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O modelo etnográfico e seu meta-modelo

No documento – PósGraduação em Letras Neolatinas (páginas 56-77)

2ªPARTE: A OBRA LOS PASOS PERDIDOS DE ALEJO CARPENTIER

III- O RELATO DE VIAGEM: HISTÓRIA E APLICAÇÕES

3.1 O modelo etnográfico e seu meta-modelo

O vocábulo etnográfico12 se define, inicialmente, como a escrita sobre outras etnias, feita por alguém que não pertence à etnia em estudo. Tal modelo foi criado e amplamente divulgado no século XIX, momento em que se constituíram as Ciências Humanas, e preconizava-se no texto, dentre outras regras, a função referencial da linguagem, a predileção pelo denotativo, a ordem direta, os verbos em indicativo, a utilização da terceira pessoa do singular, sem incursões pela primeira pessoa, do teor testemunhal, privilegiava-se o estilo indireto, o uso moderado de adjetivos.

O relato etnográfico costuma ser organizado em datas e contém o maior número de referências possíveis, partindo do ponto de vista cultural do enunciador. Dispõem-se as informações de modo que o leitor, mesmo não estando presente na cena, possa compreender os fenômenos sociais ocorridos na comunidade estudada. Um dos estudos mais reconhecidos da etnografia intitula-se “Os argonautas do Pacífico Ocidental”, escrito por Bronislaw Malinowski (1884-1942) e publicado em 1922. Nesta obra encontra-se o relato de uma experiência vivenciada entre os nativos das ilhas Trobriand. É considerado inovador pois caminha na direção contrária dos trabalhos que vêm sendo realizados ate então, já que privilegia a observação participante, estabelecendo uma tensão entre o trabalho de campo, pouco valorizado pelos pesquisadores, e o trabalho de gabinete.

Também não se poderia deixar de abordar a obra Tristes trópicos de Claude Levi-Strauss (1908-2009) publicada pela primeira vez em 1955, reconhecido como o criador da antropologia estrutural. Assim como Malinowski, Strauss também escreveu sobre o cotidiano de comunidades indígenas em seus cadernos de campo. Em Tristes trópicos, obra dividida em nove partes, Strauss registra não somente suas experiências vividas em comunidades indígenas brasileira, mas também descrições da cidade de São Paulo na década de 30. Além disso, contém

12No dicionário (HOUAISS e VILLAR, 2009, p. 847) encontram-se as seguintes definições para a

referida palavra: “1: estudo descritivo das diversas etnias, de suas características antropológicas, sociais etc. 2: registro descritivo da cultura material de um determinado povo”

reflexões acerca do trabalho de etnógrafo e sobre as tensões entre cidade x campo; primitivo x moderno vividas no Novo mundo. O material do livro é fruto do estudo de um grupo de professores franceses que vêm à São Paulo para trabalhar na implantação da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas na recém- inaugurada Universidade de São Paulo. Trabalho que rendeu a Strauss o conhecimento necessário para ser reconhecido mundialmente como etnógrafo. Sobre a etnografia, estudo ainda pouco valorizado na primeira metade do século XX, Strauss ( 1996: 356) interroga:

O que é exatamente uma pesquisa etnográfica? O exercício normal de uma profissão como as outras, com essa única diferença de que o escritório ou o laboratório estão separados do domicílio por alguns milhares de quilômetros? Ou a consequência de uma escolha mais radical, implicando um questionamento do sistema no qual nascemos e crescemos? [...] largara minha carreira universitária, enquanto isso, meus condiscípulos mais ajuizados [...] eram, hoje, deputados, em breve ministros. Quanto a mim, eu corria os desertos perseguindo os detritos da humanidade.

A tensão entre o prestigioso e limitado trabalho de gabinete e o inóspito trabalho de campo é um dos temas abordados ao longo do romance Los pasos

perdidos de Carpentier. O escritor cubano, além de jornalista, é também musicólgo e

desenvolveu estudos teóricos que exigiram uma pesquisa in locus. É possível reconhecer dados biográficos de Alejo Carpentier em diversas passagens dessa obra.

Como musicólogo, o Carpentier é internacionalmente conhecido por seus trabalhos de pesquisa no âmbito histórico e musical como, por exemplo, La música

en Cuba, publicado em 1946. O próprio tema do romance em análise na presente

tese é fruto de uma viagem de Carpentier ao interior da Venezuela em uma de suas buscas pelas raízes americanas. Como revela o fragmento encontrado na quarta capa de uma edição de Los pasos perdidos:

Inspirado em experiências pessoais vividas pelo autor no interior da Venezuela, a viagem do anônimo protagonista do romance […] se revela […] como um retrocesso no tempo, através das etapas históricas mais significativas da América, até as origens, até a época das primeiras formas da invenção da linguagem. (CARPENTIER, 1998)

Esta assertiva foi confirmada nos estudos de Jorge Oscar Pickenhayn , que apontam o romance Los pasos perdidos como uma das obras mais pessoais de Carpentier. O processo de criação de Carpentier, seja no cenário literário ou jormalístico, parecia desenvolver-se como uma tarefa minusciosa. Tal qual o sujeito poético de Profissão de fé, do poeta brasileiro do período parnasiano, Olavo Bilac, Alejo Carpentier também

Corre; desenha, enfeita a imagem, […]

Torce, aprimora, alteia lima A frase

[…]

E horas sem conto passo, mudo, O olhar atento,

A trabalhar, longe de tudo O pensamento

Doutrinado por ideias que defendem a possibilidade de encontrar em comunidades primitivas a origem da música, e que esta se inspiraria nos sons encontrados na natureza para realizar uma mera musicalização de ritos, sem qualquer espaço para a criatividade, o protagonista do romance de Carpentier “viaja por él [el río Orinoco] hasta las raíces de la vida, pero cuando quiere reencontrarla ya no puede, pues ha perdido la puerta de su existencia auténtica”. (CARPENTIER, 1965: 218).

O capítulo que inicia o romance do escritor cubano apresenta ao leitor uma sociedade na qual a figura masculina está reificada. Dentro desse sistema, as relações interpessoais se desenvolvem apenas em um plano superficial e carecem de sentido. Os atos das personagens se apresentam como meros esquemas impostos, executados de forma repetida, como se confirma na seguinte passagem sobre a vida do protagonista:

Había grandes lagunas de semanas y semanas en la crónica de mi propio existir; temporadas que no me dejaban un recuerdo válido[…] días en que todo gesto me producía la obsesionante impresión de haberlo hecho antes en circunstancias idénticas [...]Cuando se festejaba mi cumpleaños en medio de las mismas caras, [..] me asaltaba invariablemente la idea de que esto sólo difería del cumpleaños anterior en la aparición de una vela más sobre un pastel cuyo sabor era idéntico al de la vez pasada. Subiendo y bajando la

cuesta de los días, con la misma piedra en el hombro, me sostenía por obra de un impulso adquirido a fuerza de paroxismos (CARPENTIER, 1998: 4-5)

Na citação anterior, evidencia-se a semelhança entre a vida do anônimo musicólgo e o destino final da personagem mitológica Sísifo, filho de Éolo, deus dos ventos e descendente direto de Prometeu. Sísifo ficou conhecido como o mais astucioso de todos os mortais. Fundou a cidade de Cortinto e, segundo Homero, foi um rei justo e pacífico. Mas sua impetuosidade em desafiar os deuses fez com que Sísifo fosse castigado por Júpiter a passar a eternidade no Tártaro rolando uma enorme rocha até o alto de uma montanha e atirá-la daquele cume, tarefa que se repetiria para sempre.

No romance de Carpentier, não era apenas o protagonista que vivia com o pesar de desempenhar um ofício enfadonho. Sua esposa Ruth também se mostrava fatigada em sua carreira de atriz. Na passagem a seguir Carpentier trata da rotina e da relação desgastada entre o protagonista do romance e sua esposa:

Hasta las paredes de la habitación se habían tajado, al ser tocadas siempre en los mismos lugares […] Sentado ahora en el diván que de verde mar había pasado a verde moho, me consternaba pensando en lo dura que se había vuelto, para Ruth, esta prisión de tablas de artificio, con sus puentes volantes, sus telarañas de cordel y árboles de mentira. […] No le faltaban ganas de romper el contrato. Pero tales rebeldías se pagaban, en el oficio, con un largo desempleo, y Ruth, que había comenzado a decir el texto a la edad de treinta años, se veía llegar a los treinta y cinco, repitiendo los mismos gestos, las mismas palabras, todas las noches de la semana, todas las tardes de domingos, sábados y días feriados […] El éxito de la obra aniquilaba lentamente a los intérpretes, que iban envejeciendo a la vista del público dentro de sus ropas inmutables, […] (CARPENTIER, 1998: 2- 3)

Sobre esta personagem, Carpentier, em sua narração, constrói uma metonímia13, cuja lógica se estabelece a partir de um príncipio nada universal. A relação íntima entre o casal é denominada pelo narrador como Convivencia do Sétimo día, já que apenas aos sábados cumpriam o que acreditavam ser a função de marido e mulher, como se lê em:

13 Atualmente, não se faz mais a distinção entre metonímia e sinédoque (emprego de um termo

em lugar de outro), havendo entre ambos relação de extensão. Por ser mais abrangente, o conceito de metonímia prevalece sobre o de sinédoque.

Pero otra vez un texto, un escenario, una distancia, se interponía entre nuestros cuerpos, que no volvían a encontrar ya, en la Convivencia del Séptimo Día, la alegría de los acoplamientos primeros. (CARPENTIER, 1998:7)

Um aspecto que chama atenção ao longo do relato é a extensa lista de referências dadas pelo personagem. O que parece querer denotar a erudição do protagonista, refletindo uma tendência comum dos intelectuais na primeira metade do século XX. A título de exemplo temos a citação de nomes como os de André Schaeffner e Curt Sachs, notáveis representantes da chamada musicologia comparada, precursora da etnomusicologia atual; também a constante menção aos clássicos alemães Bach e Wagner expoentes do barroco e romantismo, respectivamente; os compositores eruditos Meyerbeer, Donizetti, Rossini e Hérold, todos europeus, sem esquecer as frequentes alusões à Nona sinfonia de Beethoven sobre a qual a personagem comenta:

[…] llegándose al tema de los obreros ilustrados que allá, en su ciudad natal, junto a una catedral del siglo XIII, pasaban sus ocios en las bibliotecas públicas y los domingos […] llevaban sus familias a escuchar la Novena Sinfonía. (CARPENTIER, 1998: 99)

Além das referências musicais têm-se também as filosóficas e literárias, como Nietzsche, Mallarmé e Lord Byron; e as obras Prometeu acorrentado, Odisséia contando também com os livros sagrados dos cristãos, a Bíblia, e dos povos pré- colombianos: o Popol Vuh e o Chilam- Balam.

Essa preocupação com a forma e os detalhes de seus escritos pode ser comprovada por palavras do próprio Carpentier, no que diz respeito à planificação do cenário: “Antes de escribir una novela trazo un plan general que comprende plano de las casas, dibujos de los lugares en que va a transcurrir la acción” (In: GIACOMAN, 1970: 109-110) Processo que resulta no estabelecimento de uma obra rica e complexa como afirma Roberto González Echeverría (2004: 62) ao enunciar:

... Carpentier sempre é um contexto problemático, porém persistente para si mesmo […] A ordem na qual se inscreveram os textos de Carpentier constituem uma via de acesso à mecânica dos textos, uma rota, por assim dizer, cheia de recursos e meandros.

A partir do segundo capítulo a organização do relato toma forma de caderno de campo, tal qual uma etnografia. Datados, em sua maioria, e com descrições minuciosas das paisagens e das personagens encontradas, os capítulos retratam a experiência vivida desde sua chegada à capital latino-americana até sua saída de Santa Mónica de los Venados.

Assim como nos textos etnográficos privilegia-se no discurso do narrador de

Los pasos perdidos, o uso do estilo indireto. O narrador fornece, no início da trama,

poucas informações sobre si mesmo, detém-se a descrever o espaço, os elementos que o rodeiam e apresenta sua esposa Ruth como mais uma prisioneira desse mundo hipócrita. Toma-se conhecimento da profissão do protagonista apenas a partir do segundo capitulo quando este, em casa de sua amante Mouche, contempla uma das propagandas em que aplica seus conhecimentos como músico a serviço do mercado publicitário, se verifica a seguir:

Y pronto quedó montado el proyector con la copia de la película presentada la víspera, […] Aquello había costado tres meses de discusiones, perplejidades, experimentos y enojos, pero el resultado era sorprendente. El texto mismo, escrito por un joven poeta, en colaboración con un oceanógrafo, bajo la vigilancia de los especialistas de nuestra empresa, era digno de figurar en una antología del género. […] Y en cuanto al montaje y la supervisión musical, no hallaba crítica que hacerme a mí mismo.[…] Y después de la segunda proyección, […] se me rogó por una tercera. Pero cada vez que mis ojos, […] , alcanzaban el «fin» floreado de algas [...], me hallaba menos orgulloso de lo hecho. (CARPENTIER, 1998:14)

Essa vida de representações, tomada por um ofício que não agrada o musícólogo, porém “paga suas contas” o deixa desmotivado, levando-o a remoer com amargor as palavras de seu pai:

Me pareció oír la voz de mi padre, tal como le sonaba en los días grises de su viudez, cuando era tan dado a citar las Escrituras: «Lo torcido no se puede enderezar y lo falto no puede contarse.» […] Y amarga me sabía ahora la prosa del Eclesiastés al pensar que el Curador, por ejemplo, se hubiera encogido de hombros ante ese trabajo mío, considerando, tal vez, que podía equipararse a trazar letras con humo en el cielo, o a provocar, con un magistral dibujo, la salivación meridiana de quien contemplara un anuncio de corruscantes hojaldres. (CARPENTIER, 1998:14)

No que concerne à descrição do cenário, temos expressões como “columnas enfermas” e “vulvas de plantas insectívoras”; comparações entre seres animados e inanimados em “caimanes parecían maderos pudridos” e “las hojas enormes, abiertas como manos”, todo um universo mítico que reserva ao leitor apenas a ação de deixar-se conduzir pela sinuosa estrada ficcional construída por Carpentier. A respeito do modo de organização de seu discurso, Echevarría (2004: 67-68) discorre:

O itinerário das obras de Carpentier inclui a invenção de uma linguagem arcaica, como em Larreta, uma erudição enciclopédica, como em Borges, e o desejo constante de inaugurar a escrita, como em Neruda. Chegar a conhecer a trajetória de Carpentier implica chegar a conhecer a problemática da literatura latino-americana moderna

Em relação ao tempo na narração, é possível afirmar que em Los pasos

perdidos, essa variante apresenta-se como tema da obra, já que o protagonista

empreenderia uma viagem al revés através dos tempos rumo aos Compases del Génesis como se lê em

Porque, al atardecer, hemos caído en el habitat de un pueblo de cultura muy anterior a los hombres con los cuales convivimos ayer. Hemos salido del paleolítico […] para entrar en un ámbito que hacía retroceder los confines de la vida humana a lo más tenebroso de la noche de las edades. (CARPENTIER, 1998:98)

Há na narrativa, simultaneamente, o tempo cronológico em que se descreve a viagem à capital latino-americana, o transcorrer dos dias de conflito em que o protagonista fica preso no hotel em que está hospedado. Mas há também um tempo que parece correr em sentido contrário ao cronológico. À medida que o protagonista ingressa na selva americana, o tempo deixa de ser medido por instrumentos mecânicos e passa a ser vivenciado com base nas paisagens contempladas ao longo do caminho. Paisagens que o protagonista reconhece ao rememorar a leitura dos textos que datam, cronologicamente, do tempo da colonização europeia. Roberto Echeverría (2004: 215) em seu livro Alejo Carpentier: el peregrino en su

... confome penetra na selva, o protagonista, chega a crer que está viajando através de toda a historia humana, como se sua viagem não fosse por uma paisagem real, mas sim através de um museu imaginário, ou um compêndido de história mundial lido ao revés. Sua viagem é também através da memória pessoal, através de todas as etapas de sua vida passada, até a infância e em última instância até seu próprio nascimento

Essa percepção atemporal se ratifica em uma passagem do romance na qual o protagonista constata:

Observo ahora que yo, maniático medidor del tiempo, atento al metrónomo por vocación y al cronógrafo por oficio, he dejado, desde hace días, de pensar en la hora, relacionando la altura del sol con el apetito o el sueño. El descubrimiento de que mi reloj está sin cuerda me hace reír a solas, estruendosamente, en esta llanura sin tempo (CARPENTIER, 1998:60)

No que concerne as escolhas verbais, temos a predominância do pretérito imperfeito nos momentos em que o narrador recorda com saudosismo o passado, como se vislumbra desde o primeiro capítulo:

Hacía cuatro años y siete meses que no había truelto a ver la casa de columnas blancas, con su frontón de ceñudas molduras que le daban una severidad de palacio de justicia, y ahora, […], tenía la casi penosa sensación de que el tiempo se hubiera revertido. Cerca del farol, la cortina de color vino; donde trepaba el rosal, la jaula vacía. Más allá estaban los olmos que yo había ayudado a plantar en los días del entusiasmo primero, cuando todos colaborábamos en la obra común (CARPENTIER 1998: 1-2)

O presente é utilizado, poucas vezes, comumente no registro de alguma cena corriqueira, como se lê em:

Me siento de piernas tiesas en el fondo de un sillón de mecedora, [...], y abro el Epítome de Gramática de la Real Academia, que esta tarde tengo que repassar [...]La negra, allá en el hollín de sus ollas, canta algo que se habla de los tiempos de la Colonia y de los mostachos de la Guardia Civil.[...] Llamo a María del Carmen, que juega entre las arecas en tiestos, los rosales en cazuela, los semilleros de claveles, de calas, los girasoles del traspatio de su padre el jardinero.[...] Nos envuelve el olor a esparto, a fibra, a heno, de esta cesta traída, cada semana, por un gigante sudoroso, que devora enormes platos de habas a quien llaman Baudilio. (CARPENTIER, 1998: 49-50)

O uso da primeira pessoa do singular, cuja forma em alguns tempos se iguala ao uso da terceira pessoa, faz crescer na narrativa esse entrecaminho traçado entre o narrador do romance e o escritor cubano, que utiliza suas memórias pessoais como matéria de criação, não apenas neste, mas especialmente em Los pasos

perdidos, como lemos em Echevarría (2004: 222): “O narrador é este espaço entre o

<<eu>> e o <<ele>> e entre aquele momento e o agora; [...] essa falta de centro gera o barroquismo estilístico de Carpentier [...] assim como o reiterativo do texto e seu final aberto.”

A seguir destacaremos algumas datas relevantes para a trama de Carpentier. O capítulo que inaugura o caderno de campo, marca a chegada do musicólgo à cidade latino-americana em 7 de junho. Na passagem do romance que se lerá a seguir, é possível notar o estranhamento da personagem com um território que lhe parecia alheio, ainda que o narrador tivesse nascido naquele espaço:

… aquella capital dispersa, sin estilo, anárquica en su topografía, cuyas primeras calles se dibujaban ya debajo de nosotros […] Al amanecer, cuando volábamos entre nubes sucias, estaba arrepentido de haber emprendido el viaje; tenía deseos de aprovechar la primera escala para regresar cuanto antes y devolver el dinero a la Universidad. Me sentía preso, secuestrado, cómplice de algo execrable, […] (CARPENTIER 1998: 20-21)

Outra questão que se soma à que acabamos de discorrer é a relevância do idioma materno na rememoração de um perfil identitário na América de origem hispânica. O protagonista de Carpentier (1998: 23) está habituado a se expressar em um idioma estrangeiro. Está tão territorializado ao usá-lo que ao ouvir o idioma de sua infância sente:

… una fuerza me penetra lentamente por los oídos, por los poros: el idioma. He aquí, pues, el idioma que hablé en mi infancia; el idioma en que aprendí a leer y a solfear; el idioma enmohecido en mi mente por el poco uso, dejado de lado como herramienta inútil, en país donde de poco pudiera servirme

Ao passo que este idioma, constantemente utilizado na infância, deixou de ser

No documento – PósGraduação em Letras Neolatinas (páginas 56-77)