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O rio Orinoco e a Selva discursiva de Alejo Carpentier

No documento – PósGraduação em Letras Neolatinas (páginas 90-103)

2ªPARTE: A OBRA LOS PASOS PERDIDOS DE ALEJO CARPENTIER

III- O RELATO DE VIAGEM: HISTÓRIA E APLICAÇÕES

3.3 O rio Orinoco e a Selva discursiva de Alejo Carpentier

Caminante no hay camino se hace camino al andar Antonio Machado

Assim como o poeta espanhol Antônio Machado, na epígrafe que inicia o estudo, afirma-se nesta explanação que o caminho se faz durante o processo da caminhada. Ao se considerar que as vias de chegada até um ponto podem ser finitas, a viagem, real ou imaginada, produz uma mudança, uma alteração da ordem anterior não só do indivíduo, mas também do espaço em questão.

Em conformidade com o exposto, pode-se concordar com a ideia do crítico Tzvetan Todorov (1992: 93), em seu capítulo intitulado “A viagem e a narrativa”, ao afirmar que o conceito de viagem coincide com o de existência, pois ambos implicam um ponto de partida, um trajeto e uma estação final. Considerando suas reflexões sobre as ideias de viagem e narrativa19 vale destacar que

A viagem transcende todas as categorias, até, e inclusivamente, a da mudança, do mesmo e do outro, já que desde a mais alta antiguidade são postas lado a lado viagens de descoberta, explorações do desconhecido e viagens de regresso, reapropriação do familiar: os Argonautas são grandes viajantes, mas também Ulisses o é.

O escritor cubano Alejo Carpentier afirmou em algumas ocasiões que a Venezuela possuía todos os elementos necessários que compunham o “Novo

19 Embora as inquietações no texto de Tzvetan Todorov sejam de ordem política e tenham em

mira a crítica ao colonialismo contemporâneo, ele aborda a relação entre o ato de viajar e a escrita narrativa como questionamento introdutório. E é esta questão que interessa discutir, primordialmente, no desenvolvimento do presente estudo.

Mundo”, graças a sua riqueza no que se refere à variedade de sua paisagem geográfica, humana e cultural. Em uma entrevista20 datada de 1964, comprova-se textualente o acima exposto:

Conocer Venezuela completaba mi visión de América, ya que este país es como um compendido del Continente: allí están sus grandes ríos, sus llanos interminables; sus gigantescas montañas, la selva: La tierra venezonala fue para mí como una toma de contacto con el suelo de América, y meterme en sus selvas, conocer el cuarto día de la creación [...]. Remontar el Orinoco es como remontar el tempo.

Apresenta-se, a seguir, uma reflexão sobre um dos espaços descritos em Los

Pasos Perdidos, do autor cubano Alejo Carpentier, com a intenção de, ao considerar

sua história, personagens e importância para a América Latina vislumbrar o espaço do rio Orinoco como um elemento fomentador da reflexão do intelectual latino- americano do século XX.

O rio Orinoco, um dos principais da América do Sul, e o principal rio da Venezuela, abrange um quarto do território da Colômbia, estende seu braço para interligar-se às águas do Rio Negro, no Brasil, e povoa o imaginário de milhares de viajantes desde os tempos da Colonização europeia na América. Antes de Carpentier e seu anônimo protagonista, outros viajantes navegaram por suas intrigantes águas.

O escritor e padre missionário espanhol José Gumilla (1999:13), no livro El

Orinoco ilustrado, publicado em 1741, apresenta um valioso registro tanto das

distintas comunidades indígenas que povoaram o rio no século XVIII quanto das plantas medicinais, dos animais que ali estavam e demais viajantes que passaram pelo rio. Tornou-se uma das obras pioneiras da antropologia e da etnologia na Venezuela, ainda que não se trate de um livro científico como requer a atualidade. Nele pode-se ler um relato sobre as impressões do conquistador Cristóvão Colombo, em sua terceira viagem empreendida em 1498, ao deparar-se com a grandiosidade do Orinoco.

... admirado de la lozanía de las arboledas de la isla del Orinoco las llamó Islas de Gracia y a la costa de Paria […] la llamó, al día siguiente, de Isla Santa. […] Colón se maravilló mucho de que hubiese en el

20 “Confesiones sencillas de un escritor barroco”, In: Cuba V3.Núm 24, 1964, p.30. Entrevista a César

mundo un río de tan soberbio caudal capaz de llenar de agua dulce todo el golfo y sacó la firme consecuencia de que […] no podía originarse sino de muy vastos y dilatados terrenos y de muy remotas provincias.

O conquistador genovês Cristóvão Colombo registra em seus Diários da

Descoberta da América desde a chegada à foz do rio Orinoco, na então chamada

terra de Gracia, até o percurso que fez ao tentar desvendar aquela intrigante obra da natureza. Ele se encaminha pelas águas do rio Orinoco movido por uma extrema curiosidade, já que seus olhos nunca contemplaram antes semelhante comportamento da natureza (2010: 148-149):

Quando cheguei a esta ponta do Arsenal, verifiquei que ali se abre uma foz [...] entre a ilha de Trinidad e a terra de Gracia [...] Ancorei ali, na referida ponta do Arsenal, fora da referida foz, e achei que as águas vinham do Oriente para o Poente com o mesmo ímpeto que ocorre em Guadalquivir em tempo de enchente e isso, sem parar [...] No dia seguinte [...] descobri que na parte mais baixa da foz havia seis ou sete braças de profundidade, enquanto as correntezas não paravam de entrar e sair [...] atravessei pela foz adentro e logo encontrei tranquilidade, e por acaso se tirou água do mar, que achei doce.

O assombro do conquistador era tal que em suas descrições da nova terra explorada faltavam pontos de comparação. Após a viagem empreendida em 1498, Colombo (2010: 158) declara que, ao deparar-se com tanta desconformidade lhe restava apenas passar a considerar o mundo de maneira diversa. Para ele, o único ponto de comparação possível para as terras americanas se encontrava nos relatos bíblicos. Seria esse Novo mundo o Paraíso terrestre apenas descrito na Bíblia, porém nunca localizado no globo terrestre. Tais considerações se apresentam no fragmento da carta em que se dirige aos Reis Católicos Fernando de Aragão e Isabel de Castilha:

Volto ao meu assunto da terra de Gracia, do rio e do lago que ali encontrei, tão grande que seria justo considerá-lo mar, pois “lago” é lugar de água e, sendo grande, se diz “mar”, como se chamou ao mar da Galiléia e ao mar Morto, e eu afirmo que esse rio emana do Paraíso terrestre e de terra infinita, pois do Austro até agora não se teve notícia, mas a minha convicção é bem forte de que ali, onde indiquei, fica o Paraíso terrestre [...]

Séculos mais tarde, Alexandre Von Humboldt e Aimé Bonpland, ambos nascidos na Alemanha, estiveram na América, subsidiados pela Espanha após uma astuta argumentação de Humboldt, e viajaram pelo que chamavam de “Novo Continente”. Seus escritos repercutiram significadamente a ponto de estabelecerem as linhas para a reinvenção ideológica da América do sul ocorrida durante as primeiras décadas do século XIX e vivenciada nos dois lados do Atlântico, como se lê no livro de Mary Louise Pratt, intitulado Ojos Imperiales: relatos de viaje y

transculturación . Sobre Humbolt diz-se que:

Foi – e ainda é - considerado “ o explorador mais criativo de sua época”; suas viagens pela América eram tidas como “ um modelo de viagens de exploração e uma magnífica conquista geográfica” ”[...] não escreveu nem viajou como um humilde instrumento dos aparatos europeus de construção de conhecimento, mas sim como seu criador. (PRATT, 2011: 212-219)

Em sua primeira viagem, Humboldt e Bonpland, passaram mais de um ano percorrendo o Orinoco e o que havia em suas margens, onde registraram detalhadamente a particularidade da selva, o comportamento dos habitantes e animais da região. Através de seus trabalhos foi possível “reinventar a América” apresentando uma natureza extraordinária, imprevisível, que destoava do modelo categorizável dos lineanos21. Pode-se perceber que suas descrições mantêm o

propósito de desenvolver a pesquisa empírica de campo sem, contudo, deixar de reconhecer o caráter intrigante e inexplicável da natureza americana. Como lemos em

... naveguei trezentas e oitentas léguas pelo interior do continente, desde as fronteiras do Brasil até as costas de Caracas, passando do rio negro ao orenoco através do Casiquiári. Nesta parte superior do rigueiro, entre 3º e 4º graus de latitude norte a natureza renovou muitas vezes o misterioso fenômeno das chamadas águas negras. [...] Provavelmente devem estes a sua singular cor a uma dissolução de hidrogênio carbonado, à riqueza da vegetação tropical e à multiplicidade de plantas que lhe cobrem o leito. (HUMBOLDT, 1950: 218-219)

21 As sociedades lineanas são sociedades científicas cujo nome deriva de Lineu (1707-1778),

naturalista sueco, criador da nomenclatura binomial e da classificação científica, sendo assim considerado o "pai da taxonomia moderna"

As viagens por este mítico rio fluíram ao longo dos tempos não apenas pelos rios do literal, mas também pelas intrigantes correntes do literário. Alejo Carpentier empreendeu, tal qual seu protagonista, uma viagem pelo rio Orinoco. As semelhanças entre a trajetória do intelectual cubano e do protagonista do romance analisado na presente tese são várias. Neste momento em que se pretende reforçar o capital intelectual das nações independentes, as convicções intelectuais sobre o funcionamento do mundo e de seus constituintes se proliferam no imaginário de um latino-americano do século XX. Como se confirma em Pratt (2011: 410)

As primeiras décadas do século XX são, com frequência, consideradas como a época em que a modernidade se consolidou na América. [... ] Nas cidades se desenvolvem as artes, o rádio, a fotografia, o cinema e os movimentos de vanguarda. Os intelectuais se converteram nos portadores da modernidade e dos valores metropolitanos.

No ensaio La ciudad letrada do uruguaio Ángel Rama, evidencia-se esse papel destacado por Pratt no que se refere ao intelectual latino-americano. A obra que apresenta, em seis capítulos, a evolução das cidades latino-americanas, desde a destruição da capital asteca Tenochitlán por Hernán Cortéz até a inauguração de Brasília. Em sua organização, caberia à cidade letrada a tarefa de conceber, projetar e conservar a cidade ideal. No entanto, o que ocorre em Rama (1998:43) é um reflexo do trabalho intelectual vislumbrado na sociedade moderna: a cidade letrada abre caminho para a cidade escriturária. Como se lê em:

Foi evidente que a cidade letrada remedou a majestade do Poder [...] inspirou a distância com respeito ao comum da sociedade. Foi a distância entre a letra rígida e a fluida palavra falada que fez da cidade letrada uma cidade escriturária, reservada a uma estrita minoria.

O protagonista do romance Los pasos perdidos já não estava inserido no mundo acadêmico, na intelectualidade que compreende o trabalho de gabinete, o saber enciclopédico. No entanto, era desde este lugar que o musicólogo observava o mundo a sua volta. Seu trabalho como redator de peças publicitárias não havia sido uma escolha motivada pela tarefa em si, mas sim pelo que ela proporcionaria em termos práticos. A tarefa intelectual era demorada e seus logros mais ainda. Ao

aceitar empreender a busca pelos idófones para o Museu Organográfico, o musicólogo volta à cena, mas desta vez desempenhando uma atividade pouco grata aos renomados estudiosos das culturas primitivas: o trabalho de campo.

Ao empreender, a partir de Puerto Anunciacíon, uma travessia em barco em busca dos materiais requeridos pelo Curador, o musicólogo remonta, através do rio, a história que marcou o início das civilizações22, que se organizavam em torno dos rios porque ali encontraram território fértil para garantir sua subsistência. Ainda que a história do romance de Carpentier se localize cronologicamente no século XX, ao navegar pelos rios o protagonista sugere:

Era como si una civilización extraña, de hombres distintos a los conocidos, hubiera florecido allí, dejando, al perderse en la noche de las edades, los vestigios de una arquitectura creada con fines ignorados. Y es que una ciega geometría había intervenido en la dispersión de esas lajas erguidas o derribadas que descendían, en series, hacia el río: series rectangulares, series en colada plana, series mixtas, unidas entre sí por caminos de baldosas jalonadas de obeliscos rotos. Había islas, en medio de la corriente, que eran como amontonamientos de bloques erráticos, como puñados de inconcebibles guijarros dejados aquí, allá, por un fantástico despedazador de montañas. (CARPENTIER, 1998: 74)

O rio através do qual o anônimo musicólogo reconhecia passagens de textos bíblicos, de crônicas da época colonial, de relatos de viagem escritos por cientistas de séculos anteriores, era, para Montsalvaje, no papel de cientista interessado pelo que a natureza poderia contribuir na cura de enfermidades, uma fonte de incalculáveis descobertas. Ao boticário não importava o que havia sido construído ou deixado em suas margens pela presença humana, mas sim o que crescia ali naturalmente, como lemos em:

Sin interesarse mayormente por saber quiénes somos, el herborizador nos agobia bajo una terminología latina que destina a la clasificación de hongos nunca vistos, de los que tritura una muestra con los dedos, explicándonos por qué cree haberlos bautizado acertadamente. De pronto repara en que no somos botánicos, se burla de sí mismo, calificándose del Señor-de-los-Venenos, y pide noticias del mundo de donde venimos. Algo cuento en respuesta, pero es evidente —lo noto en la desatención de las gentes— que mis nuevas no interesan a nadie aquí. El doctor Montsalvatje quería

saber, en realidad, de hechos relacionados con la vida misma del río. (CARPENTIER, 1998: 75)

Um espaço que se caracterizava, para os que transitam pela região, como uma via de acesso aos espaços de terra firme. O lugar em que se faria a higiene do corpo, a limpeza de roupas e objetos e que também serviria de cenário para ilustrar inúmeras cenas do cotidiano dos que por ali passavam. Em uma das cenas descritas em Los pasos perdidos, o protagonista de Carpentier faz uso do rio como cenário de fuga diante de uma situação constrangedora entre Yannes e Mouche. Como se lê em:

Por acabar con la situación falsa que nos tenía desasosegados en torno a la mesa, propuse que anduviéramos hacia el río [...]El Buscador de Diamantes [...] Ante mi propuesta de salir, compró botellas de cerveza fría, como aliviado, y nos llevó a una calle recta que se perdía en la noche, alejándose de los fuegos del valle. Pronto llegamos a la orilla del río que corría en la sombra, con un ruido vasto, continuando, profundo, de masa de agua dividiendo las tierras. (CARPENTIER, 1998: 58)

O rio, agora como espaço que fomenta reflexão, é depreendido pelo protagonista sob uma nova ótica:

No era el agitado escurrirse de las corrientes delgadas, ni el chapoteo de los torrentes, ni la fresca placidez de las ondas de poco cauce que tantas veces hubiera oído de noche en otras riberas: era el empuje sostenido, el ritmo genésico de un descenso iniciado a centenares y centenares de leguas más arriba, en las reuniones de otros ríos venidos de más lejos aún, con todo su peso de cataratas y manantiales. (CARPENTIER, 1998: 58)

Outra passagem do romance ilustra a atração sentida pelo protagonista ao contemplar o rio, que lhe serve de estrada para alcançar seu objetivo. Por vezes, ao longo da jornada, o musicólogo deixa-se levar pela paisagem que lhe cerca. Reflete acerca da importância daquele elmento da natureza para o equilíbrio do território. Entende sua importância e sua imponência diante do comportamento do rio:

Me vuelvo hacia el río. Su caudal es tan vasto que los raudales, torbellinos, resabios, que agitan su perenne descenso se funden en la unidad de un pulso que late de estíos a lluvias, con los mismos descansos y paroxismos, desde antes de que el hombre fuese inventado. [...] El río entra, en el espacio que abarcan mis ojos, por una especie de tajo, de desgarradura hecha al horizonte de los ponientes; se ensancha frente a mí hasta esfumar su orilla opuesta

en una niebla verdecida de árboles, y sale del paisaje como entró, abriendo el horizonte de las albas para derramarse en la otra vertiente, allá donde comienza la proliferación de sus islas incontables, a cien leguas del Océano. Junto a él, que es granero, manantial y camino, no valen agitaciones humanas, ni se toman en cuenta las prisas particulares. El riel y la carretera han quedado atrás. Se navega contra la corriente o con ella. (CARPENTIER 1998: 59)

O musicólogo confessa também que este misterioso espaço, não somente o rio, mas toda a paisagem da selva, promove o descobrimento que nenhum livro havia empreendido antes em sua consciência: a existência de paisagens que não estavam presentes nas publicações catalogadas pelo homem ilustrado; civilizações que ignoravam os progressos da inteligência humana sem que isso afetasse o curso de sua existência, como se lê em:

... si algo me estaba maravillando en este viaje era el descubrimiento de que aún quedaban inmensos territorios en el mundo cuyos habitantes vivían ajenos, a las fiebres del día, y que aquí, si bien muchísimos individuos se contentaban con un techo de fibra, una alcarraza, un budare, una hamaca y una guitarra, pervivía en ellos un cierto animismo, una conciencia de muy viejas tradiciones, un recuerdo vivo de ciertos mitos que eran, en suma, presencia de una cultura más honrada y válida, probablemente, que la que se nos había quedado allá (CARPENTIER: 1998: 66)

A selva, ali contemplada, ainda era o espaço das criaturas assustadoras dos relatos coloniais. No entanto, tudo parecia perfeitamente orquestrado. O assombroso, desmedido era, ali, rotineiro:

Luego [...], la barca avanzaba ahora, río arriba, bordeando un tanto para esquivar el empuje poderoso de la corriente. Sobre la vela triangular, de galera antigua, muy desprendida del mástil, se reflejaban las luces del poniente. En esta antesala de la Selva, el paisaje se mostraba a la vez solemne y sombrío. En la orilla izquierda se veían colinas negras, pizarrosas, estriadas de humedad, de una sobrecogedora tristeza. En sus faldas yacían bloques de granito en forma de saurios, de dantas, de animales petrificados. (CARPENTIER, 1998: 74)

Ao adentrá-la, o protagonista abre os olhos para enxergar uma nova realidade que o faz crer na existência de uma simbiose de culturas que resultaria em um novo e profícuo modo de coexistência, propriamente, latino-americano. O que ilustra na

obra literária uma afirmação de Alejo Carpentier (1987:99), autor do romance estudado, quando escreve em Tientos, diferencias y otros ensayos que: “América es el único continente en que el hombre de hoy, del siglo XX, puede vivir con hombres situados en distintas épocas que se remontan hasta el neolítico y que le son contemporáneos”. Nasce, na prosa de Carpentier, um sujeito cultural americano que, segundo Pratt (2011: 418)

… nasce através das viagens, em um itinerário que não evita a metrópole, mas a atravessa, para depois voltar ao ponto de partida. O caminho em direção à descolonização e à tomada de consciência não passa ao redor, mas sim através dos códigos da modernidade.

Vale ressaltar que o trajeto que o musicólogo percorreu desde sua saída da capital norte americana até o povoado fundado por Adelantado esteve repleto de percalços. De acordo com palavras do narrador a viagem em avião, por si só, o estimulara a regressar. O ônibus que o transportou de Los Altos até Puerto Anunciación contava com uma estrutura precária e as balsas que o conduziram durante a viagem fluvial não se diferenciavam muito. O narrador parece querer, com sua narração, ressaltar as condições em que se realizou a viagem como uma estratégia para exaltar sua ação de aceitar o que seria considerado um ato descabido na metrópole.

O protagonista menciona ao longo do relato, a existência de algumas provas, grafando-as com letra maiúscula. Ao final da leitura compreende-se que são três as provas impostas pelo narrador, durante a jornada vivida. As duas primeiras se passam durante a travessia do rio. O musicólogo escreve que nestas duas provas deveria vencer os terrores noturnos, cuja descrição se lê a seguir:

Con el trastorno de las apariencias, en esa sucesión de pequeños espejismos al alcance de la mano, crecía en mí una sensación de desconcierto, de extravío total, que resultaba indeciblemente

No documento – PósGraduação em Letras Neolatinas (páginas 90-103)