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3. O ÉTICO, O ESTÉTICO E O EFÊMERO

3.2 MÍMESE ÉPICA: MITO E NARRATIVA

O mito é como um organismo: desenvolve-se, transforma-se e se renova sem cessar. É o poeta que realiza essa transformação. Mas não a realiza em obediência a um simples desejo arbitrário. O poeta estrutura uma nova forma de vida para o seu tempo e interpreta o mito de acordo com as suas novas evidências interiores. O mito só se mantém vivo por meio da contínua metamorfose de sua idéia. Mas a idéia nova é transportada pelo veículo seguro do mito (JAEGER, 1995, p, 96).

É poeticamente que o homem habita esta terra. (HÖLDERLIN, 1994, p. 16-17)

Em 1870, o aventureiro alemão Heinrich Schliemann, obcecado pela obra de Homero e ansiando fama e fortuna, lançou-se numa empreitada pessoal em busca da Tróia mítica. Após reunir recursos de forma mirabolante, partiu para a costa do Mar Egeu orientado pelas pistas encontradas na Ilíada e na Odisseia. Escavações profundas no nordeste da Turquia revelaram indícios incontestáveis de uma antiga cidade soterrada. A descoberta de um baú cheio de peças em ouro deu-lhe a certeza de ter encerrado sua busca: tratava-se do tesouro de Príamo, rei de Tróia, e aquelas deviam ser as jóias usadas por Helena, a mulher por quem, supostamente, gregos e troianos lutaram. A notícia do achado despertou o interesse da imprensa e pareceu realizar os sonhos do proto-arqueólogo. Entretanto, a datação das jóias revelou que Schliemann fora fundo demais no passado: tratava-se de um tesouro mil anos anterior à provável época da guerra retratada na Ilíada, ocorrida durante a era do bronze tardio, no século XIII a.C. O obstinado alemão havia encontrado não uma, mas nove Tróias, sobrepostas em sucessivas camadas históricas e geológicas. A Tróia de Homero encontrava-se dois ou três níveis acima.

Embora parcialmente desastrada (alguns sítios arqueológicos foram destruídos pelas máquinas), a escavação de Schliemann não apenas determinou a localização exata da cidade lendária como revelou a existência de outras, construídas e destruídas antes e depois. A posição intermediária da Tróia homérica inspira uma analogia com o destino da própria obra que a consagrou, bem como dos personagens e eventos que a constituem. A captura literária efetuada pelo poema épico refrata uma ressonância histórica e material e inaugura uma nova cadeia de ressonâncias, agora no plano simbólico, narrativo e estético. Das ressonâncias da Tróia material, anteriores ou posteriores ao registro de Homero, pouco se sabe. Já do poema que representa a gênese da tradição literária do ocidente, suas ondas nos chegam até hoje, após banharem, agitarem e inspirarem as praias de gerações sucessivas.

A Ilíada e a Odisseia são materializações literárias de mitos arcaicos e narrativas orais, a cujas estruturas arquetípicas mesclam-se elementos éticos e narrativos resultantes do rico e heterogêneo caldo cultural da Hélade. As obras de Homero são um triunfo em termos de estética e formalismo: além da riqueza profusa de seu conteúdo imagético e da engenhosidade de sua narrativa, cujo estofo mítico e encadeamento de episódios constituem os ancestrais de toda a literatura ocidental, colaboraram na criação de uma identidade nacional para o mundo grego, constituído de uma diversidade de povos e elementos culturais cuja língua tornou-se o fator comum. Foi o alinhavo virtual de um território tão fragmentado e internamente belicoso que possibilitou a formação de uma cultura tão vigorosa (BRANDÃO, 1986).

O pathos do sublime destino heróico do homem lutador é o sopro espiritual da

Ilíada. O ethos da cultura e da moral aristocrática encontra na Odisseia o poema da sua vida. A sociedade que produziu aquela forma de vida desapareceu sem deixar qualquer testemunho para o conhecimento histórico, mas sua representação ideal, incorporada na poesia homérica, converteu-se no fundamento vivo de toda cultura helênica. Hölderlin disse O que permanece é obra dos poetas. Este verso exprime a lei fundamental da história da educação helênica. As suas pedras fundamentais estão na obra dos poetas. A poesia grega desenvolve, com plena consciência, de degrau em degrau e em crescente medida, o seu espírito educador (JAEGER, 1995, p. 66).

A viagem de Ulisses, retornando à Ítaca, sua terra natal, após os dez anos do cerco e destruição de Tróia, é o protótipo literário da jornada do herói. Homero (cuja existência como indivíduo é questionada) plasmou séculos de narrativas orais sobre a batalha ocorrida quatrocentos anos antes e deu-lhes um destino imortal, assegurado pela beleza e técnica de seus versos, pela construção narrativa, pela força dos personagens e pela condensação de elementos históricos, míticos e estéticos que refletem vibrações comuns a procedimentos mágicos e poéticos. Como oficiante da mímese, realiza um percurso distinto de magos, sacerdotes e reis, mas preserva-os enquanto personagens de uma obra cuja força atravessa milênios, nos quais as instituições do sacerdócio e da realeza sofreram dramáticas transformações:

O coração do poeta está com os homens que representam a elevação da sua cultura e costumes, e isso se percebe passo a passo. A contínua exaltação que faz das suas qualidades tem, sem dúvida alguma, uma intenção educativa. O que deles nos diz é para ele um valor em si; (...) constitui uma parte essencial da superioridade dos seus heróis. A sua forma de vida é inseparável da sua conduta e das suas maneiras e outorga-lhes uma dignidade especial, que se manifesta através das suas nobres e grandes façanhas, e da sua atitude irrepreensível ante a felicidade e a miséria alheias. O seu destino privilegiado está em harmonia com a ordem divina do mundo e os deuses lhe dispensam a sua proteção (JAEGER, 1995, p. 44).

Os ideais de nobreza e virtude guerreira, constantes na obra de Homero e encarnados em personagens de origem nobre ou sobre-humana, bem como a relação entre homens e divindades, dão vistas à intrínseca relação entre o poeta e seus ancestrais miméticos: embora distintos na aplicação, seus princípios mantêm-nos ligados pela vocação ordenadora e divinatória. A faculdade interventiva e utilitária, traço basilar da palavra mítico-religiosa, é subsumida pela natureza estético-expressiva da palavra poética, permanecendo a ela subordinada: o que não impede ao poeta ambicionar a irradiação espiritual e material de sua

O que se destaca nesse momento da trajetória da mímese é a manifestação de elementos estéticos e narrativos por uma ação específica do logos. Diferenciando-se dos demais oficiantes miméticos, o poeta abdica, por desinteresse ou incapacidade, dos efeitos práticos e da intervenção utilitária de seu ofício: seu encantamento é com a própria palavra e seus recursos. No entanto, segundo Cortázar (2006), é nesse desinteresse que reside a ambição maior do poeta: ao deslocar a palavra de sua denotação mítica original, tornando-a portadora e veículo do “belo”, anseia secretamente tornar-se o próprio deus, investido da mesma potência criativa e ordenadora que credita às divindades.

Segundo Pascal Quignard (1999), “a ode na língua grega quer dizer ao mesmo tempo o caminho e o canto” (p. 131). Se ao poeta cabe a denominação de aedos (e sendo a Odisseia um canto de retorno à pátria) é possível ver em Ulisses (Odysseus) um alter ego do próprio Homero, ou das vozes que sob seu nome se reúnem. Se a guerra de Tróia assinala o momento em que diferentes povos são unidos para combater um inimigo comum, constituindo a lastro do que viria a ser denominado de povo grego, é em seu canto de retorno que o poeta celebra a nostálgica jornada rumo à pátria distante. O poeta, assim como o herói, empreende uma batalha que amplia e fortalece as fronteiras do seu mundo para, em seguida, vagar por esse mesmo domínio em busca de seu ponto de partida. Nesse percurso, precisa passar por tentações, privações e perigos, sendo despojado de suas conquistas para se assenhorear daquilo que lhe pertence e tornar-se quem é de fato. É o “retorno ao pátrio”, a condição para o “livre uso do próprio” do qual nos fala Hölderlin em suas considerações sobre o processo formativo dos gregos antigos como um exemplo a ser observado pelos modernos, ou hespéricos24.

A grande epopéia não representa apenas um progresso imenso na arte de compor um todo complexo e de amplo traçado; significa também uma consideração mais profunda dos conteúdos íntimos da vida e dos seus problemas, o que eleva a poesia heróica muito acima da sua esfera original e outorga aos poetas uma posição espiritual completamente nova, uma função educadora no mais alto sentido da palavra. Ele já não é um simples divulgador impessoal da glória do passado e de suas façanhas. É um poeta no sentido pleno da palavra: intérprete e criador da tradição (JAEGER, 1995, p. 73).

Quignard (1999) localiza no Canto XII da Odisseia a primeira ocorrência do termo

analyse em um texto grego: após passarem incólumes pela ilha onde as sereias cantavam

24 “O moderno é, para Hölderlin, o ‘hespérico’, isto é, o homem que habita vertiginosamente uma espera, uma

sobre os ossos dos homens que a elas sucumbiram, os marinheiros desamarram Ulisses do mastro onde ordenara ser preso. Atado por fortes cordas, Ulisses foi o único mortal a sobreviver ao canto mortífero e, para isso, exigiu que dois de seus homens apertassem ainda mais o cordame cada vez que pedisse para ser solto. Embora toda tripulação estivesse com os ouvidos tapados por cera, suas ordens foram cumpridas. Somente quando se fez o silêncio – curiosamente reconhecido por todos – é que os marinheiros o desamarram. Quignard assinala a utilização do verbo anelysan para designar a libertação de Ulisses das cordas que o pouparam do letal fascínio exercido pelo canto mítico que, segundo ele, “enche o coração do desejo de ouvi-lo” (QUIGNARD, 1999, p. 39).

Relacionando esse trecho com o conascimento de mito e linguagem proposta por Cassirer, cujo campo de formulação simbólica parte da denotação obsedante da palavra mítico-religiosa, se desenvolve consoante à progressão evolutiva de divindades momentâneas, especiais e pessoais, e se desloca e autonomiza mediante o surgimento do recurso conotativo- metafórico – do qual resultam a linguagem poética, a lógica discursiva e o pensamento analítico-sintético –, salta aos olhos a potência seminal da obra de Homero. A esse propósito, diz Jaeger:

Se percorrermos com discernimento casos de intervenção divina na épica homérica, veremos um desenvolvimento espiritual que vai desde as intervenções exteriores e esporádicas, que poderão pertencer aos usos mais antigos do estilo épico, até a condução contínua de certos homens por uma divindade. Assim Ulisses é guiado por inspirações de Atena, sempre renovadas (JAEGER, 1995, p. 79).

O herói-poeta, conhecedor do encanto aliciante da palavra mítica, também lhes sabe os perigos: para escutá-la sem sucumbir ao seu jugo faz-se necessário, além de astúcia e coragem, estar irreversivelmente preso por laços humanos, atado a um compromisso com seus semelhantes em nome de uma busca que a todos inclua. Sua responsabilidade, como capitão e guia espiritual, é conduzir sua embarcação e seus semelhantes de volta para casa, numa jornada que patenteia e equaliza o conflito entre deliberações divinas e arbítrio humano, condicionado, este último, ao recuo gradativo das primeiras. No entanto, não é se tornando surdo às divindades que o poeta-herói avança em sua empreitada: sem a escuta do divino, o homem está à deriva de si mesmo. Mas sua escuta precisa comportar a dimensão humana, senão tê-la como finalidade: salvar a si e aos seus da atração voraz do divino, do canto

permanece vazio. Não por acaso, é a feiticeira Circe, que no episódio anterior transformara os marinheiros em porcos e os mantivera cativos de seus encantos por anos, quem adverte Ulisses do perigo que as sereias representam. É da própria palavra mítica ou divina que o herói-poeta adquire meios para dela se desvencilhar – ou a ela não sucumbir, prenunciando sua latente potência metafórica. E é preciso escutá-la de cabeça erguida, precavido quanto à fragilidade humana diante do divino, mas consciente da dependência de ambos em relação à palavra que aprimora tanto homens quanto deuses.

Na longa espera pelo retorno de seu esposo, Penélope vê-se obrigada a acatar a tradição que lhe impõe eleger o substituto do rei de Ítaca. Para adiar o cumprimento da lei arcaica, interpõe a esse dever a tarefa de tecer um manto: no entanto, aquilo que durante o dia suas mãos executam, à noite desfazem, tornando a atividade interminável. Descoberto seu estratagema e forçada a escolher entre os insolentes candidatos, afirma desposar aquele que armar o arco de Ulisses e atirar com precisão uma flecha entre os aros de machados alinhados. Um a um, os pretendentes falham na tentativa de dobrar a arma e prender a corda que dispararia a flecha eletiva. Ulisses, que já retornara e assistia à cena, disfarçado de mendigo por ação de Atena, aproxima-se, toma o arco e silencia o escárnio dos demais não apenas ao conseguir armá-lo e assim revelar quem era, mas por desferir flechas certeiras que matam, um a um, todos os pretensos rivais.

Na tradição mítico-religiosa grega, Apolo é o deus do arco e da lira, que lhe foi dada por Hermes como compensação pelo furto de seu gado. De um dos animais roubados, o deus- mensageiro retirou a tripa que, atada ao casco vazio de uma tartaruga, emitiu o som que encantou o deus-luminoso (QUIGNARD, 1999). O herói Ulisses, ao armar seu arco, assumir sua identidade e matar seus inimigos – revelando e reavendo sua majestade –, equivale ao poeta Homero, que arma sua lira, dispara palavras e frases e elimina a barbárie cacofônica que ameaça a eufonia formativa, a medida da corda tesa que aloca e sustenta o humano entre a bestialidade caótica dos instintos e a totalidade arbitrária do divino.

Essa teodicéia paira sobre a totalidade do poema. A mais alta divindade é para o poeta uma força sublime e onisciente que se encontra acima dos esforços e pensamentos dos mortais. A sua essência é o espírito e o pensamento. Não se compara às paixões cegas que arrastam consigo as faltas dos homens e os fazem cair nas redes de Ate. É através deste prisma ético e religioso que o poeta encara os sofrimentos de Ulisses e a hybris dos pretendentes, expiada com a morte. Toda a ação decorre até o fim invariavelmente em torno deste problema (JAEGER, 1995, p. 82).

Além de Homero, é fundamental destacar também as obras de Hesíodo, como a

Teogonia e Os Trabalhos e os Dias. Embora a obra de Hesíodo seja cronologicamente posterior à de Homero (ambas nos séculos IX e VIII a.C.) e a absorva como exemplo para sua produção poética, há diferenças significativas entre elas. Originário do campo, o poeta- agricultor Hesíodo esforçou-se por conciliar o modelo homérico, em seus atributos formais e espirituais, com questões relacionadas ao cotidiano camponês, principalmente no tocante a questões de trabalho e justiça, o que lhe valeu o epíteto de “profeta do direito” (JAEGER, 1995).

Toma isto em consideração: atende à justiça e esquece a violência. É o uso que Zeus impõe aos homens: os peixes e os animais selvagens e os pássaros alados podem devorar-se uns aos outros, porque entre eles não existe o direito. Mas, aos homens, concedeu ele a justiça, o mais alto dos bens (HESÍODO apud JAEGER, 1995, p. 97).

É Hesíodo quem organiza os mitos das divindades, sistematizando de forma sucessiva suas gerações e atribuindo-lhes um sentido moral que culmina na instituição dos deuses olímpicos. Sob o comando de Zeus, este panteão representaria a vitória das divindades civilizatórias sobre o caos original e os deuses primitivos e cruéis. Essa linha de evolução divina é curiosamente contrastada com a linhagem involutiva traçada em Os Trabalhos e os

Dias, onde a trajetória das gerações humanas é conduzida de uma era de ouro original à do bronze e, por fim, à idade do ferro, num declínio que reflete a perplexidade do poeta em relação à decadência dos valores divinos e heróicos ao longo do processo de substituição histórica da realeza pela aristocracia, à qual sucederam os tiranos (BRANDÃO, 1986).

Esse percurso da mímese poética, em que um poeta pranteia os valores dignificados pelo antecessor e inverte a axiologia material dos períodos históricos (já que a idade do ferro seria tecnologicamente superior à do bronze), expressa a peculiar condição desse oficiante mimético que, exilado em sua própria época, faz da palavra sua pátria e reinstitui uma soberania decaída por meio do recurso estético. Os poetas trágicos, seus herdeiros em linhagem e estatura, retomaram esse caminho no contexto da democracia ateniense, proporcionando, a uma platéia composta pelos incipientes cidadãos, a mais alta expressão espiritual do conflito entre os valores do passado e as exigências oriundas das transformações históricas e sociopolíticas.

Outra distinção significativa entre Homero e Hesíodo é o fato deste nomear-se como porta-voz dos deuses, privilégio proporcionado pelas musas que o autorizam a “dizer verdades”. Diferente do parâmetro ético-político de Homero, sustentado no confronto entre o heroísmo guerreiro e o arbítrio divino, a poesia de Hesíodo tem um autêntico tom moralizante, religioso e didático (SOUZA, 2003). Além de assumir a mediação entre os homens e as divindades (com o salvo conduto concedido pelas musas), em Os Trabalhos e os

Dias o poeta lança um olhar crítico em relação a sua própria época, alinhando seu canto pessoal à tradição mítico-religiosa.

Hesíodo é o primeiro poeta grego que fala do seu ambiente em seu próprio nome. Deste modo ergue-se acima da esfera épica, que apregoa a fama e interpreta as sagas, até a realidade e as lutas atuais. Vê-se claramente no mito das cinco idades que ele considera o mundo heróico da epopéia um passado ideal, ao qual contrapõe a presente idade do ferro. No tempo de Hesíodo o poeta esforça-se por exercer uma influência direta na vida. Surge aqui pela primeira vez uma pretensão a guia, que não se fundamenta numa ascendência aristocrática nem numa função oficial reconhecida. (...) No entanto, é com Hesíodo, o primeiro dos poetas gregos a apresentar-se com a pretensão de falar publicamente à comunidade, baseado na superioridade do seu conhecimento, que o helenismo se anuncia como uma época nova na história da sociedade. É com Hesíodo que começa o domínio e o governo do espírito, que põe o seu selo no mundo grego (JAEGER, 1995, p. 105).

Enquanto a obra de Homero reconstitui fatos históricos pelo prisma do mito heróico, a

Teogonia de Hesíodo organiza e ordena o vasto panteão de divindades resultante de um processo formativo milenar. Ambos principiam, para a história ocidental, o registro escrito de narrativas e mitos da tradição oral, apropriando-se de elementos distintos e unificando-os por meio da mímese poética. Com isso, também lhes cabe a primazia de uma promissora ramificação do percurso mimético, onde o componente estético, outrora subsidiário das dimensões mágica, religiosa, monárquica ou aristocrática, e o logos, enquanto potência especulativa e organizadora do pensamento, encontram seu domínio inaugural:

Na epopéia manifesta-se a peculiaridade da educação helênica como em nenhum outro poema. Nenhum outro povo criou por si mesmo formas de espírito comparáveis àquelas da literatura grega posterior. Dela nos vêm a tragédia, a comédia, o tratado filosófico, o diálogo, o tratado científico sistemático, a história crítica, a biografia, a oratória jurídica e panegírica, a descrição de viagens e as memórias, as coleções de cartas, as confissões e os ensaios (JAEGER, 1995, p. 64).