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CAPÍTULO 2 – METODOLOGIA DA PESQUISA

3.2 FLEXIBILIDADE COMUNICATIVA E APROPRIAÇÃO DO DISCURSO

3.2.2 Por uma prática do diálogo autêntico

Como vimos em 3.1.2, o objetivo comunicativo mais visado pelos alunos é a competência conversacional. Entretanto, observamos que o treino para os diálogos autênticos não ocupa um lugar importante em nossas turmas (Cf. 1.3.2). Muitas vezes, nossa metodologia não corresponde às expectativas desses aprendentes.

Nas duas entrevistas aos docentes do CELCFDM, obtivemos o seguinte resultado com a questão concernente ao trabalho de PO realizado em sala de aula (Questão nº 4: “Das atividades de produção oral relacionadas abaixo, quais você utiliza com mais freqüência em suas turmas?”):

TABELA 10: Atividades de PO segundo os docentes do CELCFDM

ATIVIDADES DE PO MAIS FREQUENTES NAS TURMAS SEGUNDO OS PROFESSORES DO CELCFDM ATIVIDADE ANO

2005 2008

Jeu de rôles 91% 76%

Simulação 50% 59% Narração (fim de semana, rotina etc.) 70% 53% Jogos (atividades lúdicas) 50% 53%

87 Texto original : véritables outils non pas seulement de description linguistique mais aussi d’interaction

Conversa informal 54% 47% Dramatização 58% 41% Exposição de um tema 21% 29% Debate 25% 24% Entrevista - 12%

De acordo com a tabela 10, o jeu de rôles é a atividade mais utilizada nas turmas do CELCFDM, seguido da narração, da simulação e das atividades lúdicas. A dramatização, que representava o 3º maior índice em 2005 (58%), passou a ser o 6º em 2008 (41%).

Os jeux de rôles e a narração são as atividades que aparecem com mais frequência nas respostas dos docentes do CELCFDM. Em 2005, durante nossas observações de aula nesse Centro, tivemos a oportunidade de presenciar a prática dessas duas atividades.

Vemos que 25% (2005) e 24% (2008) dos ensinantes afirmam que utilizam o debate em suas aulas, mas não chegamos a ver sua realização nas turmas que visitamos. Os professores que o realizam já descobriram certamente seus benefícios para a prática de uma fala autêntica.

A tabela 11, que mostraremos a seguir, confronta as respostas dos professores e alunos das três escolas entrevistados no ano passado sobre a prática de atividades comunicativas orais.

TABELA 11: Atividades de PO mais praticadas

ATIVIDADES DE PO MAIS FREQUENTES NAS TURMAS SEGUNDO OS PROFESSORES E ALUNOS DAS 3 ESCOLAS ATIVIDADE ANO: 2008

PROFESSORES ALUNOS

Jeu de rôles 65% 35%

Simulação 43% 14% Narração (fim de semana, rotina etc.) 39% 19% Jogos (atividades lúdicas) 52% 10% Conversa informal 39% 35%

Dramatização 43% 15% Exposição de um tema 35% 25% Debate 17% 15% Entrevista 9% 10% Apresentação de diálogo - 4%

Essa tabela revela visões distintas sobre as atividades de PO que vêm sendo desenvolvidas nas turmas de FLE. Já vimos que o debate, por exemplo, com todo o potencial para favorecer aos alunos o uso de uma variedade de estratégias interativas, no esforço para defender seu ponto de vista, não parece ter um lugar privilegiado no dia a dia de nossas turmas: são citados por apenas 17% dos professores e 15% dos alunos.

Pareceu-nos também que os jeux de rôles vêm perdendo o interesse dos docentes. Conforme nos mostrou a tabela 10, essa atividade foi apontada, em 2005, por 91% dos professores do CELCFDM, caindo para 76% em 2008. Na tabela 11, vemos que apenas 65% dos ensinantes das três instituições escolares afirmam que a utilizam com frequência os jeux de rôles, embora essa informação seja confirmada por apenas 35% dos aprendentes. Isso nos leva a crer que, realmente, essa prática que concorre também para a construção do discurso não é mais tão assídua em nossas turmas como há três anos. Uma das causas parece residir no fato de que os manuais quase já não propõem essa atividade.

O que mais salta à vista nos índices da tabela 11 é a disparidade entre os percentuais referentes às atividades lúdicas, citadas por 52% dos professores. Curiosamente, os estudantes não enxergam da mesma forma essa prática da ludicidade em seu cotidiano escolar, já que as atividades lúdicas são citadas por apenas 10% dos alunos.

A frase a seguir foi escrita por uma aluna da 5ª série, da Escola B, entrevistada em 2008. Achamos que seu desabafo pode nos ajudar a refletir sobre nosso papel de mediadores na aquisição do discurso estrangeiro pelo aprendente: “É outros88 porque a professora [...]89

escreve no quadro (sic) ela não faz jogos nem brincadeiras”

É preciso ressaltar que essa aluna, a quem daremos o nome fictício de Eloá, tem por volta de 10-12 anos. Logo, é ainda uma criança, por isso sente a necessidade de vivenciar, também na escola, a ludicidade própria de sua idade. Na realidade, somos todos seres lúdicos e até mesmo o adulto tem atração pela brincadeira. O desabafo de Eloá nos comove porque

88 Ela usa o termo “outros” para se referir à alternativa que elegeu em seu questionário. 89 Omitimos o nome da professora citado pela aluna.

sabemos que, em muitas de nossas turmas de LE, a cena descrita pela aluna se passa tal e qual: escrevemos/falamos muito e damos pouco ou nenhum espaço para o aluno expressar-se oralmente.

Vimos, de acordo com os dados fornecidos pelos discentes, que as atividades lúdicas não são praticadas com frequência nas três escolas-campos e não podemos deixar de considerar também a opinião dos professores, que colocam essa atividade em destaque em suas respostas (em 2005, no CELCFDM, ela é apontada por 50% dos docentes e por 53% deles em 2008, conforme mostra a Tabela 10). Contudo, nas duas vezes que visitamos as escolas, não tivemos a sorte de presenciar muitos momentos de ludicidade (o que não significa que eles não tenham ocorrido).

Para entender melhor a preocupação de Eloá, lemos as respostas de seus colegas e levantamos os seguintes dados: 62% dos alunos dessa turma assinalaram apenas uma ou não assinalaram nenhuma das atividades elencadas pela entrevistadora; 29% dizem que a ensinante lhes propõe atividades lúdicas; optando pela alternativa “Outros”, 12% deles citam, equivocadamente, tradução/pesquisas/textos/procurar palavras no dicionário nesse espaço reservado às atividades de PO.

Quisemos também verificar as respostas da outra turma de 5ª série dessa professora e obtivemos o seguinte: 50% dos alunos dessa turma assinalaram apenas uma ou não assinalaram nenhuma das atividades do questionário; 13% afirmam que há atividades lúdicas, um aluno cita, também de maneira equivocada, a tradução, e da mesma forma, 9% mencionam “cantar” músicas como atividade de PO. Entendemos que o fato de citarem atividades que não visam à apropriação do discurso oral se deve à ausência total ou parcial desse tipo de atividade no quotidiano da sala de aula. Portanto, os alunos só puderam mencionar aquilo que vivenciavam.

A docente também se equivoca: nessa questão, ela não assinala nenhuma das atividades e cita apenas “filmes” no espaço reservado a outras atividades não contempladas na lista. Ela se referia a “assistir a filmes”, como nos informou em uma de nossas conversas, mas essa atividade assim como a tradução de textos escritos, a cópia desses textos, o “cantar” músicas francesas, o “pesquisar” no dicionário, nada disso pode ser considerado atividade de PO. Na verdade, a professora parece estar voltada para objetivos que não condizem com as expectativas dos aprendentes, como observamos em outras respostas suas. Questionada sobre a competência que privilegia em seu trabalho (Cf. questão nº 1 do questionário), ela assinalou a PE, argumentando que trabalha assim “Para que [os alunos] aprendam a escrever em francês”. Sobre o tempo reservado ao trabalho de PO, ela afirma que utiliza apenas 1 h/a por

mês. Quando lhe perguntamos sobre o que seus alunos desejam aprender mais rapidamente, ela assinalou a opção “ler em francês”, ou seja, a CE! Porém, na realidade, dos 64 alunos entrevistados em suas turmas de 5ª série, 88% afirmam que almejam, prioritariamente, “conversar” na língua que aprendem! Apenas 11% querem ler e 1% quer escrever.

Os dados fornecidos por professora e alunos dessas turmas são muito importantes para refletimos sobre nosso fazer pedagógico, interrogando-nos sobre o “Para quem?/ O quê?/Para quê?/Como ensinar?” Se a resposta encontrada for “Para alunos de FLE de Macapá/Uma competência discursiva oral/Para conversarem em situações reais de comunicação/Por meio da valorização das interações verbais”, já demos o primeiro passo em direção a um ensino de FLE coerente com as necessidades comunicativas dos aprendentes.

As interações em turmas de LE deveriam aproximar-se o máximo possível das situações da vida real (Cf. GRANDCOLAS, 1984). Frequentemente, porém, o ensinante confunde objetivos didáticos com objetivos comunicativos, como veremos no recorte discursivo abaixo (vide Transcrição 15), gravado em 2005, numa turma de 5º nível do CELCFDM:

(3)

1. Eb: toi josé (nome fictício) qu’est-ce que tu as fait de spécial dimanche hein? 2. A1: j’ai fait de spécial seulement travail (sic) + beaucoup de travail

3. Eb: qu’est-ce que tu as fait? 4. A1: j’ai travaillé

5. Eb: j’ai travaillé + pour moi c’est pas spécial xxx et toi xxx et toi sandra (nome fictício) + qu’est-ce que tu as fait + dimanche?

6. A2: dimanche? + je + je me suis promenée 7. Eb: oui + c’est tout? c’est tout ce que tu as fait? 8. A2 : oui ++ moi j’ai étudié

9. Eb: xxx plus fort 10. A2 : {oi?} j’ai étudié

11. Eb: j’ai étudié + je me suis promenée avec / avec des enfants? 12. A2 : oui

13. Eb: oui? 14. A2: xxx

15. Eb:{então diga} >

16. A2: : je suis allée à l’église

17. Eb : oui + je suis allée à l’église + alors + tu es allée à l’église tu t’es promenée tu as étudié + c’est tout?

18. A2: ++ c’est tout

19. Eb : vous avez bien compris ce qu’elle a dit hein? vous avez bien compris ce qu’elle a dit + tu répètes? écoutez hein >

20. A2: : je suis allée à l’église 21. Eb : après >

22. A2: après je suis promenée (sic) 23. Eb: {não >}

24. A2: : je me suis promenée et + j’ai étudié 25. Eb : j’ai étudié + qu’est-ce qu’elle a fait?

26. A1 : elle est allée à l’église 27. Eb : elle est allée à l’église + oui > 28. Gr : xxx

29. Eb : comment?

30. A1 : elle s’est promenée 31. Eb: elle s’est promenée > 32. A1: avec ses enfants < 33. Eb: oui avec ses enfants 34. A1: et après elle étudié (sic) 35. Eb: elle A étudié

36. A1: elle a étudié

No início de uma atividade de narração sobre o fim de semana, a ensinante parece querer organizar um momento de conversação na turma, como nos mostra o turno de fala 1, no qual ela faz a A1 uma pergunta aparentemente informal. Apesar de conhecer o ritual da sala de aula, o aluno (DMA1) interpreta a pergunta como pertencendo ao discurso autêntico. Todavia, a pergunta seguinte da professora (turno 3) evidenciará que se trata, na realidade, do discurso didático: seu objetivo principal é levar os alunos a exercitarem o tempo verbal “passado composto”, como comprovam ainda os demais turnos de fala do fragmento. No turno 19 desse fragmento, por exemplo, a ensinante utiliza as ações da aluna (DMA2) como modelo para a turma, à qual a professora pede que reconstitua as ações. Quando ela pergunta: “ vous avez bien compris ce qu’elle a dit hein? vous avez bien compris ce qu’elle a dit + tu répètes? écoutez hein >?” (turno 19), ela está preparando os alunos para as perguntas que pretende lhes fazer. Durante toda a atividade, a professora interroga os alunos sobre o que eles fizeram no fim de semana. A atividade foi organizada sob o esquema pergunta da professora/resposta do aluno ou da turma/comentários e avaliação da professora. Esse esquema ternário é característico das interações didáticas (Cf. CARRAUD, 2005, p. 76-77).

As interações didáticas obedecem a rituais que professor e alunos têm dificuldade de subverter. Em geral, nos diálogos didáticos, há uma alternância regular entre os turnos de fala do professor e os turnos de fala dos alunos, como vemos no recorte discursivo em questão.

Ora, esse fragmento mostra que o discurso didático não favorece as iniciativas de fala do aprendente. Numa situação semelhante, o aprendente assumirá, certamente, um papel passivo, quando o que ele precisa é preparar-se para as conversações autênticas que deseja experimentar fora da sala de aula.