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Método da Hermenêutica de Profundidade

No documento MESTRADO EM PSICOLOGIA SOCIAL (páginas 53-58)

1 TEORIAS E MÉTODO

1.3 Método da Hermenêutica de Profundidade

A proposta de um método como a hermenêutica de profundidade (HP), para a análise de fenômenos ideológicos, articula-se à própria concepção teórica do autor: da nova proposta conceitual de ideologia, que formulou, decorre uma prática de pesquisa específica que se propõe analisar, em contextos sociais específicos, a articulação entre fenômenos simbólicos e dominação, como é o caso desta pesquisa. Nossa pesquisa, como reafirmamos, tem o intuito de analisar como os discursos sobre creche produzidos e transmitidos pela Folha de S. Paulo on line

podem estabelecer e sustentar relações de dominação no eixo de desigualdade das relações etárias.

De acordo com a tradição hermenêutica, Thompson (2009) destaca que as formas simbólicas são construções significativas que exigem interpretação e compreensão. Essa condição não exclui a importância de uma análise formal e objetivada, mas se constitui como complementar e indispensável a ela.

Outro aspecto importante da tradição hermenêutica é que o objeto de investigação social é um campo pré-interpretado, ou seja, o mundo sócio-histórico não é apenas um campo-objeto passível de observação, é também um campo- sujeito, constituído por pessoas que, em suas vidas cotidianas, interpretam ações, falas e acontecimentos ao seu redor. Com isso, a análise de fenômenos simbólicos é uma re-interpretação de um campo pré-interpretado. O objeto dessa análise é um campo-sujeito-objeto e os próprios sujeitos que o compõem são, como analistas sociais, capazes de compreender os fenômenos e de agir de acordo com essa compreensão (THOMPSON, 2009).

A hermenêutica conserva sua importância, hoje, também por recordar que os sujeitos do mundo social estão inseridos em tradições históricas, que constituem

parte delas e os valores passados ao longo das gerações constituem o que são os seres humanos (THOMPSON, 2009). Apesar dessas contribuições à pesquisa sócio- histórica, a hermenêutica, para Thompson (2009), não oferece orientações metodológicas concretas para a análise das formas simbólicas e, particularmente, da ideologia. Thompson (2009) propõe um referencial metodológico a partir das contribuições de Ricoeur, mas se distancia dessa proposta no que tange à demasiada ênfase atribuída à semântica textual e ao distanciamento das condições sócio-históricas em que os textos são produzidos, circulam e são recebidos.

As formas simbólicas são construções significativas que são interpretadas e compreendidas pelas pessoas que as produzem e recebem, mas elas são também construções que são estruturadas de maneiras definidas e que estão inseridas em condições sócio-históricas específicas (THOMPSON, 2009, p. 364-365).

Prosseguindo na proposta metodológica, Thompson (2009) propõe um método, a HP, que compreende três fases ou procedimentos e que compõem dimensões analíticas de um processo complexo de interpretação, a saber: análise sócio-histórica, análise formal ou discursiva, interpretação/re-interpretação. Em cada uma dessas etapas podem ser utilizados métodos variados, os quais serão mais ou menos adequados de acordo com o objeto específico da pesquisa.

A análise sócio-histórica tem o objetivo de reconstruir condições sociais e históricas de produção, circulação e recepção das formas simbólicas.

A tarefa da primeira fase do enfoque da HP é reconstruir as condições e contextos sócio-históricos de produção, circulação e recepção das formas simbólicas, examinar as regras e convenções, as relações sociais e instituições, e a distribuição de poder, recursos e oportunidades, em virtude das quais esses contextos constroem campos diferenciados e socialmente estruturados (THOMPSON, 2009, p. 369).

Thompson (2009) identifica algumas características típicas dos contextos sociais: situações espaço temporais, campos de interação, instituições sociais, estrutura social e meios técnicos de construção e transmissão de mensagens.

A primeira refere-se a tempos particulares e locais específicos de produção, circulação e recepção das formas simbólicas, as quais estão inseridas em campos

de interação, ou seja, espaço de posições e conjunto de trajetórias que determinam algumas relações e oportunidades acessíveis às pessoas. No campo de interação, os sujeitos se utilizam de regras, convenções, recursos, muitas vezes implícitos e passageiros (THOMPSON, 2009). No caso desta dissertação, situamos a análise no Brasil contemporâneo.

Por seu lado, as instituições sociais constituem-se por um conjunto de regras e recursos relativamente estáveis e relações sociais por eles determinadas. Estão inseridas nos campos de interação aos quais dão forma por meio da fixação de posições e trajetórias (THOMPSON, 2009). Nesta dissertação focalizamos, principalmente, a instituição creche.

Outro componente ou foco da análise do contexto sócio-histórico é a estrutura social. A análise desta tem o objetivo de identificar as assimetrias e diferenças relativamente estáveis em termos de distribuição e acesso a recursos, ao poder, a oportunidades e possibilidades de realização delas. Além disso, visa a estabelecer os critérios que garantem sua permanência (THOMPSON, 2009). Em nosso caso, demos prioridade ao estudo das relações de idade.

Por último, a transmissão das formas simbólicas exige um meio técnico, um substrato material por meio do qual são produzidas e recebidas. Eles, por sua vez, supõem habilidades, acesso a “(...) recursos para codificar e decodificar mensagens, atributos esses que estão, eles próprios, desigualmente distribuídos entre as pessoas (...)” (THOMPSON, 2009, p. 368). Nesta dissertação, optamos por analisar matérias publicadas pelo jornal Folha de S. Paulo on line, no período de 1994 a

2009, que se referem à creche.

A segunda fase da HP pode ser descrita como análise formal ou discursiva, interessada na organização interna, nas características estruturais da forma simbólica. A análise desses elementos não deve ser dissociada do estudo contextual, ou seja, das condições de produção, circulação e recepção das formas simbólicas (THOMPSON, 2009).

Dispõe-se de várias maneiras para a condução da análise formal, as quais são definidas de acordo com o objeto a ser investigado e o “suporte” das formas simbólicas. O método de análise das características estruturais das formas simbólicas, nesta dissertação, será a análise de conteúdo (AC) proposta por Bardin (1977) e Rosemberg (1981).

Essa escolha está fundamentada na possibilidade de mostrar ao leitor os caminhos que foram trilhados pela pesquisadora e provar de onde partiram as inferências propostas ou sugeridas. Além de oferecer uma descrição sistemática e objetivada da organização interna das formas simbólicas, esses procedimentos possibilitam a obediência ao princípio da dialogicidade e da ética na pesquisa (THOMPSON, 2009).

A terceira e última fase da HP é a interpretação e re/interpretação. A etapa anterior busca cindir o conteúdo das formas simbólicas em partes, a fim de identificar os padrões que as constituem, bem como seus efeitos. Nessa fase da HP, o objetivo não é mais analítico, mas produzir uma síntese criativa que se valha dos momentos analíticos anteriores: análise do contexto sócio-histórico e análise discursiva. “Por mais rigorosos e sistemáticos que os métodos da análise formal ou discursiva possam ser, eles não podem abolir a necessidade de uma construção criativa de significado, isto é, de uma explicação interpretativa do que está representado ou do que é dito” (THOMPSON, 2009, p.375).

A etapa de interpretação é também um momento de reinterpretação, pois as formas simbólicas constituindo um campo pré-interpretado como visto, na interpretação proposta pela HP, o pesquisador reinterpreta fenômenos já interpretados por sujeitos que constituem o mundo sócio-histórico.

No caso da análise ideológica, cada uma dessas etapas da HP é realizada de maneira particular, a fim de identificar as formas pelas quais o sentido pode estabelecer e sustentar relações de dominação.

A interpretação da ideologia é uma interpretação das formas simbólicas que procura mostrar como, em circunstâncias específicas, o sentido mobilizado pelas formas simbólicas serve para alimentar e sustentar a posse e o exercício do poder (THOMPSON, 2009, p. 378).

Nesse sentido, a análise formal ou discursiva, na análise da ideologia, estará interessada em identificar a organização interna das formas simbólicas que possibilitam a mobilização do significado. Existem características diversas para isso e o delineamento dos modos de operação da ideologia e suas estratégias de construção simbólica podem contribuir no processo interpretativo. “A interpretação

da ideologia tem de assumir, então, uma tarefa dupla, a explicação criativa do significado, e a demonstração sintética de como esse significado serve para estabelecer e sustentar relações de dominação” (THOMPSON, 2009, p.380).

Portanto, a análise – descrição e interpretação – dos discursos sobre creche

divulgados pelo jornal Folha de S. Paulo on line, no período de 1994 a 2009, foco

desta dissertação, envolverá três etapas que adotam procedimentos específicos: a primeira etapa, a análise sócio-histórica do contexto de produção, circulação e recepção das formas simbólicas, será apresentada no capítulo subsequente. As demais serão objeto do capítulo 3.

No documento MESTRADO EM PSICOLOGIA SOCIAL (páginas 53-58)

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