os amuletos. Como encontrar sentido nesta profusão, em um mundo cuja devoradora presença ofusca o homem, descalabra sua inteligencia e sua imaginação? (HARSS, 1966: 508, tradução nossa)

(41)

Creo tanto en la misteriosa acción de la vida ajena [...] sobre mi existência, que jamás he tratado de imponer uma voluntad mía a las circunstancias, encuentros, etc que van forjando mi destino. Me dejo llevar por las sorpresas de la existência, sin oponer la menor resistencia. Más aún: son ciertos acontecimentos los que me dictan la actitud a adoptar, la medida por tomar.

Viveu entre dos mundos. Europa foi o ponto de observação que lhe conferiu desapego e distanciamento suficientes para reconhecer as particularidades de sua terra. O escritor vislumbra a territorialidade americana através da desterritorialização advinda do exílio em París. Um perído de preparação para o retorno definitivo. Sobre esse momento sublinha-se que

Carpentier os viveu lançando miradas retrospectivas. Se deu conta de que a vida no estrangeiro, mesmo bem aproveitada, era um destes Dias sem Fim que para o expatriado levam ao vazio. Suspirava pelo continente americano. Carcomia-lhe o desejo de «expresar o mundo da América», de fazer com que seus riachuelos perdidos afluissem ao mar. Agradece aos surrealistas esta iluminação. (HARSS, 1966: 509, tradução nossa)

Ao se descobrir tremendamente ignorante em relação ao passado de seu continente, exerce, neste período, o seu caótico exercício ilustrado de adquirir conhecimento, como se lê em:

«Me consagré durante años enteros a leer todo lo que encontraba sobre América, […] América se presentaba como una enorme nebulosa que yo trataba de comprender, pues sentía vagamente que mi obra se desarrollaría allí, que iba a ser profundamente americana. » Organizarse, advirtió pronto, era sólo dar el primer paso hacia la meta. América tenía algo de fruto prohibido. Como lo demuestra su obra, tuvo que recorrer un largo camino antes que su bibliofilia se convirtiera en experiencia vital. (HARSS, 1966: 509)

(42)

apenas elencar os documentos a respeito dos fatos presentes na narrativa, havia que incluir a intuição nascida da relação íntima entre o contexto e o escritor.

No fim das contas, as cosmogonias indígenas não ofereciam um sistema intelectual nos moldes vivenviados pela sociedade ágrafa. O branco tratava de apreender a realidade indígena e aplicar-lhe sua razão, adequando-a a sistemas para que a Cidade letrada pudesse compreender aquele fenômeno primitivo. O raciocínio do conquistador branco era o viés para toda e qualquer possibilidade de entendimento. Um exemplo dessa prática é o Popol Vuh, o livro sagrado dos maias, que registra a cosmogonia e as tradições orais desse povo, porém sob o olhar de um sacerdote espanhol. O texto indígena foi compilado e censurado durante a Conquista, pois poderia ser um entrave às missões jesuíticas.

Em busca de mais conhecimento, o escritor cubano aprofundava-se no estudo das culturas ancestrais: africana, pré-colombiana. Ainda que pouco evidente em termos artísticos, o estudo parece ter contribuído para o desenvolvimento de uma consciência de latino-americanidade. Carpentier foi um dos romancistas que pretendeu deixar marcado em seus escritos as dimensões das raízes latino-americanas. Em sua obsessão pelo saber, percorreu tantas paisagens e vivências quanto lhe foi possível, para dar conta da assimilação e integração das realdiades que encontrava, até que lhe fossem familiares.

A motivação em seguir os passos perdidos do continente foi o motor de arranque que impulsionou sua trajetória como romancista. Carpentier ao buscar uma definição para América Latina, leva em conta os aspectos sociais, geográficos, políticos, econômicos, históricos desse território de difícil delimitação. Um exemplo desse modus operandi está no livro de ensaios intitulado Tientos y diferencias. Publicado pela primeira vez no México, na década de 60, o livro divide o continente em vários «blocos» principais: a montanha, o rio, a planície. Cada um, segundo a apresentação feita da publicação de Carpentier (1987: 181), seria

(43)

redundante y múltiple. En el centro del crisol se libra la vieja batalla por la supervivencia y la renovación.

As paisagens tipicamente americanas foram tema de romances que antecederam Los pasos perdidos. Podemos citar o destaque dado às planícies de Rómulo Gallegos em Doña Barbara (1929) onde o citadino advogado Santos Luzardo, retorna a sua terra natal, el hato de Altamira, e decide usar seus conhecimentos para que as savanas de Altamira deixem de ser usurpadas por Doña Bárbara. Em Carpentier a selva está em evidência e com ela todo um universo de complexidade histórica e social, com um matiz arquétipico que ficcionaliza o real vivenciado na cidade e o mítico experimentado na convivência em Santa Mónica de los Venados.

Carpentier transita no terreno do absoluto e do categórico. Os contextos postulados por Carpentier para análise do continente americano atuam marcando e determinando os temas de discussão. Objetiva empreender a difícil tarefa de registrar o que é específico e, ao mesmo tempo, genérico na experiência latino-americana. Para tanto, se fará poeta, romancista, historiador, músico, sociólogo, em uma compulsiva busca pela completude. Sobre a busca mencionada no período anterior, temos a seguinte citação de Albert Camus (1985: 57) a respeito da criação:

A criação é a mais eficaz de todas as escolas da paciência. É também o testemunho transformador da única dignidade do homem: a rebelião tenaz contra sua condição, a perseverança em um esforço considerado estéril. Exige um esforço cotidiano, o domínio de sí mesmo, a apreciação exata dos limites do verdadeiro, da mesura e da força [...]

Carpentier afirma que o idioma espanhol, que lhe permite alcançar vinte países, o faria menos nômade frente ao mundo. Ressalta também a intrigante possibilidade de viver várias épocas históricas dentro de um mesmo período cronológico. É como se o tempo da narrativa invadisse o tempo cronológico da existencia real. Para definir tal fenômeno, o intelectual cubano busca inúmeras vezes a terminologia bíblica: Gênesis, Babel e Apocalipse.

Referências

Documentos relacionados

Foucault descreveu quatro feixes de relação e definiu, assim, para todos eles um sistema único de formação, mostrando que eles não são independentes um dos

memória do próprio autor. Ao delimitar espaços físicos, como no contexto aqui apresentado de Havana- Barcelona e ao estabelecer o diálogo entre diferentes temporalidades da

Cabrujas é tão diretor que, sem perceber, trai a verossimilhança de sua própria obra de teatro realista quando, como fica plasmado no fragmento anterior, em lugar de

Este é o liame que utilizaremos para perpassar o trabalho, que tem fontes literárias muito maiores, compulsamos praticamente toda a poesia de Pablo Neruda e de Federico García

E segundo fui informado, o eram pela força e de pouco tempo para cá, e como por mim tiveram notícia de vossa alteza e de seu real grande poder, disseram que queriam ser vassalos

A presente dissertação tem como objetivo realizar um estudo sobre as expectativas e motivações dos estudantes do curso de graduação em Letras Português/Italiano (LPI)

Além das inúmeras considerações sobre a mulher, as quais possuíam uns caracteres peculiares por proceder de uma pessoa de seu mesmo sexo (PALACIO FERNÁNDEZ, 2002), a autora, em seus

Foi iniciada a preparação de um texto que servirá de base à apresentação do colóquio, sobre a parceria firmada entre o pintor-viajante francês François Biard, autor do