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Nesta segunda parte da nossa exposição, iniciamos a análise da questão que envolve a região de Caxemira, reflectindo sobre a relevância das Madrassas por terras do Paquistão, numa região que se destaca, pelo simples facto de ser a mais militarizada do globo, reflexo do ódio visceral que Índia e Paquistão nutrem mutuamente, apesar da tolerância histórica287 que reinara por estas paragens, fruto da convivência entre as populações de Caxemira.

“Há aproximadamente 450.000 soldados e paramilitares indianos estacionados em Caxemira, muitos dos quais passam longos Invernos nos desfiladeiros da LOC. (...) Com uma população de apenas oito milhões de habitantes, a proporção de soldados em relação aos civis é extremamente elevada. O número mais elevado de soldados europeus estacionados na Índia Britânica era de 100.000 na sequência do motim, quando a Índia tinha uma população superior a 200 milhões de habitantes. Talvez fosse uma medida de como era fácil para os imperialistas dividir os indianos, ou talvez seja uma medida de como é difícil para a Índia conquistar a lealdade do povo de Caxemira”288

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A geopolítica mundial, trouxe um novo recorte às relações Euro-Asiáticas, mesmo que tenhamos de referir sempre a actuação da política externa de Washington, que teima em influenciar tudo o que se passa no globo, como forma de prevenir os valores da democracia, do estado de direito, a economia de mercado e a liberdade de expressão.

Tornou-se evidente após o 11 de Setembro, que o Paquistão é o novo ―crescente

287 Cit., Umar Farooql, líder separatista de Caxemira, in Edward Luce, Apesar dos Deuses - A Estranha Ascensão da Índia Moderna. p. 241. “Enquanto naturais de Caxemira, pertencemos a muitas religiões diferentes (...) somos muçulmanos, tanto sunitas como xiitas, somos hindus e somos budistas. Caxemira tem uma longa e tolerante tradição que sustenta pouca relação com a cultura muçulmana sunita punjabi que domina o Paquistão. (...) a maior parte dos nativos de Caxemira, incluído ele próprio, chegara aos limites da tolerância à violência, de onde quer que viesse”. Cf., Edward Luce, op. cit. p. 240. “Em última análise, a maior parte dos observadores entende que qualquer solução credível para o diferendo de Caxemira deve residir, pelo menos parcialmente, na própria província. Enquanto poder do status quo, a Índia pode porventura fazer mais do que o Paquistão para influenciar as atitudes dos habitantes de Caxemira num rumo positivo, sobretudo uma vez que o Paquistão, apesar do processo de paz, tem optado por espalhar terroristas ao longo da LOC”.

fértil‖289 de grupos violentos, que depois de Nova Iorque, estenderam os seus tentáculos até Madrid e Londres e mais recentemente em Bombaim, na vizinha Índia, espalhando o terror e o pânico num dos hotéis mais prestigiados do mundo.

“O Paquistão é visto como uma ameaça existencial à identidade secular da Índia. Por mais estáveis que estejam as relações entre os dois países, na mentalidade indiana, a existência do Paquistão terá sempre a potencialidade de dividir as lealdades da minoria muçulmana da Índia, que actualmente conta com quase 14% da população, ou cerca de 150 milhões de pessoas”290

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O sentimento de desconfiança, que paira em Caxemira, reflecte a química negativa das relações entre a Índia e o Paquistão, sem esquecer todas as influências externas, que de uma forma ou de outra, teimaram em promover uma facção em detrimento de outra, neste sentido, a questão religiosa – aliada ao fundamentalismo e de atitudes extremistas – acaba por pagar a factura e ser o bode expiatório da manipulação de outros interesses – externos – que cobiçaram estas regiões de passagem entre a Europa e a Ásia.

“Algumas pessoas descreveriam o Paquistão como a terra dos muçulmanos da Ásia Meridional. Outras vêem-no cada vez mais como uma república islâmica da Ásia Central, ou mesmo uma extensão do Médio Oriente. Uma definição mais perene da identidade nacional do Paquistão poderia ser «Não Índia».”291

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São conhecidos, os apoios que Islamabad propiciou a várias organizações extremistas islâmicas292, com o patrocínio dos EUA – ao regime Talibã, na causa Afegã em defesa do invasor, que dava pelo nome de URSS - e mais tarde, na ―libertação‖ de Caxemira, nos apoios aos vários movimentos, que teimam em libertar os irmãos muçulmanos das garras hindus, mesmo que recorram a formas pouco ortodoxas, de demonstrar o seu descontentamento, que se adaptou às novas necessidades sociais293.

“A situação continua sempre na mesma e as pessoas estão a ficar cansadas. (...) A Índia diz: «somos grandes». O Paquistão diz: Mas o Islão é a ainda maior. É o debate civilizacional do costume. Já ninguém em Caxemira quer a paz dos cemitérios. Queremos

289 Cf., Kristian Amby, ―O Paquistão das Madrassas, in‖ Janus 2003. 290 Cf., Edward Luce, op. cit. p. 235.

291 Ib, ibidem., p. 238. 292

Cf., Constantino Xavier, ―O Impacto de Bombaim, in‖, O Mundo em Português, ano VII, Número 63, Out/Nov, 2006, p. 26. ―No plano regional, destaca-se o impacto nas relações com o rival Paquistão.

Nova Deli tem vindo a acusar o seu vizinho de albergar, financiar e armar os separatistas caxemires e grupos extremistas islâmicos‖.

293

“Quase todos os naturais de Caxemira que conheci [Edward Luce, autor de Apesar dos Deuses - A

Estranha Ascensão da Índia Moderna ] antipatizavam com os radicais islâmicos e culpavam o Paquistão pela sua presença. Mas manifestavam um repúdio amargo pelas forças de segurança indianas, cuja presença nas suas vidas resultava frequentemente em atropelos aos direitos humanos, incluindo violações, torturas e assassínios extrajudiciais. «Estamos entalados entre um rochedo e um sítio duro», afirmou um advogado de Caxemira”. cit. Edward Luce, op. cit., p. 231.

que a Índia e o Paquistão façam uma pausa e sejam mais imaginativos”294.

Reflexo do conflito Israelo-Árabe dos anos 70, surge o apoio e financiamento, dos líderes religiosos, como forma de manter o poder no Paquistão, no estabelecimento das madrassas, escolas religiosas, verdadeiras academias da jihad; assumindo por terras de Caxemira, contornos menos radicais.

“Em contraste com o Paquistão, onde a burqa é amplamente utilizada, a maior parte das mulheres de Caxemira não usa o véu. O estilo islâmico de Caxemira aproxima- se de padrões ricos do misticismo sufi, que apresenta poucas semelhanças com o Islão ortodoxo deobandita, ou talibanizado, que é incutido na maior parte dos militantes”295

. Numa terra inóspita e rodeada de pedras, surge o ópio do povo, sem escolaridade obrigatória; em que as madrassas - subsidiadas pelas ricas monarquias sauditas - passaram a fornecer educação - gratuita - acolhimento, alimentação e vestuário a vastas franjas das populações, famintas de alimento espiritual e sem quaisquer perspectivas de futuro.

Tal como na Argélia - com a Frente Islâmica de Salvação-FIS, esta permuta entre educação/alimentação e quadros da jihad fundamentalista, tem feito uma interpretação radical do Corão296 e provocado efeitos negativos por todo o mundo.

Internamente, fogem, ao controlo do Estado paquistanês, originando uma clivagem sectária - advogando a eliminação da minoria xiita – traduzindo-se num grave e sangrento confronto social, com laivos de guerra civil, que vai destabilizando o país.

Simultaneamente, avolumavam-se os indícios da preparação de uma jihad em solo paquistanês com a intenção de imposição violenta de um Estado islâmico297 fundamentalista.

Podemos concluir, que a questão de Caxemira é uma missão sem retorno para paquistaneses, tal como o Anschluss de Hitler; dado que o objectivo dos radicais paquistaneses reside no facto de anexar aqueles territórios, sem considerar a vontade das populações locais, que não vêm com bons olhos uma integração num Estado islamizado, como o de Pervez Musharraf - entretanto - retirado da vida política do Paquistão.

294 Cit., Abdul Ghani Bhatt, moderado dirigente separatista de Caxemira, in Edward Luce, op. cit. p. 242. 295 Ib, ibidem., p. 231.

296 “O Paquistão é certamente um país muçulmano e, à luz da sua constituição, a república obtém a sua soberania de Alá, mais do que do povo. Mas a Índia é um país diverso, de muitas crenças, com uma constituição secular”. Ib, ibidem., p. 234.

297 “A criação do Paquistão foi vista como uma amputação das naturais fronteiras geográficas e culturais da Índia. Não são apenas os nacionalistas hindus que sonham que um dia o Paquistão seja reincorporado no Akhand Bharat - a Índia Maior. Muitos indianos, das mais diversas origens, vêm a sucessão como uma tragédia desnecessária que deveria ser pacificada, num momento não especificado do futuro. Obviamente, esta atitude contribui para as profundas inseguranças do próprio Paquistão. No entanto, muito poucos indianos subscreveriam ainda a visão de Nehru segundo a qual o Paquistão era inviável como Estado-nação e acabaria por se reintegrar na Índia. A nostalgia indiana de uma unidade subcontinental permanece um vago sentimento, não é uma política”. In Edward Luce, op. cit., p. 235.