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CAPÍTULO 2 – METODOLOGIA DA PESQUISA

3.2 FLEXIBILIDADE COMUNICATIVA E APROPRIAÇÃO DO DISCURSO

3.2.1 Metalinguagem, flexibilidade do ensinante e interação

Em 2005, conversando com duas professoras das escolas A e B, escutamos que suas turmas não seriam “motivadas”. Uma das professoras fez a seguinte declaração: “Eles são

desmotivados. Eles não se interessam por nada”. A outra: “Aqui, tu não vais gravar nada. Eles não falam”.

Com efeito, pudemos constatar (pelo menos nos dias em que realizamos as observações de aula nessas duas escolas) que as ações de grande parte dos aprendentes dificultam sua aprendizagem. Havia certa indisciplina nas turmas: alguns alunos conversavam com os colegas na hora das explicações das professoras, alguns falavam ao celular; outros desenhavam em seus cadernos, penteavam-se ou observavam os movimentos do exterior, pelas janelas. Na escola B, houve até mesmo uma agressão física envolvendo dois alunos da 5ª série.

Em compensação, muitos alunos mostravam interesse pelo uso da língua e pelas especificidades da cultura francesa. Eles faziam perguntas sobre as saudações, a maneira de se apresentar, o sistema numérico, o comportamento dos jovens etc. A sequência a seguir (vide Transcrição 1) ilustra o que afirmamos. Quando a aula começava, um aluno perguntou à professora:

(2)

1. A1: {é vinte e quatro}? 2. A2: vingt-quatre

3. A1: {como é professora}? 4. Eb: vingt-quatre

5. A2 : {e treze ‘fessora} ?

6. A3 : tre : : ze (pronúncia correta) {menino}

7. Eb: {treze}? treze (a professora escreve a conjugação do verbo s’appeler no quadro, no presente do indicativo, depois passa às explicações) {com o verbo s’appeler você pode SE apresentar + A- presentar alguém em uma situação certo? é o verbo que significa chamar : : -se é um verbo Pro-No- Mi-Nal e ele é chamado de verbo pronominal porque ele O-Bri-Ga-To-Ria-Men-Te é escrito desta forma aqui (mostra para o quadro de giz) + ele necessariamente tem que estar acompanhado de um pronome + você vai dizer (apontando para o quadro):} je + m’appelle, tu + t’appelles (etc... os alunos iam repetindo o que ela falava) {o que nós podemos observar aqui com relação a este verbo? se vocês observarem aqui nós temos 1,2,3,4,5,6 (contando em português cada pessoa verbal e os alunos contam junto com ela) embora aqui termine simplesmente em “e”, aqui termine em ‘es’, aqui termine em ‘e’ aqui também em “e” aqui em “ent” você tem a mesma pronúncia você diz} je + m’appelles tu + t’appelles

8. A4: {daqui a pouco xxx}

9. 2A1: {ali com’é professora? ali ó!}

Esse fragmento mostra que a falta de motivação não é generalizada nas turmas. Frequentemente, os ensinantes se precipitam em seu julgamento sobre os aprendentes e ficam também desmotivados. Antes de tudo, é necessário buscar as causas do comportamento do aluno. No caso dessa turma de 5ª série da escola B, por exemplo, observamos que a professora perdeu a oportunidade de iniciar uma conversação com a turma, pois havia alunos que discutiam entre si sobre os números, mas não conseguimos transcrever suas discussões por

causa do barulho. A aula começava e o aluno EBA1 se interessou pela data escrita no quadro pela professora. Outro aluno (EBA2) se interessou pelo número treze porque, no mês seguinte, ele completaria treze anos, como ele comentou com seu vizinho. A partir de seu interesse, a ensinante poderia encorajar os aprendentes a falar sobre outros assuntos e a utilizar as palavras ou as frases em francês que eles já tivessem aprendido (Cf. 1.3.5). Dessa forma, ela daria mostra de “flexibilidade comunicativa” (Cf. CICUREL, 2005). Porém, a ensinante continuou a escrever no quadro, passando em seguida para as explicações metalinguísticas, em português.

Numa turma de 8ª série dessa mesma escola, observamos uma aula na qual a professora só explorou alguns números. Ela escreveu no quadro um resumo sobre esse assunto e, depois das explicações, passou uma atividade de palavras cruzadas para os alunos. Como a turma dispunha de duas aulas de Francês e os alunos realizaram rapidamente a atividade, eles ficaram conversando até o fim da aula, durante quase 40 minutos.

Se observarmos os turnos de fala dos aprendentes EBA1 e EBA2 nesse fragmento e se refletirmos sobre as práticas professorais das duas turmas, notaremos que não é motivação que falta aos estudantes para se apropriarem da língua. O problema aqui é a falta de espaço para a participação efetiva dos aprendentes na aula.

Nos dois casos, o discurso metalinguístico não favoreceu as interações verbais nas turmas. Sabemos que as interações na sala de aula de língua são diferentes das interações quotidianas (Cf. GRANDCOLAS, 1984). Numa conversação ordinária, trocamos informações visando a fins práticos; por exemplo, descobrir o horário do ônibus que devemos pegar. Na vida diária, a negociação se realiza em princípio em torno dos objetos extralinguísticos do mundo, enquanto que na turma de língua, os discursos das interações se realizam em torno dos saberes e dos saber-fazer linguageiros na língua-alvo (Cf. ISHIKAWA, 2005, p. 54) . As atividades metalinguísticas são, portanto, institucionalmente legitimadas nesse espaço.

Para fazer com que os alunos falem, é necessário motivá-los a participar da construção do discurso, inclusive durante as atividades metalinguísticas. Por exemplo, na turma de língua, o professor desempenha institucionalmente o papel de “expert”, de “fornecedor” de informação, e o aluno, de “aprendente”, de “solicitador” de informação (idem, p. 59). Numa situação do tipo “pedido/fornecimento de informação”, a qual pode ser exemplificada pelo fragmento 2, a docente é quem fornece a informação. Contudo, a professora poderia também se comportar como solicitadora de informação, pedindo aos alunos que dessem exemplos, que opinassem, que dissessem o que entenderam, que falassem de si etc. Dessa forma, eles se

sentiriam valorizados e teriam, enfim, a oportunidade de usar a língua-alvo com fins genuinamente comunicativos.

Se praticarmos apenas o discurso metalinguístico na sala de aula, o aluno não terá facilidade para se comunicar oralmente em LE. Porém, quando o professor entende que é necessário fazê-lo, seria importante privilegiar as discussões metalinguageiras sobre o tema tratado e privilegiar a interação, envolvendo o aluno na contrução do sentido e do conhecimento. Segundo Ruggia e Cuq, os termos que achamos que atrapalham a comunicação podem tornar-se “verdadeiras ferramentas não somente de descrição linguística, mas também de interação linguageira” (2008, p. 68)87.