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5 REFLEXÕES SOBRE O TRABALHO COM O TEXTO LITERÁRIO NA

5.1 O USO DO LIVRO DIDÁTICO NA ESCOLA

Sabemos que na escola pública o livro didático é de suma importância para auxiliar o trabalho do professor na sala de aula. Ele, o livro, é o que possibilita o trabalho ser mais ágil, já que na falta do mesmo, na maioria das vezes, o professor teria que utilizar apenas a lousa e o giz para desenvolver suas atividades em classe, visto que em grande parte das escolas, há grande escassez de recursos didáticos, controle rigoroso de cópias permitidas por alunos e pouco apoio de funcionários da biblioteca.

O livro, que é distribuído pelo governo federal, por meio do PNLD, já é tradição na escola:

O Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) é o mais antigo dos programas voltados à distribuição de obras didáticas aos estudantes da rede pública de ensino brasileira e iniciou-se, com outra denominação, em 1929. Ao longo desses 80 anos, o programa foi aperfeiçoado e teve diferentes nomes e formas de execução. Atualmente, o PNLD é voltado à educação básica brasileira, tendo como única exceção os alunos da educação infantil. Veja abaixo o histórico do Programa: 1929 - O Estado cria um órgão específico para legislar sobre políticas do livro didático, o Instituto Nacional do Livro (INL), contribuindo para dar maior legitimidade ao livro didático nacional e, conseqüentemente, auxiliando no aumento de sua produção (FUNDO..., [s.d.]).

Podemos avaliar que, há muitos anos, a escola pública utiliza o livro didático para orientar o trabalho do professor. Este último, por diferentes razões, vê o livro como principal e/ou até mesmo como único recurso para realizar o seu trabalho docente. Mesmo assim, devemos refletir quanto ao uso acrítico do livro didático na classe, atentando-nos às palavras de Zilberman, quanto às abordagens do texto literário na escola:

A seguir, associou-se leitura com o conhecimento da tradição literária, valorizando o passado da literatura nacional e os escritores que então pontificaram. Estes, por seu turno, raramente são consumidos por via direta, e sim através da mediação do principal meio de leitura da escola brasileira: o livro didático, descendente das apostilas e seletas de tempos idos. Porém, o êxito do didático, cuja produção aumenta à medida que cresce a população estudantil, atravessando os graus de ensino e, hoje, confortavelmente instalado, com toda propriedade, na universidade,

só foi possível porque vigora ainda a dificuldade de acesso a outro tipo (ZILBERMAN, 2012, p. 89).

Dessa forma, o livro didático é aplicado, habitualmente, tanto nas as aulas de língua quanto nas aulas de literatura, deixando, assim, lacunas no ensino de literatura, porque o ideal seria que o aluno tivesse contato com o próprio livro literário, mas não é o que ocorre na realidade. Geralmente, os professores priorizam o trabalho com o livro didático, que muitas vezes apresenta o texto literário de forma fragmentada, ou seja, o aluno não tem contato com a obra integral, deixando o ensino estático e inconsciente, o que contribui com uma educação aquém daquela adequada ao aluno, o que é corroborado pelas opiniões de Zilberman:

A distância entre o eventual leitor e o livro nunca deixou de alargar-se, por mais que crescesse o número de estudantes e de publicações no país. O didático soube ocupar o vazio que se estabeleceu, correspondendo de modo cabal às características imprimidas pela indústria livreira ao mercado nacional: proporcionalmente, ele apresenta-se como um livro barato, pois um único exemplar serve para as atividades de um todo um ano escolar; mas não é um objeto que possa ser socializado, já cada aluno precisa possuir o seu, consumido no decorrer do período anual de estudos, razão por que a indústria do livro sempre pode crescer (ZILBERMAN, 2012, p. 90).

As considerações de Zilberman elucidam o que percebemos em nossa análise acerca do livro didático, em razão do mesmo ser utilizado para todas as atividades durante o ano letivo.

Quanto ao livro que utilizamos para análise (dos autores Cereja e Magalhães), apontaremos o que observamos a respeito do trabalho com o texto literário. Para isso, faremos uma breve retomada sobre o mesmo. O LDP, Português: linguagens, 6º ano: língua portuguesa, está organizado em quatro unidades, as quais possuem quatro capítulos, sendo três iniciais e o último, chamado de Intervalo.

Segundo Cereja e Magalhães, o último capítulo é especial, pois apresenta um projeto que envolve toda a classe. Acreditamos que as propostas deste capítulo, se bem exploradas pelo professor e incentivadas pela escola, possibilitam obter bons resultados, já que os autores propõem ao professor e aos alunos que apresentem à escola o que foi trabalhado em sala, como: mostras, confecção de livros, jornal e/ou revista, representação teatral, seminários etc. Devemos ressaltar, no entanto, que tais propostas não priorizam o trabalho com o texto literário, dado que os autores trabalham com diferentes gêneros textuais.

Eles esclarecem que, dos três capítulos iniciais de cada unidade, dois são abertos com textos verbais e estão organizados em cinco seções essenciais: Estudo do texto, Produção de texto, Para escrever com expressividade/adequação/coerência e coesão, A língua em foco e

De olho na escrita. Um destes capítulos possui leitura de uma ou mais imagens, tais como: pintura, fotografia, cartum, escultura etc. Elas são sempre relacionadas ao tema proposto da unidade, com o intuito de ampliar os referenciais culturais do aluno, a partir de estratégias nas modalidades de leitura sistematizada de linguagens não verbais ou mistas.

Cereja e Magalhães esclarecem, na Introdução do Manual do Professor, como foi realizado o trabalho com o texto literário no livro didático:

Nesta edição, procuramos confirmar e aprofundar os rumos traçados nas edições anteriores. Por exemplo, a proposta de um trabalho consistente de leitura, com uma seleção criteriosa de textos – que vão dos clássicos da literatura universal aos autores da literatura contemporânea brasileira –, comprometida com a formação de leitores competentes de todos os tipos de texto e gêneros em circulação social [...] (CEREJA; MAGALHÃES, 2012, p. 4).

Quanto ao literário, podemos notar que os autores afirmam que fizeram uma seleção criteriosa de textos de literatura que vão do clássico ao contemporâneo. Entretanto, em nossa análise de todo o LDP, constatamos que realmente há textos literários no livro, porém, trata-se de uma quantidade pouco expressiva. Encontramos como textos de abertura de capítulos: Senhora Holle (dos Irmãos Grimm), Peter Pan (de James Barrie), Negócio de menino com menina (de Ivan Ângelo), Os meninos morenos (de Ziraldo) e O pintinho (de Carlos Drummond de Andrade).

Como princípio dos capítulos, tais textos ganharam maior destaque e são utilizados para abordar atividades de leitura, compreensão e interpretação do texto. Devemos salientar que nem todos os referidos textos estão disponíveis para leitura integral. Cremos que, por se tratar de textos com maior extensão, os autores optaram por colocar um fragmento e a partir deste, elaborar as atividades.

Igualmente, é possível encontrar outros textos literários no livro didático, como: a canção, A formiga (de Vinícius de Morais e Paulo Soledade); o poema, Espelho (de Roseana Murray); um fragmento da Canção do Exílio (de Gonçalves Dias) e os poemas, VI (de Mário Quintana), Infância (de Lalau e Laurabeatriz), entre outros. Contudo, eles são adotados para dar sustentação às atividades de análise linguística que em nada se associam à leitura literária.

Deste jeito, percebemos que há um equívoco no trabalho com a literatura neste livro didático, pois o texto literário somente tem uma abordagem com maior destaque se foi selecionado para abertura de um capítulo, caso contrário, será visto apenas como pretexto para atividades de análise linguística.

cada unidade levam em consideração tanto as recomendações dos PCNs ―[...] quanto os temas transversais, a faixa etária e o grau de interesse dos alunos.‖ (CEREJA; MAGALHÃES, 2012, p. 5).

Depreendemos que os autores, neste livro, priorizaram o trabalho com diferentes gêneros textuais. Em toda a obra, há diferentes tipos de textos, a saber: cartuns, tiras, histórias em quadrinhos, receitas, anedotas, poemas, crônicas, músicas, pinturas, anúncios, ou seja, eles optaram por desfrutar uma diversidade textual. Cereja e Magalhães abordam sobre o trabalho com gêneros, a partir da concepção de Mikhail Bakhtin:

Segundo Bakhtin, todos os textos que produzimos, orais ou escritos, apresentam um conjunto de características relativamente estáveis, tenhamos ou não consciência delas. Essas características configuram diferentes textos ou gêneros do discurso, que podem ser caracterizados por três aspectos básicos coexistentes: o tema, o modo composicional (a estrutura) e o estilo (usos específicos da língua) (CEREJA; MAGALHÃES, 2012, p.28).

Diante disso, a opção dos autores em valer-se de diferentes gêneros textuais causa certa incoerência, pois, como vimos na citação reproduzida de parte introdutória do material do professor, eles afirmam estar comprometidos com a formação de leitores competentes, a partir da ―[...] proposta de um trabalho consistente de leitura, com uma seleção criteriosa de textos – que vão dos clássicos da literatura universal aos autores da literatura contemporânea brasileira [...]‖ (CEREJA e COCHAR, 2012, p. 4), o que nos dá a entender que a leitura literária teria lugar de destaque, o que na verdade não acontece.

É fato que não podemos negar que o livro didático é um importante suporte para o professor na sala de aula, no entanto, como o livro possui uma abordagem voltada para uma variedade de gêneros, deixa grandes lacunas no trabalho com a literatura. Reconhecemos que o livro didático não se trata de um livro de literatura e não possui como objetivo trabalhar somente com textos literários, porém, estamos analisando como é realizado o trato do texto literário no livro e se ele possibilita um trabalho consistente de letramento literário, com o fim de formar leitores de literatura.

Sendo assim, não podemos ignorar as declarações de Zilberman, quando elucidam que o livro didático tornou-se quase a única forma de acesso dos alunos ao texto literário. Também, em outro texto, em que a estudiosa discute a escolarização da literatura, há um alerta quanto ao equívoco no trabalho na escola: ―Por outro lado, não se formam leitores quando a literatura é expurgada da sala de aula, miniaturizada na condição de texto ou diluída em generalidades pouco esclarecedoras.‖ (ZILBERMAN, 2009, p. 18).

Presumimos que os autores devem saber da importância do texto literário na construção dos aprendizes, portanto, deveriam assumir a tarefa de ajudar o professor na formação de leitores de literatura, começando por um bom trabalho com os textos em seu livro.

Assim sendo, afirmamos que o livro didático, que é muito utilizado na sala de aula, não possibilita o letramento literário, em razão de servir como pano de fundo para atividades de análise linguística e/ou como guia de práticas de leituras pouco criativas, repetitivas e dependentes de fórmulas que, na generalidade, se distanciam do prazer e/ou não requerem uma leitura crítica do aluno, o que contrasta com as convicções de Ana Arlinda de Oliveira:

A literatura produz conhecimento, não porque esteja na escola, mas por dar conta de épocas, geografias e estilos de vida que não vivemos, mas que têm estreitas relações com o que somos hoje. A busca de leitura prazerosa não exclui a aquisição de conhecimento, pois jamais deixa de trazer informações ao leitor (OLIVEIRA, 2010, p. 1).

Sendo assim, em meio a tantas dissonâncias, concluímos que o texto literário não é concebido, no LDP que pesquisamos, como expressão cultural carregada de significados, logo, não alcançará o seu objetivo de fazer com que o aluno usufrua o texto e se envolva com as palavras.