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VERGONHA E PERTENCIMENTO

A vergonha foi apontada como causa para que os/as estu- dantes silenciassem no que diz respeito às dúvidas durante as aulas. Esta foi uma das causas apontadas pelos/as entrevista- dos/as para que se calassem diante da dúvida. Os/as estudan- tes tinham vergonha de perguntar, com receio da reação dos/as colegas e também dos/as professores/as, porém, a reação dos últimos/as foi apontada por um menor número de estudantes. Muitas vezes, ao fazerem um comentário acertado eram qua-

lificados/as como nerd ou CDF11 e se o comentário fosse equi-

vocado, ouviam um sonoro eh burro. As duas situações eram indesejadas pelos/as estudantes, então, calavam-se. Eles/as não queriam estar em nenhum desses segmentos, queriam ser aceitos/as como pertencentes ao grupo, como igual. A neces- sidade de pertencimento ficou evidente na fala dos/as entre- vistados/as. Tinham receio de serem vistos como diferentes, desiguais, fora de lugar.

Na visão dos/as entrevistados os rótulos de nerd e CDF podiam ser positivos ou negativos, dependendo de como eram interpretados. Eliane evidencia esta percepção e opta por entendê-los como positivos, como um estímulo, um elogio. Porém, reconhece que podem ser utilizados em sentido oposto, como negativos, como crítica. Para ela este rótulo não incomodava talvez pelo fato de ser uma aluna com bom rendimento, participativa e que se reconhecia como tal.

B: Quando ele entrega e sempre vem uns comentários você é cdf você tirou nota boa... você é um nerd... sempre tem uma vez ou outra... pode ser de brincadeira como pode ser uma coisa mais séria pra tirar sarro... mas sempre tem.

A: Você já foi chamada de cdf? B: Já... várias vezes.

A: Você entendeu como elogio ou crítica?

B: Eu sempre ... quando me explicaram cdf cabeça de ferro. A: Eu conhecia outro... era mais feinho.

B: Então ... tem outros significados... eu tô levando na esportiva ...quando um amigo me explicou... eu perguntei o que é cdf? Vocês

11 Na gíria dos estudantes CDF significa cabeça de ferro, alunos que estudam bas- tante e tiram boas notas. Esta foi a definição dada por eles/as durante a entre- vista.

me chama de cdf e eu não sei... ela me explicou é cabeça de ferro uma pessoa que tem uma cabeça excelente::: então eu pensei assim... eu já levei na esportiva ... depois eu fiquei sabendo dos outros significados mas eu levei na esportiva ... se ela tá dizendo isso então quer dizer... não que eu seja melhor que ela mas ela reconhece que eu sou mais aplicada que eu tenho um esforço maior ... que eu consigo tirar uma nota boa... então seria como um reconhecimento... um mérito (Elia- ne, 8ª série).

A timidez e a vergonha se refletiam diretamente no de- sempenho escolar dos/as estudantes e faziam com que estes deixassem de tirar suas dúvidas sobre o conteúdo. Cabe lem- brar que o conteúdo matemático é cumulativo, ou seja, o con- teúdo sequente depende do anterior, dessa forma, não enten- der uma parte do conteúdo terá reflexo em toda a sequência do ano letivo e das séries posteriores. Assim, a dúvida que vai se acumulando reflete no desempenho escolar e causa o baixo rendimento apontado por Casagrande e Carvalho (2011) em estudo realizado com base nos relatórios anuais encaminha- dos à Secretaria Estadual de Educação do Paraná, no ano de 2008, pelo mesmo colégio em que esta pesquisa foi realizada. A necessidade de pertencimento ao grupo por parte dos/as estudantes é importante nesta fase da adolescência e, talvez, em toda a vida. Eles/as precisam ser conhecidos/as e reconhecidos/as pelos/as colegas como um/a deles/as e, por isso, silenciam com receio de que ao expor suas ideias sejam vistos como diferentes, como não pertencentes àquele gru- po. Isso não acontece somente na escola. Pode ser percebido também quando um/a adolescente argumenta com os pais e mães o que todos/as os/as amigos têm ou o que fazem e, por isso, ele/a também precisa ter ou fazer.

Os/as estudantes percebiam tais situações. Isso aparece nos trechos de entrevista a seguir.

A: Em algum momento você percebeu que alguém fez uma pergunta e o outro tirou sarro ... acontece isso?

B: Acontece...também ontem... o Ivo as véis ele fais pergunta... ele ::: a professora ... todo mundo já tá sabendo... coisa facinha... coisa nada a vê assim ele pega e pergunta ... mas professora esse daqui é diferente desse número que igual a esse daqui... bem nada a vê as perguntas daí eu tira... daí os piá tira sarro daí (Braulin, 5ª série).

A: E como você acha que as pessoas que perguntaram se sentem quando alguém tira sarro delas?

B: Elas se sentem magoadas.

A: Já tiraram sarro de alguma pergunta que você fez?

B: Eu não faço pergunta então não tem... eu não faço pergunta (Bianca, 5ª série).

Percebeu-se uma recusa em assumir a participação dos/ as entrevistados/as nas ações vexatórias. Esse fato fica per- ceptível na fala de Braulin, aluno da 5ª série. Ele começa a di- zer que ele critica os/as colegas, mas, em seguida, se corrige e diz que todos os meninos tiram sarro dos/as colegas. Esta negação demonstra que eles/as têm a percepção de que esta atitude não é correta, não é desejada e eles/as não querem assumir que o fazem. Ele demonstrou preocupação com a imagem que se faria dele, caso assumisse que pratica ações vexatórias.

Por outro lado, a fala de Bianca evidencia o silenciamen- to que pode indicar o receio de ser vítima de chacotas. Esta postura dos/as colegas interferia mais na postura das me- ninas do que dos meninos, elas se calavam mais frequente-

mente. Sem dúvida, a vergonha e o receio de serem vitimadas fazem com que as relações em sala de aula se modifiquem e tornem-se menos ricas. Durante a pesquisa, pude perceber que os/as estudantes mais participativos/as, que questiona- vam mais, respondiam mais as questões dos/as professores/ as, eram também os que obtinham as melhores notas. Porém, não foi possível concluir se eles perguntavam mais por terem mais conhecimento, o que os deixaria mais seguros, ou se ti- nham melhores rendimentos por que perguntavam mais e elucidavam suas dúvidas. Provavelmente aconteciam as duas situações. Como já haviam vencido a fase do receio da expo- sição, sentiam-se à vontade para dialogar com os/as profes- sores/as e colegas e também para expor seus pontos de vista.