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O ritmo que a montagem impõe nos filmes busca enredar os espectadores, de forma que não dispersem da narrativa. De acordo com o diretor Cao Hamburger, diretor do longa infantil Castelo Rá-Tim-Bum: “O [público] infantil é mais difícil de ser atingido. Não se conta muito com a paciência deles, ou se atinge o seu coração ou eles vão ser perdidos enquanto espectadores.” (SANTOS, 2004, p. 160). Hamburger provavelmente se referia à conquista rápida do espectador pelo filme em termos amplos. Um dos itens importantes para essa conquista é, sem dúvida, o ritmo.

longos, que privilegiam a contemplação de paisagens e dos personagens. É o caso, por exemplo, da própria abertura e dos belos planos aéreos do passeio de avião e de balão. O filme tem cerca de 900 tomadas, cuja duração média é de pouco mais de 5 segundos, com desvio-padrão de cerca de 6 segundos, o que indica que a amostra se dispersa bastante da média (havendo planos bem mais longos e outros bem mais curtos). Logo, a obra não é composta apenas de longos planos, há intercalação de momentos mais entrecortados, como a sequência de brincadeiras na rua. Percebe-se, no gráfico 1, que a linha de tendência (vermelha) oscila ao longo do filme, alternando sequências com planos mais longos e outras com planos mais rápidos.

É interessante notar que os planos longos em geral são ricos em movimentos: a câmera e/ou os personagens se movimentam, podendo ainda ser acompanhados por uma música de fundo. Possuem um ritmo interno muitas vezes intenso.

De acordo com Chion, “antes de prover ressonância emocional a um filme, a música é sobretudo uma máquina de manipular tempo e espaço, aos quais ela ajuda a expandir, contrair, congelar e derreter como desejado.36” (CHION, 2009, p. 409). Um dos planos mais longos do filme é aquele em que Maluquinho dança no relógio com uma fada: música cadenciada com ação suave, mas constante, e plano longo fazem com que o tempo aparentemente se expanda, que “passe mais devagar”. Na cena dos carrinhos de rolimã, ocorre o contrário: a máquina musical auxilia a condensar o tempo e a costurar os planos: ela é sincronizada com um fluxo de imagens de várias brincadeiras em locações diferentes. Os planos contêm muito movimento: carrinhos descem, crianças correm. A canção tem um ritmo mais rápido e a montagem de imagens é bastante entrecortada, principalmente em comparação com o ritmo da edição ao longo do filme.

São distinções interessantes. Quando está acordado, o fato de o tempo do menino “ir devagar” é narrativamente expresso com a rapidez e a intensidade de movimento visual e sonoro num curto espaço de tempo. Mais que ir devagar, a impressão que se tem é de que o tempo é muito cheio. Quando está dormindo, e a narração supostamente assume mais diretamente o ponto de vista do menino, o tempo de fato parece se esvair mais lentamente. Assim, a película alterna momentos de compressão temporal e de distensão; momentos de 35 Também montadora de A dança dos bonecos, filme anterior dirigido por Helvécio Ratton e produzido pelo Grupo Novo, Super Xuxa contra o Baixo Astral , Quem matou Pixote? (José Joffily, 1996), Fica comigo (Laís Bodansky, 1998), entre outros.

A película seguinte, montada por Déo Teixeira37, tem mais de 1200 planos de duração média de 4 segundos, com desvio-padrão de menos de 5 segundos. É significativamente mais rápida que a anterior. Observando a linha de tendência do gráfico 2 (em vermelho), percebe- se que ela tem menos variações que a linha do primeiro gráfico – o filme costuma manter um ritmo relativamente acelerado e constante de cortes. Eventos cheios de movimento são por vezes decupados em diversos planos, como a queda da estante na abertura e o momento em que os meninos caem num escorregador da gruta. Neste filme, a maior quantidade de campos- contracampos também acelera um pouco o ritmo.

Todavia, deve-se destacar que nem todo ele é composto de planos rápidos, há também planos-sequência. De forma semelhante ao que ocorre no primeiro filme, mesmo os planos longos contêm uma boa dose de movimentação e/ou música, como a cena em que vô Tonico e Maluquinho estão a andar no trilho do trem, que começa com uma mise-en-scène intrincada, explorando a profundidade de campo. E a cena em que as crianças cruzam uma ponte num plano geral e conversam sobre os perigos da caverna, ao som da música-tema instrumental de fundo.

No primeiro filme, o ritmo interno dos planos acaba tendo um peso um pouco maior. O movimento dos personagens, principalmente do protagonista, marca o ritmo de movimentação. Com planos um pouco mais longos, explora-se com um pouco mais de liberdade a atuação dos atores mirins. Cabe notar que estes fornecem uma contribuição literalmente infantil para a mise-en-scène e para o ritmo do filme, ainda que eles também apresentem um grau de overacting e tenham sido dirigidos por um adulto.

É interessante notar ainda que os filmes apresentam uma variação de ritmo bem perceptível quando chegam ao final. A linha de tendência do gráfico 1, referente ao primeiro filme, sobe, indicando um ritmo mais rápido de corte de planos em razão principalmente do jogo de futebol e do clipe final. Já no segundo filme, a linha desce, indicando um padrão mais lento de cortes, devido aos planos da festa. Ambos os filmes terminam com um final feliz, que é mais um elemento comum em narrativas infantis, e podemos refletir sobre os diferentes efeitos que essa variação proporciona.

Após o falecimento do avô de Maluquinho, no primeiro filme, a montagem se acelera.

37 Seu primeiro trabalho como montador de longa-metragem é Menino maluquinho 2. Também editou comerciais na O2 Filmes. Montou posteriormente Domésticas (Fernando Meirelles e Nando Olival, 2001) e episódios para TV das séries Antônia (2006) e Som e Fúria (2009).

jogo de futebol leve, rápido, com direito a torcida. E, ao final, depois que o garoto cresce, os espectadores são brindados com a retrospectiva de seus momentos felizes num clipe com a música-tema. O final feliz não corresponde exatamente à resolução de um problema ou de um conflito, já que a morte é intransponível e os pais do menino não reatam. Ou seja, não se trata de um fechamento estrutural, mas de um fechamento mais psicológico, que a montagem certamente ajuda a constituir levando a um momento quase catártico: “os conflitos pessoais do protagonista entram num balanço” (NIKOLAJEVA, 2003, p. 7) e os dos espectadores também: a tristeza se esvai.

No final do segundo filme, planos mais abertos mostram a população fantasiada, desfilando na festa de aniversário da cidade. Depois, ocorre a apresentação no circo e, por fim, a queima de fogos. Trata-se de um final que une o fechamento estrutural (o objetivo da festa é alcançado de forma integral) e o psicológico (o protagonista revê seu amigo Tatá e resolve o problema do avô). O ritmo de ação e de montagem do filme cai, os objetivos já estão sendo concretizados. Os planos dos fogos de artifício são também longos em decorrência dos efeitos especiais, de execução mais difícil caso houvesse muitos cortes,

closes ou movimentos de câmera.