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O complexo industrial ocupou, a pincípio, um total de 40.000 ha, compreendendo o porto (Ponta Grossa, Vila do Conde); a Alunorte (próxima ao porto); a ALBRÁS (em frente ao porto e contínua ao lote da ALUNORTE); a ELETRONORTE, (próxima à ALBRÁS) com a subestação ligada diretamente à hidrelétrica de Tucuruí. Ademais, essa área compreende a zona de expansão urbana, reservada a atender a demanda de lotes industriais e para a implantação do Núcleo Urbano de Barcarena, com residências dos trabalhadores da ALBRÁS/ALUNORTE; e a chamada zona de transição, que corresponde à uma Reserva Ecológica (NAHUM, 2008, p. 73).

Hazeu relata que, ainda hoje, as desapropriações continuam a ser realizadas, somando cerca de 35 anos de deslocamentos forçados. A partir deles, uma serie de outras consequências foram desencadeadas, confome explica:

A desterritorialização do colono, a expropriação da sua terra, destruiu a unidade familiar de produção e os laços societais alicerçados começam a romper-se. Os sítios foram eliminados da fração do território onde estão o complexo Albrás/Alunorte e outras empresas que posteriormente chegaram, deixam de ser a unidade produtiva predominante na economia barcarenense. A unidade de produção familiar foi quebrada, política e territorialmente, para que a força de trabalho aí disponível e a migrante fossem utilizadas e empreendessem a edificação dos sistemas de objetos necessários à produção e circulação de alumínio primário (NAHUM, 2008, p. 71).

Em 2010, o Movimento Atingidos pela Vale teceu muitas críticas em relação ao modelo de desenvolvimento pensado a partir de atividades industriais instaladas no Pará e no Maranhão Consórcio de Alumínio do Maranhão (ALUMAR). Segundo o Movimento, esse modelo falhou completamente quanto às suas promessas de promover o crescimento econômico nessas áreas da Amazônia. Nem mesmo a pretendida modernização, tão aclamada nos planos de desenvolvimento da Amazônia, se deu da forma preconizada, já que estavam estritamente localizadas nos próprios complexos industriais e nos núcleos urbanos dos municípios em que os projetos foram instalados. As demais parcelas das cidades, a exemplo de Barcarena, tiveram que enfrentar inúmeras limitações à sua sobrevivência por conta da divisão desigual do território e do uso dos recursos.

[...] os rios que cortam Barcarena, fonte de alimento e vida para inúmeras comunidades tradicionais, estão poluídos. Nas margens dos grandes rios estão instalados quatro portos de grande porte e os acidentes ambientais em Barcarena se sucedem. A poluição atmosférica também tem afetado a floração de várias espécies, interferindo no ciclo vital de árvores cujos frutos eram largamente consumidos pela população, comprometendo a subsistência da população rural de base agroextrativista (ATINGIDOS PELA VALE, 2010, p.1).

Além disso, o movimento também relata que a população de Barcarena cresceu de forma desproporcional, sem que, contudo, a cidade tivesse sido preparada para receber projetos do porte do complexo ALBRÁS/ALUNORTE. Isso provocou um verdadeiro colapso em serviços como educação, saúde e habitação. Além disso, a maioria dos postos de trabalho do complexo (tanto na fase das obras, quanto no momento atual) é ocupada por profissionais de fora do município e da região. O aumento da chegada de trabalhadores do sexo masculino também teve como um de seus efeitos mais perversos o aumento da prostituição (sobretudo infanto-juvenil) (ATINGIDOS PELA VALE, 2010).

Após a chegada do complexo industrial, outros projetos também foram instalados, transformando Barcarena num lugar em que o “acidente” ambiental tornou-se praticamente corriqueiro. Só a Alunorte já foi responsável por três grandes desastres em Barcarena, a exemplo do que ocorreu em 2009, com o vazamento de rejeitos de mineração (lama vermelha31), que provocou contaminação da água do rio Murucupi, ocasionando a morte de peixes e danos graves à sobrevivência das populações riberinhas.

Além de desastres de maior proporção como esse, estabeleceu-se como rotina a contaminação permanente provocada pelas atividades industriais que afeta a saúde das comunidades próximas às áreas em que os projetos estão instalados. A seguir, um gráfico que mostra as características dos desastres ambientais em Barcarena ocorridos entre os anos de 2000 e 2016. De todo o ambiente afetado, 43% é de corpo hídrico, de acordo com Carneiro (2017).

O naufrágio do navio Haidar, que transportava cerca de 5.000 cabeças de gado, foi o último desastre de grandes proporções ocorrido no porto de Vila do Conde, em outubro de 2015 (ate o fechamento da tese). Além do apodrecimento dos bois mortos nas águas, ainda ocorreu o vazamento de grande quantidade de óleo, o que alargou bastante a proporção do desastre. O material orgânico, que ficou em estado de putrefação após o naufrágio, provocou o fechamento do comércio em Vila do Conde, além de forçar muitas pessoas a deixarem suas casas, pois o odor forte das carcaças e a poluição das águas tornaram impossível a sobrevivência na Vila. Os afetados, certamente, ainda irão sentir os efeitos desse desastre nas águas de Barcarena por muito tempo.

31 A lama vermelha que contaminou a área tinha na sua composição, segundo inquérito policial instaurado contra a Alunorte: arsênio, ferro, alumínio, titânio, cromo, chumbo e mercúrio. Essa lama é resíduo do beneficiamento da bauxita (JUSTIÇA NOS TRILHOS, 2009).

Grafico 1 - Características dos desastres ambientais em Barcarena, entre 2000 e 2016

Fonte: MPF/MPE/IEC/Renato Chaves/Jornais Autor: Tarcísio Feitosa.

Só em nível de complemento de informações, a atual configuração acionária dos grandes projetos da Albrás-Alunorte passou por uma alteração com a entrada da multinacional norueguesa Hydro e da francesa Imerys. Na Albrás, atualmente, a Hydro detém 51% das ações da joint venture, sendo a principal acionista da empresa. A NAAC – Nippon Amazon Aluminium Co. Ltda., grupo de empresas japonesas que negociou a transferência industrial nos anos 70, continua compondo o consórcio.

4.3 As grandes usinas hidréletricas construídas na Amazonia durante o período militar

De acordo com o que trabalhamos ao longo desse capítulo, mineração e energia são elementos que não se podem ser apartados um do outro nos projetos de desenvolvimento na Amazônia. Conforme vimos, a energia aparece como um fator de primordial importância para a viabilização dos grandes complexos minero-metalúrgicos, a exemplo do Grande Carajás, que

foi um dos pontos fundamentais de articulação em torno da construção da hidrelétrica de Tucuruí.

Outras usinas também foram planejadas e construídas na mesma época de Tucuruí. É caso de Samuel (RO) e Balbina (AM), esta última considerada por muitos como uma das maiores catástrofes ambientais e humanas já consumadas pelo setor elétrico brasileiro. Autores como Castro, Magalhães, Rocha, Baines, Fearnside, Bermann e Pinto (entre muitos outros) trabalharam exaustivamente em torno dos problemas sociais, políticos e ambientais causados pela construção de grandes usinas hidrelétricas na Amazônia. Em torno destas usinas, foram desencadeados inúmeros processos de conflitos, que, ao persistirem ou não sendo resolvidos mesmo décadas após os projetos começarem a operar, revelam que a violência do grande projeto é, ao mesmo tempo, imediata e lenta. Lenta porque se arrasta por anos, com a perda de territórios, memórias e laços de afetividade, além de operar lutas constantes e consecutivas pela busca de direitos que foram violados com a construção desses projetos.

A hidrelétrica de Balbina é um exemplo do que estamos falando acima. Com sua construção iniciada no ano de 1973, no rio Uatumã, município de Presidente Figueiredo, estado do Amazonas, Balbina pode ser considerada um grande problema atual no que tange o acúmulo de impactos socioambientais em ambientes amazônicos. O reservatório corresponde a uma área de 2.360 km² além da área oficialmente alagada. É considerada uma das hidrelétricas que mais prejuízo dá ao poder público tendo em vista que sua produção de energia não cobre sequer os custos de sua manutenção, já tendo sido cogitada, inclusive, uma possível desativação.

Os efeitos nocivos do empreendimento de Balbina foram enumerados por Fearnside (1990) apud Pizarro (2002, p. 34), dentre eles, pode-se citar a má qualidade da água provocada pelas alterações físico-químicas e biológicas do ambiente aquático e que a torna imprópria para o consumo humano; aumento da acidez da água em função da decomposição vegetal submersa; produção de gás metano; comprometimento da atividade da pesca praticada na região; entre outras sérias conseqüências como o desvio do rio Alalaú que era reserva indígena Wamiri- Atroari.

O caso que envolve os Wamiri-Atroari é um dos mais emblemáticos dessa relação entre os grandes projetos e povos indígenas na Amazônia, pois esse grupo foi vítima de um verdadeiro genocídio durante a ditadura militar. Estima-se que cerca de 2000 indígenas desapareceram à época da construção dessa hidrelétrica e da abertura da BR-174 também, que, segundo o governo federal à época, tinha o objetivo de fazer a ligação entre Manaus e Boa Vista. No entanto, segundo Schwade (2012), os dois empreendimentos tinham juntos o objetivo de servir de suporte à exploração de reservas de minério localizadas no alto rio Uatumã,

próximo ao rio Alalaú, no interior do território Wamiri-Atroari. Ele relata que os indígenas nunca foram contatados e que, à medida que os tratores avançavam sobre suas terras, eles começaram a utilizar algumas táticas de enfrentamento, como amarrar máquinas com cipós para impedir o funcionamento das mesmas, entre outras. Schwade ainda relata que, como as ações indígenas passaram a ficar cada vez mais fortes e frequentes, o Departamento Estadual de Estradas de Rodagem do Amazonas, inicialmente responsável pela abertura da rodovia, começou a usar armas de fogo contra os indígenas, promovendo um verdadeito genocídio em terras amazônicas.

A Fundação Nacional do Índio (Funai), que havia sido criada no recente período anterior, foi chamada para ajudar no processo de “pacificação” dos Wamiri-Atroari. À época, a instituição sugeriu a mudança de cerca de 3 mil indígenas para fora dos eixos de ambos os empreendimentos. O projeto não foi levado adiante por conta do assassinato do missionário responsável por ele e, com a situação se agravando cada vez mais, o Exército passou a coordenar as obras da rodovia, aumentando ainda mais a violência contra os indígenas com a utilização de armas de fogo, dinamite, metralhadoras e granadas. Tanto a BR-174 quanto a Hidrelétrica de Balbina constituíram, assim, uma verdadeira operação de guerra contra os Wamiri-Atroari no Amazonas.

Fotografia 5 - Hidrelétrica de Balbina (AM).

Fonte: OECO.org

Pouco depois que restava apenas uma parcela bastante reduzida de indígenas nessa área, a Funai criou, em parceria com a Eletronorte, o Programa Wamiri-Atroari como resposta às exigências que o Banco Mundial vinha fazendo para o financiamento da hidrelétrica e que já vinham no rastro das denúncias feitas contra a atuação do Estado brasileiro junto aos Wamiri. O programa, no entanto, que visava à “compensação” dos índios pelas perdas sofridas, não

permitia o acompanhamento de antropólogos dos processos relativos a este mesmo programa. Ele foi concebido na fase final das obras da hidrelétrica, poucos meses antes do fechamento das comportas, em outubro de 1987 (BAINES, 1996).

O deslocamento compulsório do restante dos indígenas para a formação do lago de Balbina foi feito alguns meses antes da inundação da área. A Eletronorte estabeleceu um processo indenizatório que previa o pagamento aos índios de valores que os “compensavam” pelas perdas de suas roças que estavam localizados na “área de abrangência direta” da hidrelétrica. A “avaliação dos impactos” foi realizada um ano antes da inundação e, segundo Viveiros de Castro e Andrade apud Baines, fizeram nada mais que o levantamento das benfeitorias com casas, galinheiros, casas de farinha, pés de bananeira, plantações de mamão, entre outras culturas. Com valores estabelecidos com uma dada equivalência financeira dessas benfeitorias, essas indenizações ignoraram outras questões, como o fato de que “nenhuma das avaliações produzidas menciona o direito constitucional dos povos indígenas às terras que habitam” (VIVEIROS DE CASTRO; ANDRADE, 1988 apud BAINES, 1996, p. 749). Ou seja, as indenizações foram estabelecidas a partir de critérios meramente materiais, sem considerar as demais relações que os indígenas tinham (e tem) com suas terras. Atualmente, esse processo possui a mesma base de funcionamento, criando uma noção de compensação injusta e arbitraria que favorece apenas empresas e governos envolvidos em grandes projetos.

Além disso, tem-se perdido a oportunidade de estudar verdadeiramente os efeitos sofridos pelos Wamiri-Atroari no caso deste empreendimento, visto que os mesmos mantêm, por autodeterminação manipulada pelas empresas, um distanciamento da ciência antropológica. Os recentes documentos da Comissão Nacional da Verdade e a revelação do Relatório Figueiredo congregam as provas do crime de genocídio cometido pelo Estado brasileiro contra esse grupo, que, no entanto, nunca se pronunciou em relação ao caso ou reconheceu qualquer responsabilidade sua no quase extermínio dos Wamiri-Atroari.

Além da tragédia humana das intervenções nas terras indígenas, a construção de Balbina foi responsável pelo alagamento de uma extensa área de floresta tropical, que permanece, ainda hoje, com material orgânico em decomposição, o que torna a água ácida e, portanto, imprópria para o consumo e também impede a sobrevivência de outras espécies, incluindo peixes que compõem a alimentação e a economia das populações locais. Além disso, essa acidez deverá provocar a corrosão das próprias turbinas da hidrelétrica futuramente. A área de reservatório de Balbina também é considerada um verdadeiro depósito de gás metano, diretamente associado à aceleração do problema do aquecimento global. Para entender melhor sobre a emissão de gases

de efeito estufa em reservatórios de grandes hidrelétricas na Amazônia, ver a obra de Philip Fearnside, Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA).

A hidreletrica de Samuel, no estado de Rondônia (RO), é outro exemplo de um empreendimento com implantação bastante problemática na Amazônia. Instalada no Rio Jamari, Samuel possui uma área de reservatório correspondente a 540 km² e produção de energia equivalente a 216 MW.

Após sua construção em 1988, foi desencadeado um processo de migração que provocou uma forte pressão sobre populações locais e recursos, tendo como resultado uma enorme degradação ambiental decorrente da construção da hidrelétrica. Segundo Fearnside (2004), a construção de Samuel se deu como um incentivo propulsor à exploração ilegal de madeira na Amazônia ocidental em razão de “[...] uma exceção aberta na proibição de exportação de madeira em tora, para permitir a exportação de toras da área correspondente à hidrelétrica de Samuel” (FEARNSIDE, 2004, p. 1).

Em se tratando de ocupações humanas pré-existentes, Simonian (1996) afirma que a obra foi imposta, em processo autoritário, sobretudo aos residentes da Cachoeira Samuel e suas adjacências, que apresentam uma grande diversidade sociocultural, entre indígenas, seringueiros e outros grupos. Fazendo uma relação com os levantamentos realizados pela Eletronorte, a autora afirma que houve uma discordância entre os dados da primeira e os do INCRA quanto à previsão de deslocamento compulsório da área a ser afetada, ficando a ideia de que o número de famílias a ser deslocada era bastante reduzido, o que não correspondia à realidade. No que tange aos povos indígenas, o que pôde ser observado sobre a relação entre Eletronorte e as mesmas a partir da implantação da hidrelétrica foi o seguinte:

Os indígenas foram excluídos pela Eletronorte, quando da definição das populações tradicionais que seriam compensadas devido às obras da UHE Samuel. Tal decisão foi tomada mesmo depois da própria Eletronorte ter reconhecido a presença de Uru- Eu-Wau-Wau e da Amundáwa na Bacia do Rio Jamari [...]. À época, a Eletronorte argumentou desconhecer o número destes indígenas e de suas aldeias, como se isso fosse razão suficiente para adotar uma política antiindigenista (SIMONIAN, 1996, p. 584).

Embora tenha sido o primeiro empreendimento em que foram exigidos estudos de impacto, que mais tarde viriam a ser incorporados no arcabouço legal brasileiro, Samuel apresentou inúmeras lacunas relativas ao reconhecimento sobre os impactos em terras indígenas e outros povos tradicionais da região, como bem ressaltou Simonian. O uso da definição de “áreas de influência”, por exemplo, teria contribuído para a exclusão das terras indígenas da zona de influência da hidrelétrica. No entanto, o impacto sobre os Uru-Eu-Uau-Uau é notório, pois a

hidrelétrica provocou uma pressão adicional sobre as terras indígenas, com a migração provocada por sua construção. O impacto sobre a reprodução dos peixes também afetou, por conseguinte, a segurança alimentar dos indígenas e demais residentes na região em que a hidrelétrica foi implantada.

Em relação ao deslocamento compulsório, Simonian (1996) também relata que houve uma grande convulsão social provocada pelas expulsões, o que resultou em grande tensão durante o processo. O reconhecimento de famílias que não estavam em áreas previstas para realização de realocamentos foi custoso e problemático para efeitos de indenização. A entrada autoritária da Eletronorte e a construção da hidrelétrica também resultaram em inúmeros conflitos entre os moradores locais e os trabalhadores da obra.

Todos os problemas apresentados em Samuel e Balbina se deram também em grande proporção na construção da barragem de Tucuruí, que está situada no baixo Rio Tocantins, a cerca de 300 km da cidade de Belém-PA e, conforme vimos anteriormente, possui atualmente uma capacidade instalada de 8.000 MW, sendo, com isso, uma das maiores hidrelétricas já construídas no Brasil e no mundo.

É também uma das mais problemáticas, tendo em vista a dimensão do empreendimento e dos inúmeros equívocos presentes em seu planejamento, que reverberaram numa serie de eventos “não-previstos”, o que aumentou de forma exponencial a quantidade de efeitos sociais e ambientais provocados pela construção da usina. Apenas como exemplo, citamos o cálculo sobre a área inundada que, inicialmente, estava prevista para ser de 1.630 km² e, no entanto, chegou aos 2.850 km². Também o volume previsto do reservatório era de 34,08 km³ e, após a construção, verificou-se que ficou em 45,5 km³. Como é de se imaginar, esse “erro” aumentou o raio da área afetada e, consequentemente, a população registrada para efeito de deslocamento compulsório era muito maior do que o que estava estimado inicialmente pela Eletronorte, que era de aproximadamente 15 mil pessoas, segundo cálculos da empresa. A área inundada em Tucuruí provocou um grande deslocamento compulsório em locais que não estavam inicialmente previstos nos estudos de viabilidade da hidrelétrica. A Comissão Mundial de Barragens relata que:

[...] algumas vilas ou povoados foram atingidos parcial, ou totalmente. A sede do município de Jacundá foi totalmente inundada; parte de duas reservas indígenas (Parakanã e Pucuruí), e 170 km de rodovia federal. O empreendimento ocupou ainda, com suas obras 60% a 70% do território indígena dos Gaviões da Montanha, que tiveram que abandonar sua reserva e se deslocar para a reserva Mãe Maria, que também foi rasgada por uma Linha de Transmissão de 19 km de extensão e 150 m de largura (COMISSÃO MUNDIAL DE BARRAGENS, 1999, p. 23).

De acordo com Castro (1989) e Magalhães (1990), os planos de reassentamento elaborados para os residentes da área de inundação foi cercado de conflitos por conta desses erros de estimativa. Castro destaca o caráter autoritário da Eletronorte na condução dos reassentamentos:

Fazendo demonstração de pouca sensibilidade, utilizando-se de práticas autoritárias e inclusive ignorando o substrato das relações socioculturais nessa região ribeirinha, a empresa informou sumariamente aos moradores que suas terras haviam passado para o domínio do empreendimento, que seus bens seriam posteriormente cadastrados para fins de indenização (casas, fornos de farinha, terra, animais etc). Famílias com mais de um ano no local seriam transferidas para áreas a serem definidas pela política de relocação (CASTRO, 1989, p, 47-48).

Emerge disso um forte processo de luta pelo reconhecimento dos direitos dos povos afetados, que, à época do fechamento das comportas e de enchimento do reservatório, entre 1984 e 1985, ainda não haviam sido reassentados. Estima-se que cerca de 1.500 famílias ficaram em situação de risco durante esse período.

Embora a construção de Tucuruí tenha sido concebida e iniciada ainda findando o ano de 1975, esse projeto é o exemplo mais acabado de como a violência de um grande projeto tem caráter lento e definitivo, pois, muitos anos após o início de suas operações, ainda hoje, os problemas relativos a processos desencadeados pela construção da hidrelétrica continuam a ocorrer na região. Um segundo relatório da Comissão Mundial de Barragens (CMB), que data de 2000, apontou que, entre esses problemas que ainda hoje estão em curso, está o processo de indenizações que não foi concluído de forma satisfatória às famílias afetadas e compulsoriamente deslocadas, problema decorrente, em grande parte, pelo descrito acima. Mas os critérios estabelecidos também geraram grande mobilização e revolta por parte dos atingidos. Segundo o relatório: