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CAPÍTULO 2 – METODOLOGIA DA PESQUISA

3.5 LM EM TURMA DE LE

Em contextos bilíngues, como é o caso dos cursos de LE, a LM desempenha um papel importante na organização do trabalho. Nesta seção, veremos de que maneira ela se manifesta nos discursos de nossas turmas de FLE e refletiremos sobre a postura do professor frente a essas alternâncias de línguas.

3.5.1 LM e as trocas verbais em turma de FLE

Em 2005, no decorrer de nossas observações de aulas, verificamos que a LM é muito utilizada nas trocas verbais entre os ensinantes e os aprendentes das escolas A e B. Um sobrevoo nas transcrições das aulas que registramos mostra-nos, de imediato, que a LM está muito presente nas interações. Tanto para as explicações dos professores como para as conversas da turma e os trabalhos dos grupos, elege-se quase sempre a LM (Cf. 1.4.3).

Nas turmas do CELCFDM, ainda que o francês seja a língua oficial das trocas verbais, a LM desempenha também um papel importante na organização dos trabalhos dos grupos (aprendente x aprendente) e em vários momentos das interações entre os ensinantes e os aprendentes (Cf. GRANDCOLAS, 1984, P. 73), como se vê nas sequências que seguem, registradas numa turma do 5º nível do CELCFDM, em 2005. Na sequência 9 (vide

Transcrição 6), dois aprendentes organizam o diálogo que apresentarão para a turma. Na sequência 10 (vide Transcrição 12), a professora faz reprovações a um grupo que preparava seu diálogo de forma escrita, esquecendo a “regra de ouro” dela, ou seja, planejar o diálogo de forma oral. Na sequência 11 (vide Transcrição 12), a docente ajuda um grupo a compreender a situação de comunicação a ser dramatizada.

(9)

6. A2: {a gente pode pôr assim também} xxx 7. A1: elle est + elle a

8. A2: {passado} <

9. A1: {foi} ++ elle a xxx + elle a très xxx elle a très bien + elle a très bien 10. A2 : {é + tem que ser esse}

11. A1: {é ta bom >} elle est très bien + {última vez} 12. A2 : qu’est-ce que tu as fait hier soir?

13. A1 : je suis sorti (10)

1. Eb : je vous ai dit hein > allez >

2. A1 : {não mas nós / a gente não tava / agora que a gente começou <} 3. Eb: {tá vendo só > por isso + que eu falei que não era pra escrever > allez >} 4. A1: {ah é < eu não prestei atenção <}

5. Eb: {hum}

6. A1: {xxx começa}

7. Eb: ça va xxx {deixa eu ver aqui} (ela olha seu papel) + allez (11)

25. A1 : tu es sortie + avec + 26. Eb : qui

27. A1 : qui {é isso?}

28. A2 : {com quem eu saí <}

29. Eb: {pois é >} tu es sortie avec QUI? 30. A1 : tu es sortie avec qui?

31. A2 : je suis + sortie + avec leonardo (nome fictício) 32. Eb : avec qui?

33. A2 : avec leonardo

Nos três casos, trata-se de uma troca exolíngue (Cf. CUQ, 2003, p. 98). A professora e os aprendentes devem se comunicar numa língua que não é a deles. Os interactantes se apoiam, então, em sua LM, comum a todos os membros do grupo.

Os enunciados que concernem à organização (turnos 6, 10 e 11, na sequência 9) e à negociação (turnos 27-29, na sequência 11) ou que são do campo das relações pessoais (turnos 2-4, na sequência 10) são construídos em LM (Cf. GRANDCOLAS, 1984, p. 73).

3.5.2 Alternância de línguas e competência linguageira

Entre os aprendentes do CELCFDM, escutamos com frequência apelos à tradução. Geralmente, ouvimos de vários alunos que acabaram de começar o curso, que eles já estão pensando em abandoná-lo, pois os professores não traduzem os enunciados.

Numa situação bilíngue (Cf. CASTELLOTTI, 2000), como é o caso das turmas de FLE do CELCFDM, há sempre esse conflito entre professor e alunos. Frequentemente, o ensinante explica tudo em francês e ao final da explicação, o aprendente lhe pede que traduza tudo ou fala novamente, em português, o que entendeu, para verificar sua compreensão.

No decorrer de nossa pesquisa de 2005 no CELCFDM, identificamos várias situações nas quais a LM foi utilizada, tanto pelo ensinante como pelo aprendente, e situações nas quais só foi utilizado o francês. Eis alguns exemplos:

 as explicações do ensinante são em francês (vide Transcrição 2):

50. Eb : vous voyez? (o professor desenha uma escala do tempo no quadro) ++ ça c’est la période de trois ans et là c’est le moment du (sic) rencontre d’accord? donc se rencontrer et ce (sic) période-là ce (sic) période c’est ++ ne pas voir ++ donc l’action de voir de ne pas voir est avant du (sic) rencontre +++ quand il a rencontré trois ans que xxx l’action de voir d’accord?

 as explicações do ensinante são em português (vide Transcrição 4):

9. Eb : {olha só + o que foi que nós fizemos aí? o nome com a letra E foi ao singular + não foi isso?} 10. Gr: foi

11. Eb: {e o detalhe é que + vamo’ repetir aqui + il est grand >}

 o professor pergunta em francês e o aprendente responde em francês (vide Transcrição 3):

1. Eb : bon oui xxx l’expo hein? qu’est que c’est qu’un (sic) expo? 2. Gr : exposition

3. Eb : oui une exposition là c’est xxx ok c’est une exposition + quel type d’exposition? 4. A1 : peinture

 o aprendente pergunta em francês e o ensinante responde em francês (vide Transcrição 3):

51. 4A3 : xxx mais ça ne fait rien < c’est quoi?

52. Eb : ah c’est pas grave + c’est pas un problème + c’est pas grave

 o professor pergunta em francês e o aprendente responde em português (vide Transcrição 8):

4. Eb : oui + que (sic) ça veut dire soirée

5. A1 : {é noite + pois é mas eu pergunto os dois ou só ela?}

 o aprendente pergunta em português e o ensinante responde em português (vide Transcrição 7):

19. A1 : {ah tá > ++ mas não é perguntando pra ela?} 20. Eb: {sim mas se você conhece}

34. Eb : avec qui? {com quem?}

35. A1 : {ah >} je suis sortie a / avec des amis

Como podemos observar, nessas turmas há sempre a alternância dos dois códigos: português e francês. Como já vimos, a alternância pode ser canalizada em benefício da construção das competências linguageiras. Segundo Gajo (2000, p. 116),

é o próprio bilingüismo que deve tornar-se alvo e meio de aprendizagem, tanto com relação à L1, enquanto competência e repertório manifestado como com relação à L1 ou com relação à L2 [...]. Os professores precisam aprender a interpretar essas alternâncias, a canalizá-las em benefício da aprendizagem, sem ignorar que elas podem assumir funções muito variadas, como por exemplo, interacionais e ideológicas; às vezes, paralelas e mesmo contrárias à aprendizagem de L2.95

Como afirma Gajo, é o professor quem deve interpretar as alternâncias, julgar até que ponto elas favorecem as aquisições linguageiras em língua-alvo e em que medida elas se tornam contrárias a essas aquisições.

Aqui, ainda há uma observação a ser feita. Para isso, apoiar-nos-emos nas sequências que seguem, gravadas em 2005. A sequência 12 foi gravada numa aula do 6º nível do CELCFDM (vide Transcrição 3); a 13 diz respeito a um fragmento de aula do 7º nível dessa instituição (vide Transcrição 2), já explorado em 3.3.2.

(12)

60. 2A4 : la queue? 61. A ? : o rabo? (risos)

62. Eb : la {cauda} en portugais + oui mais en français > + faire la queue aussi c’est + la {fila} + ahn + rester dans la faire la queue c’est rester dans la {fila} + ça va + elle a fait la queue elle est elle a fait de la queue pendant + une heure > pour entrer + à l’exposition + pourquoi?

63. Gr : il y avait trop de monde (13)

64. Eb : tu regardes + tu viens tu entres dans le centre ++ je ne te vois pas je ne te vois pas d’accord? je te rencontre dans le couloir ++ quelle est l’action antérieure? ne pas voir

65. 13A1 : ne pas voir

A observação que pretendemos fazer concerne ao eterno dilema dos professores de LE: traduzir ou não traduzir? Nas sequências acima, não há uma diferença significativa nas estratégias dos dois ensinantes para conduzir os aprendentes à descoberta do sentido do discurso. Ambos conseguiram realizar a tarefa sem dificuldade. Porém, o primeiro recorreu à

95 Texto original: c’est le bilinguisme lui-même qui doit devenir cible et moyen d’apprentissage, en tant que

compétence et que répertoire manifesté tantôt en rapport à L1, tantôt en rapport à L2. [...] Il s’agit pour les enseignants d’apprendre à interpréter ces alternances, à les canaliser en faveur de l’apprentissage, sans ignorer qu’elles peuvent assumer des fonctions très variables, par exemple interactionnelles et idéologiques, parfois parallèles ou même contraires à l’apprentissage de L2 (GAJO, 2000, p. 116).

tradução (queue = rabo, fila) que, em nossa opinião, foi desnecessária nesse caso. Para verificar a compreensão de um aprendente, podemos tanto lhe pedir que diga o enunciado de outra forma em LE, como lhe perguntar: Como você diria isso em português?

Não se trata de proibir a tradução na turma de LE, mas de procurar evitá-la, notadamente como técnica de explicação. Acostumar os aprendentes a ter tudo traduzido não lhes permite mobilizar suas faculdades cognitivas e lançar mão de estratégias variadas de aprendizagem. Quando o sentido é construído num processo de negociação, as aquisições discursivas orais são muito mais significativas.