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A luta por reconhecimento em Honneth e a resposta ao problema da existência humana em Fromm

NEGRI E WARAT

5.1 À GUISA DE INTRODUÇÃO: PENSAR O FAZER PARA NÃO FAZER SEM PENSAR 413 – REFLEXÕES SOBRE O CAMPO DE ANÁLISE: A PÓS-

5.1.2 A luta por reconhecimento em Honneth e a resposta ao problema da existência humana em Fromm

Fala-se em uma dimensão social ou ética tendo como fundamento o pensamento de Axel Honneth, com destaque para a luta por reconhecimento 428, eis que, segundo o filósofo, a própria identidade é formada por meio de processos intersubjetivos, terreno onde se dá o reconhecimento. Nesse sentido, a identidade é o reconhecimento pela socialização, tese essa que ele toma de Mead, cujos escritos, segundo Honneth, contêm os meios mais adequados para a reconstrução

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WARAT, Luis Alberto. Manifestos para uma ecologia do desejo. In: _____. Territórios desconhecidos: a procura surrealista pelos lugares do abandono do sentido e da reconstrução da subjetividade. v. I. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2004. p. 286.

424

BAUMAN, Zygmunt. Amor líquido: sobre a fragilidade dos laços humanos. Trad. Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004.

425

MARQUES, Garcia; MARTINS, Lourenço. Direito da informática. 2. ed. Coimbra: Almedina, 2006. p. 43.

426

Sobre a temática do devir cf. DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Mil platôs – Capitalismo e esquizofrenia. v. 4. Trad. Suely Rolnik. Rio de Janeiro: Editora 34, 1997.

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LASH, Scott. Crítica de la información. trad. Horacio Pons. Buenos Aires: Amorrortu, 2005. p. 347.

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HONNETH, Axel. Luta por reconhecimento: a gramática moral dos conflitos sociais. Trad. Luiz Repa. São Paulo: Ed. 34, 2003.

das intuições da teoria da intersubjetividade do jovem Hegel num quadro teórico pós-metafísico.429

E nesse contexto Honneth defende que existem três padrões de reconhecimento - tal como já o haviam feito Mead e Hegel, mas fazendo uma releitura desses. A teoria de ambos acarreta "a distinção de três formas de reconhecimento recíproco: da dedicação emotiva, como a conhecemos das relações amorosas e das amizades, são diferenciados o reconhecimento jurídico e o assentimento solidário como modos separados de reconhecimento"430 Dito de modo mais sucinto, os padrões referidos são o amor, o direito e a solidariedade.

O vocábulo amor não é adotado por Honneth em uma acepção restritiva estritamente ligada à relação sexual. Devem ser entendidas como relações amorosas as relações primárias, com ligações emotivas fortes entre um número reduzido de pessoas. E isso pode se dar como relação erótica, vínculo de amizade ou de filiação.431 Honneth ainda diz que para Hegel o amor representa a primeira etapa do reconhecimento recíproco, eis que em sua efetivação os sujeitos mutuamente se reconhecem como carentes: na experiência recíproca da dedicação amorosa, dois sujeitos se sabem unidos no fato de serem dependentes, em seu estado carencial, do respectivo outro.432

No tocante ao direito, Hegel e Mead perceberam que o indivíduo somente se percebe portador de direitos quando tem consciência das obrigações que possui em relação ao respectivo outro. Somente da perspectiva normativa do "outro generalizado", que ensina a reconhecer os outros membros da coletividade como portadores de direitos, é que se pode entender a si mesmo como pessoa de direito e estar certo do cumprimento social de algumas pretensões individuais.433

Por fim, Honneth diz que somente a dedicação afetiva e o reconhecimento jurídico são insuficientes para completar os padrões de reconhecimento. Os sujeitos humanos precisam, ainda, de uma estima social que lhes permita referir-se

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HONNETH, Axel. Luta por reconhecimento: a gramática moral dos conflitos sociais. Trad. Luiz Repa. São Paulo: Ed. 34, 2003. p. 125.

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HONNETH, Axel. Luta por reconhecimento: a gramática moral dos conflitos sociais. Trad. Luiz Repa. São Paulo: Ed. 34, 2003. p. 157.

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HONNETH, Axel. Luta por reconhecimento: a gramática moral dos conflitos sociais. Trad. Luiz Repa. São Paulo: Ed. 34, 2003. p. 159.

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HONNETH, Axel. Luta por reconhecimento: a gramática moral dos conflitos sociais. Trad. Luiz Repa. São Paulo: Ed. 34, 2003. p. 160.

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HONNETH, Axel. Luta por reconhecimento: a gramática moral dos conflitos sociais. Trad. Luiz Repa. São Paulo: Ed. 34, 2003. p. 179.

positivamente a suas propriedades e capacidades concretas.434 Hegel conceituou esse algo a mais de eticidade, enquanto Mead, embora não tenha realizado uma conceituação formal propriamente dita, tratou-o como um modelo de divisão cooperativa (ou democrática) de trabalho.435 A essa ideia, Honneth dá o nome de solidariedade, e afirma que as relações construídas sobre essa base são ditas solidárias porque despertam não só a tolerância com a particularidade individual, mas também o interesse afetivo por ela: só na medida em que um sujeito cuida ativamente de que as propriedades dessa particularidade, estranhas a ele, possam se desdobrar, os objetivos que nos são comuns passam a ser realizáveis.436

De todos esses padrões, extrai-se que o viver em sociedade pressupõe um desejo, que é o desejo de reconhecimento, o qual é frustrado porque substituído pelo consumismo. E a ideia de se sentir presente e reconhecido no mundo que prega a acumulação procura preencher o ser pelo ter. Nesse sentido, a psicanálise surge para explicar que o desejo é oposto ao gozo, mobilizado pela pulsão que é sempre de morte como diria Lacan. O gozo que se busca, afinal, é sempre o gozo de ser que é perdido quando se entra no mundo da linguagem e que encontra seu limite na demanda e no desejo. O desejo limita o gozo, pois o desejo pressupõe o Outro, o desejo é o desejo do desejo do Outro437. O gozo enquanto gozo de ser, nega o Outro, já que busca a negação da falta-a-ser que caracteriza o ser falante.438

Ademais, o gozo de ser é solitário, autista até. Em seu lugar surge o gozo fálico, que é parcial, temperado pelo desejo.439 Esse gozo fálico é sempre insatisfatório, eis que parcial - a não ser no outro gozo d’A mulher de que fala Lacan440, no entanto, é o gozo a que temos acesso quando desejamos, pois desejar

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HONNETH, Axel. Luta por reconhecimento: a gramática moral dos conflitos sociais. Trad. Luiz Repa. São Paulo: Ed. 34, 2003. p. 198.

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HONNETH, Axel. Luta por reconhecimento: a gramática moral dos conflitos sociais. Trad. Luiz Repa. São Paulo: Ed. 34, 2003. p. 198-199.

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HONNETH, Axel. Luta por reconhecimento: a gramática moral dos conflitos sociais. Trad. Luiz Repa. São Paulo: Ed. 34, 2003. p. 210-211.

437

LACAN, Jacques. O seminário, Livro5: As formações do inconsciente. Trad. Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1999. (Coleção Campo Freudiano no Brasil). p. 476.

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SCOTTI, Sergio. Psicanálise: uma ética do desejo. Disponível em http://www.periodicos.ufc.br/index.php/psicologiaufc/article/view/121/120.pdf. Acesso em 29 ago. 2017.

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SCOTTI, Sergio. Psicanálise: uma ética do desejo. Disponível em http://www.periodicos.ufc.br/index.php/psicologiaufc/article/view/121/120.pdf. Acesso em 25 jan. 2017. 440

já implica necessariamente a falta. Só se deseja aquilo que se tem em falta e, sendo faltoso, incompleto, o sujeito não pode ser.441

A questão do consumismo pode ser respondida a partir da ótica lacaniana na medida em que a ética capitalista faz com que se busca o ser pelo ter, pela posse dos bens que são, na verdade, um arremedo do ser que falta. Os bens, assim como as drogas, por exemplo, constituem formas de gozo de ser que amenizam o mal estar na cultura, na civilização. Mal estar que não pode ser resolvido desse modo, pois ele é inerente à cultura e ao próprio humano que é caracterizado pela falta quando este entra no mundo do significante.442

Destarte, para além da dimensão inconsciente do desejo que não retira a responsabilidade dele, a questão que colocada por Lacan, “Agiste conforme teu desejo?”, também coloca o sujeito diante da responsabilidade pelo mal estar que advém da falta, a qual nenhum, bem, posse, ou realização humana será capaz de elidir, pois é a partir dela mesma que se caracteriza como humano.443 Portanto, o gozo ou a conformação com o dado pelo sistema capitalista alienante do desejo constituem respostas inadequadas em termos de reconhecimento, de modo que tornam turva a visão sobre a existência por meio da falsa percepção da realidade e da manipulação do inconsciente. Daí ser plausível a concordância com o que defende Erich Fromm, para quem "a unidade conseguida na fusão orgíaca é transitória; a unidade alcançada pelo conformismo é apenas pseudo-unidade. Eis porque são todas, apenas, respostas parciais ao problema da existência. A

resposta completa está na realização da unidade interpessoal, da fusão com outra pessoa: está no amor."444

5.2 DA ANTIMODERNIDADE À ALTERMODERNIDADE: MANIFESTOS PARA UMA

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