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2.2 Brasil: ame-o?

2.2.3 Médici e os anos de chumbo

Em outubro de 1969, sobe à Presidência o general Emílio Garrastazu Médici. Seu mandato, determinado pela mesma Junta que o escolheu, começaria no dia 30 de outubro e terminaria a 15 de março de 1974.

Dentre todos os generais que assumiram a presidência do Brasil, durante a ditadura, Médici foi o que menos trabalhou para consegui-la. Tal atitude já revelava o temperamento introvertido e silencioso com que governaria o país.

Médici já era conhecido nas altas rodas do poder. Durante o governo de Costa e Silva foi o diretor do Serviço Nacional de Informações (SNI). E foi como ocupante deste cargo que participou da missa negra6, dando o seguinte voto:

Senhor Presidente, senhores conselheiros. Eu me sinto perfeitamente à vontade [...] e, por que não dizer? Com bastante satisfação, em dar o meu aprovo ao documento que me foi apresentado. Isto porque, senhor presidente, em uma reunião do Conselho de Segurança Nacional, no desempenho das funções que vossa excelência me atribuiu, como chefe do SNI, tive a oportunidade de fazer minucioso relato da situação nacional brasileira e demonstrar aos conselheiros por fatos e ações o que estava na rua era a contra-revolução. Acredito, senhor presidente, que com a sua formação democrática foi vossa excelência tolerante demais, porque naquela oportunidade eu já solicitava [...] que fossem tomadas medidas excepcionais para combater a contra-revolução que estava na rua. Era só o que eu tinha a dizer. (GASPARI, 2002b, pp. 128-129)

Pela fala do general já era possível prever que seu governo seria um dos mais repressivos, uma vez que acreditava poder tudo, através do AI-5, para acabar com a “contra- revolução”.

Ao assumir a função de presidente, dividiu seu governo em três áreas: a econômica, liderada pelo Ministro da Fazenda Delfim Netto; a militar, concentrada nas mãos do Ministro

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do Exército Orlando Geisel; e a política, cujo encarregado foi o chefe da Casa Civil, Leitão de Abreu. Também estabeleceu a nova rotina administrativa:

À natureza ditatorial do regime, Médici acrescentou a blindagem da máquina de comando da Presidência. Já na primeira reunião do ministério informou aos seus colaboradores que o SNI funcionaria como supervisor ostensivo da administração. Todas as nomeações tinham de passar primeiro pelo seu crivo, e todas as denúncias encaminhadas ao Planalto seriam antes remetidas ao Serviço. Só depois, já analisadas, chegariam ao conhecimento dos ministros. Nenhum ato administrativo podia ser levado diretamente ao presidente. Tinha que passar primeiro pelo Gabinete Civil, a quem o general atribuiu também funções de arbitragem e coordenação de quaisquer assuntos que envolvessem mais de uma pasta. Nos despachos com Médici os ministros deviam tratar apenas de questões de suas áreas e estavam dispensadosde apresentar-lhe atos de rotina. (GASPARI, 2002b, p.133) Estabelecida a linha de conduta no Planalto, era hora, segundo o general, de pôr em ordem o restante da nação. Dessa forma, durante seu governo, os aparatos de repressão atuaram livre e intensamente, provocando o declínio da luta armada.

Graças às informações obtidas durante as sessões de tortura, foi possível emboscar e matar com cinco tiros Carlos Marighella, em novembro de 1969. Marighella era um dos homens fortes da guerrilha urbana e sua morte foi um grande choque para a esquerda radical.

Além disso, no início de 1971, a VPR fora reduzida a quase nada. Carlos Lamarca, outro homem forte da guerrilha, após vários deslocamentos, embrenhou-se no sertão da Bahia, onde foi perseguido e morto em setembro do mesmo ano.

Mesmo destino teria o foco guerrilheiro instalado na região do Araguaia:

Restou um foco de guerrilha rural que o PC do B começou a instalar em uma região banhada pelo rio Araguaia, próxima a Marabá, situada no leste do Pará – o chamado Bico do Papagaio. Nos anos de 1970-1971, os guerrilheiros em número aproximado de setenta pessoas estabeleceram ligações com os camponeses, ensinando-lhes métodos de cultivo e cuidados com a saúde. O Exército descobriu o foco em 1972, mas não se revelou tão apto na repressão como fora com a guerrilha urbana. Foi só em 1975, após transformar a região em zona de segurança nacional, que as forças do Exército conseguiram liquidar ou prender o grupo do PC do B. (FAUSTO, 2000, pp. 483-484)

Todas essas perseguições não chegavam ao conhecimento do público. A divulgação desses assuntos estava proibida e os meios de comunicação de massa recebiam diárias visitas dos censores que decidiam quais os temas que podiam ser ou não abordados.

Foi, também, durante o governo de Médici que surgiu o maior número de denúncias de tortura de todo o período ditatorial: mais de 2500. No entanto, a maioria delas, para não dizer todas, se perdiam nas gavetas dos órgãos competentes e caíam no esquecimento.

Enquanto os aparatos repressivos mantinham, a ferro e fogo, a “ordem” no país, nossa economia crescia a olhos vistos. O Brasil vivia, com a Era Médici, o “milagre econômico”. A inflação média anual não ultrapassou a casa dos 18%. O PIB cresceu na média anual de 11,2%, chegando, em 1973, a atingir o pico de 13%. A indústria nacional, graças ao capital estrangeiro, teve um considerável crescimento, principalmente a indústria automobilística e de eletroeletrônicos. As exportações também foram favorecidas durante o governo de Médici, registrando aumentos de 32% ao ano.

O “milagre”, porém, acabou gerando uma concentração de renda e um abandono dos programas sociais pelo Estado. Projetos como o Mobral, o Plano Nacional de Saúde, o Rondon foram pouco a pouco definhando por falta de incentivos do governo.

A Era Médici não se caracterizou, publicamente, pela repressão empregada, mas pelo desenvolvimento econômico. Isso graças ao pesado investimento feito em propaganda. Para tanto, houve um avanço das telecomunicações no país. A facilidade de crédito pessoal permitiu a expansão do número de residências que possuíam televisão, que em 1970, chegava ao índice de 40%:

Por essa época, beneficiada pelo apoio do governo, de quem se transformou em porta-voz, a TV Globo expandiu-se até se tornar rede nacional e alcançar praticamente o controle do setor. A propaganda governamental passou a ter um canal de expressão como nunca existira na história do país. (FAUSTO, 2000, p.484)

Deve-se a isso a popularidade de Médici, que chegou, em julho de 1971, a ter 82% de aprovação popular.

Era hora de começar as discussões em torno da sucessão presidencial. Em 1972, as mobilizações para a escolha de um sucessor para Médici já estavam a pleno vapor. O nome indicado e escolhido seria o do general Ernesto Geisel, que ganhou as “eleições”, em 15 de janeiro de 1974:

[...] Geisel recebe de Médici um regime fechado, ditatorial, opressivo e repressivo, sem legitimidade política, com poder hiperconcentrado no Executivo, que tem a seu dispor instrumentos de exceção, como o AI-5, cujos raios podem fulminar a tudo e a todos. É uma ditadura preocupada com aparências, que mantém aberto um Congresso empobrecido e sem força, substitui periodicamente seu chefe supremo, mantém uma Constituição outorgada por Junta Militar, com eleições indiretas para os principais cargos políticos, um Judiciário constrangido. O mesmo quadro,

mutatis mutandis, se observa nos estados. A imprensa está censurada.

Mesmo com a luta armada liquidada, resumindo-se aos últimos estertores da agonizante Guerrilha do Araguaia, no Pará, sob o cerco asfixiante das Forças Armadas. Mas o hipertrofiado aparelho repressivo continua atuando amplamente. Pior: continua agindo solto, livre, à revelia da hierarquia governamental e militar, inclusive torturando prisioneiros políticos, apesar de já ter derrotado a guerrilha urbana. Como uma espécie de poder paralelo. Parte considerável das Forças Armadas, sobretudo a voluntariosa corrente da linha dura, não deseja a abertura política. E quer também permanecer no poder. (COUTO, 1999, pp.128-129)

Apesar deste quadro, Geisel queria iniciar o processo de abertura política. Começava-se a vislumbrar uma luz no fim do túnel.