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LUTAS PELOS DIREITOS DAS MULHERES E O EMPODERAMENTO

As lutas pelos direitos das mulheres têm entrado nas pautas das políticas mundiais há muito tempo, como conse- quência das lutas históricas do movimento feminista e dos movimentos de mulheres2. Segundo Bobbio (2004)3, as es-

pecificidades das mulheres no campo dos direitos sociais no âmbito internacional foram demarcadas por meio de trata- dos, como a Convenção Sobre os Direitos Políticos da Mulher, em 1952, e a Declaração sobre a Eliminação da Discriminação da Mulher, em 19674.

Para Kabeer (2003), além das lutas feministas no sen- tido de manter as desigualdades de gênero nas pautas das políticas mundiais, foi a partir das políticas de ajustamento estruturais (SAPs – Structural adjustment policies) impostas pelo Banco Mundial e Fundo Monetário Internacional (por consequência da crise econômica global dos anos 1970/1980) que as relações entre pobreza e desigualdade de gênero foram claramente identificadas e reconhecidas.

Outros compromissos com o avanço das mulheres e a eliminação das desigualdades de gênero em escala mundial vêm sendo assumidos também desde a Conferência de Pe-

2 Os movimentos de mulheres não necessariamente se identificam com as lutas do feminismo, são significados diferentes para reivindicações que dizem respei- to às mulheres (FOUGEYROLLAS-SCHWEBEL, 2009).

3 O autor, em sua obra A era dos direitos faz uma retomada histórica dos direitos humanos, distinguindo os direitos de liberdade dos direitos sociais e dos direitos políticos, onde todas as conquistas foram alcançadas primeiramente pelos ho- mens, cabendo às mulheres lutar por seu reconhecimento como ser de direitos ao longo da história.

4 Segundo Teles (2006), foi na Conferência Mundial de Direitos Humanos, em Vie- na/1993, que os direitos humanos das mulheres foram reconhecidos.

quim, e das Nações Unidas sobre a mulher, realizada na capi- tal chinesa em 1995. Os acordos firmados nessa conferência tiveram como referência as três conferências mundiais ante- riores, que foram realizadas na cidade do México, em 1975, em Copenhague, em 1980, e em Nairobi, em 1985.

Em muitos aspectos, os resultados da Conferência de Pequim promoveram os progressos realizados na Con- ferência Internacional de 1994 sobre população e de- senvolvimento (CIPD) no Cairo, Egito, onde o avanço e a emancipação das mulheres e dos direitos da mulher a controlar sua fertilidade já tinham sido negociados (IPS, 2010).

Segundo as Nações Unidas (ORGANIZACIÓN DE LAS NACIONES UNIDAS, 2010 p. 5), “a igualdade de gênero e o empoderamento da mulher são questões essenciais para su- peração não só das desigualdades, mas da pobreza, da fome e das doenças”. Com o objetivo de construir um mundo menos desigual, a partir de um esforço conjunto, as metas, ou obje- tivos de desenvolvimento do milênio (ODM), foram elabora- dos e assumidos por 191 estados-membros das Nações Uni- das para serem alcançados até 2015. A partir desses objetivos, os países participantes têm sido acompanhados e cobrados a desenvolver e a articular políticas públicas que deem apoio a iniciativas direcionadas a alcançar os objetivos propostos5.

5 Segundo Brasil (2007, p. 21): desde que o governo brasileiro passou a enca- minhar, a partir de 2002, seus relatórios periódicos ao Comitê da ONU pela Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (Comitê CEDAW), as recomendações deste Comitê passaram a se configurar em impor- tante baliza, a orientar as principais demandas de gênero para diversas áreas, inclusive a educação.

As metas do milênio representam a iniciativa mais im- portante com relação aos povos mais vulneráveis do mundo. As responsabilidades, que são derivadas das metas, geraram um nível sem precedente de colaboração com o compromis- so para melhorar as vidas de milhares de pessoas, e para criar uma atmosfera que contribua com a paz e a segurança no mundo. No entanto, apesar de certo progresso, a paridade en- tre os gêneros na educação primária e secundária ainda está longe de ser atingida (ORGANIZACIÓN DE LAS NACIONES UNIDAS, 2010, p. 21).

Dirigido à luta pela igualdade de gênero, o objetivo de desenvolvimento do milênio n. 3, cujo título é Promover a igualdade de gênero e o empoderamento da mulher, tem como meta “eliminar as desigualdades entre os sexos no ensino em todos os níveis até 2015” (ORGANIZACIÓN DE LAS NACIONES UNIDAS, 2010, p. 20).

Esse objetivo demanda diversas formas de ação de acordo com a comunidade/cultura/país a que se destina. As emergências são inúmeras e diferenciadas ao longo do globo no que diz respeito aos direitos das mulheres, suas realidades práticas e suas possibilidades.

Na esteira da coletividade, segundo León (2001), o termo empoderamento ficou conhecido no mundo sobretudo pelas experiências práticas desenvolvidas por grupos e movimen- tos de mulheres para combater a pobreza no Sul da Ásia e, posteriormente, na América Latina. Contudo, a autora ressal- ta que mesmo no campo de estudos sobre mulheres, gênero e desenvolvimento, onde a questão do empoderamento apare- ce desde os anos 1980, não há um consenso sobre o significa- do do termo. “O conceito é usado como substituto de integra- ção, participação, autonomia, identidade, desenvolvimento

e planejamento e nem sempre com referência à sua origem emancipadora” (LEÓN, 2001, p. 96).

Para Baquero (2012), os debates em torno do empodera- mento podem situar-se em duas vertentes: a política e a edu- cativa. Historicamente, com a segunda onda do feminismo, discussões visando ao empoderamento das mulheres cres- ciam e propostas de ação nasciam das articulações feministas e dos movimentos sociais de mulheres. León (2001) cita pes- quisadoras, como Maxime Molineux, Carolyn Moser e Kate Young, cujos trabalhos acerca do desenvolvimento e seus impactos na vida das mulheres trouxeram a questão do em- poderamento para outro patamar. A partir dessas contribui- ções, ao pensar em propostas de ação, as necessidades e os interesses das mulheres estariam classificados em práticos e estratégicos. As necessidades práticas seriam aquelas relacio- nadas à questão material: salário, emprego, creches, o básico para sobreviver e sustentar uma família, sair da pobreza. As necessidades estratégicas são aquelas relacionadas à capaci- dade de entender a trama das relações sociais e questionar as relações de poder nela existentes. Estas necessidades estão profundamente relacionadas às necessidades práticas, dando a elas um caráter político e abrindo espaço para a tomada de consciência. Para León (2001), essa dinâmica reforçou, para o movimento feminista, a necessidade de criar mecanismos de tomada de consciência, participação e organização.

Ainda, segundo León (2001), as teóricas feministas que abordam a questão do empoderamento concordam que ele é um processo que se dá de diferentes formas em diferentes contextos. Passa também pelo plano individual, pelo aumen- to da autoestima e da autonomia e pelo coletivo, pela capa- cidade de organização e mobilização em prol de objetivos

comuns. O empoderamento não acontece de maneira linear, desvinculado das relações sociais, históricas, econômicas e das necessidades urgentes de sobrevivência e manutenção da vida. Por isso, muitas vezes, é contraditório, conflituoso e de- sestabilizador para alguns. Vale reforçar que:

os processos de empoderamento são, para as mulheres, um desafio à ideologia patriarcal com objetivo de trans- formar as estruturas que reforçam a discriminação de gênero e a desigualdade social. O empoderamento, por- tanto, se entende como um processo de superação da de- sigualdade de gênero (LEÓN, 2001, p. 104).

Nessa afirmação reside um universo de ideias, conceitos, teorias e lutas relacionadas ao feminismo e aos estudos de gê- nero. Ainda que o termo empoderamento em si não seja ex- plicitado nas argumentações, a ideia está sempre atrelada aos processos que questionam as relações de poder que mantém as mulheres em condições desiguais em relação aos homens. A noção extrapola as ciências sociais e também tem sido im- portante nas áreas de saúde pública, indo desde a prevenção à gravidez precoce, da síndrome da imunodeficiência adqui- rida (AIDS), das doenças sexualmente transmissíveis (DSTs), saúde mental, terceira idade, violência contra a mulher, e ou- tros tantos campos onde a desigualdade de gênero traduz-se em todo tipo de abuso de poder, violência, sofrimento ou ne- gligência6.

6 Existe também o termo empoderamento sexual (sexual empowerment) utilizado na literatura norte-americana para tratar dos direitos sexuais das adolescentes. Peterson (2010) e Peterson e Lamb (2012) discutem a questão sob o ponto de vista do feminis- mo, questionando se essa categoria de empoderamento deve ser vista como subjetivi- dade individual ou controle social e institucional.

Meneghel, Farina e Ramao (2005) deram enfoque ao empoderamento ao trabalharem com oficinas de narrativas de histórias com mulheres negras vítimas de violência. Para as pesquisadoras:

O empoderamento significa um desafio para as relações de poder existentes; representa a expansão da liberdade de escolha e de atuação e o aumento da capacidade de agir dos sujeitos sobre os recursos e decisões que afetam suas vidas. É um processo que pode ajudar na superação da desigualdade de gênero, sempre que as mulheres re- conhecerem a ideologia sexista e entenderem que essa ideologia perpetua a discriminação em relação a elas (MENEGHEL; FARINA; RAMÃO, 2005, p. 570).

Nesse caso, o empoderamento almejado era direcio- nado ao resgate da autoestima, à desnaturalização da vio- lência, da compreensão das prerrogativas de uma socieda- de patriarcal e machista e seus mecanismos de submissão das mulheres. Levantar a cabeça, entender-se como uma pessoa de direitos também é um dos primeiros estágios do empoderamento.

Segundo Yannoulas (2002, p. 40-41, grifos nossos):

Empoderamento: provém do inglês empowerment. No contexto dos estudos de gênero, refere–se à potencialidade profissional das mulheres, aumentando sua informação, aprimorando suas percepções e trocando idéias e expressando sentimentos. Seu objetivo mais amplo é fortalecer as capacidades, habilidades e disposições para o exercício legítimo do poder. Pode–se identificar um conjunto de práticas para desencadear o processo de empoderamento, como por exemplo: apresentação de textos novos, exclusivamente pensados a partir da ótica das relações de gênero; novas leituras de textos

antigos, não escritos com base nas relações de gênero, mas lidos sob esta ótica; análise da experiência pessoal através da reconstrução da história de vida. Destacam–se as técnicas de colaboração, cooperativa e interativa, com muito diálogo, jogos de papéis, redação de periódicos, relatos.

O processo de empoderamento pode se dar de diver- sas formas e conter diferentes características em relação ao público a que se destina (GOHN, 2004; BAQUERO, 2012). Importantes trabalhos têm sido desenvolvidos no Brasil na área da saúde focando mulheres em condições, como: du- pla vulnerabilidade – mulheres com deficiência (NICOLAU; SCHRAIBER; AYRES, 2013), mulheres trabalhadoras e a eco- nomia solidária (OLIVEIRA, 2005), mulheres na tecnologia da informação (SOUSA; MELO, 2009), mulheres negras (MENE- GHEL; FARINA; RAMAO, 2005), mulheres vítimas de violên- cia (CORTEZ; SOUZA, 2008), mulheres beneficiárias do pro- grama bolsa-família (MOREIRA et al., 2012), e muitos outros.

Ainda que sejam muitas as formas de entender o empo- deramento e quanto mais diversificada seja a sua apropriação por diferentes setores da sociedade, a importância e relevân- cia dessa ideia residem no fato de estar sempre relacionada às relações de poder, conforme Baquero (2012, p. 183):

uma análise das diferentes formas em que empodera- mento tem sido abordado na literatura evidencia que esta categoria se constitui mais do que um construto de natureza psicológica, estando intimamente implicada nas relações de poder na sociedade.

No caso dos estudos de gênero, estudos feministas e a educação, as relações de poder também constituem um foco

importante de análise e no campo das lutas e movimentos so- ciais um foco de trabalho e de conquista. Assim, essa catego- ria foi assumida como ponto fundamental deste trabalho por estar completamente atrelada aos processos tratados.