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Nesta questão sobre a região de Caxemira, numa altura em que iniciamos mais um ano - assolado por novos atentados - importa referir dois acontecimentos que poderão influenciar o decorrer dos acontecimentos no perímetro de acção, que ultrapassa as fronteiras da Índia e do Paquistão, em que Afeganistão e EUA, surgem nos antípodas deste braço de ferro, numa disputa que já tem 60 anos.

O assassinato de Benazir Bhutto em finais de 2007, veio desencadear uma crise profunda e um enorme constrangimento nas diferentes comunidades paquistanesas, em que a causa de Caxemira não terá ficado ilesa, na medida em que reflecte divergências e clivagens de outra ordem, muito diferentes das que marcaram a divisão da Índia britânica.

Mais uma vez, o infortúnio, caminha de mãos dadas com a Índia e o Paquistão – Nehru/Gandhi e Bhutto, são duas famílias amadas e odiadas, que foram engolidas pela revolução - teimando em criar novos obstáculos, no caminho de uma resolução pacífica para este diferendo, que tem provocado danos colaterais, e em muitos casos irreversíveis.

―Nos últimos trinta anos, a Índia passou por um período de dezanove meses de autocracia, perdeu dois membros da família Nehru-Gandhi, ambos assassinados, enfrentou movimentos separatistas no Punjab, em Caxemira, em Assam (...)‖340.

O final da carreira política e militar – por agora – do antigo general e presidente Pervez Musharraf341, trouxe ao poder no Paquistão, um civil – odiado pelos militares, que governaram o Paquistão nas últimas décadas – inexperiente, viúvo de Benazir Bhutto, que para além das vicissitudes internas, terá de lidar com o estigma do terrorismo.

―O Paquistão é uma democracia frágil, liderada por um presidente civil, Asif Ali Zardari (viúvo de Benazir Bhutto), detestado pelos militares. Estes têm a obsessão da Caxemira, por isso Islamabad foi construída na fronteira norte. O exército está sob pressão americana para actuar contra os talibãs, para ajudar contra a Al-Qaeda. Mas a sua estratégia sempre foi a do Norte”342

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Um terrorismo, em forma de atentados, bem como na formação de movimentos que

340

Cf., Edward Luce, op. cit. pp. 324-325.

341 Com a demissão do Presidente Musharraf, os altos destinos de Islamabad ficam à mercê do voto popular. “A antecipação do escrutínio foi ditada pela demissão de Pervez Musharraf, que pôs termo a um consulado de nove anos para evitar um processo de impugnação. Na cerimónia de tomada de posse, Zardari evocou o nome da mulher, assassinada em Dezembro de 2007 após um comício de campanha eleitoral em Rawalpindi. ―Asif Ali Zardari, viúvo da líder oposicionista e ex-primeira-ministra assassinada Benazir Bhutto, foi eleito presidente do Paquistão. O resultado dá continuidade à transição do país do regime militar para um governo civil e completa a ressurreição política do polémico viúvo de Benazir”. In http://ww1.rtp.pt/noticias/?article=362384&visual=26&tema=2 a 8 de Dezembro de 2008. 342 Disponível em http://dn.sapo.pt/2008/12/07.

utilizam este território como laboratório para as suas actividades de promoção, divulgação e execução de terror.

“Sob a pressão da administração Bush – que entre outras coisas, receava que um conflito entre a Índia e o Paquistão comprometesse as suas operações no Afeganistão - o presidente Musharraf fizera um discurso à nação em que prometia esmagar o que apelidava de grupos islamitas que operavam no Paquistão como um «Estado dentro do Estado»343.

E a nova administração de Washington - de Barack Obama - com quem Asif Ali Zardari terá de negociar, um entendimento em forma de compromisso, que não fragilize as relações entre Islamabad e Nova Deli; são factores preponderantes e que poderão marcar de forma positiva o futuro da região e quem sabe, encontrar uma resolução para Caxemira.

“Asif Ali Zardari garantiu também que a sua Presidência tratará de manter os laços privilegiados com a Administração norte-americana. Até porque os milhões de dólares que chegam de Washington, em troca da colaboração de Islamabad na “guerra global contra o terrorismo”, ajudam a estabilizar a economia da única potência nuclear do mundo islâmico”344

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Mal sabia o desafortunado, recém-empossado, viúvo de Benazir Bhutto que teria de lidar com mais um brutal ataque terrorista – ainda que por terras da Índia - no início do seu mandato.

“No que diz respeito à América, considero que o facto de estarmos no globo e no centro da tempestade é uma oportunidade”, afirmou o Presidente paquistanês. “Tenciono fazer disto a nossa força. Queremos ser acompanhados pelo Mundo no desenvolvimento do futuro do Paquistão e na mudança do futuro dos nossos vizinhos”345

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Resta acrescentar, que a Índia, irá a eleições no próximo ano, em que o jogo poderá então ser disputado, por três novos decisores, que trarão – esperemos – uma lufada de ar fresco às relações entre estas nações nucleares e que esta nova geração de decisores possa trazer valor acrescentado, e consiga estar à altura dos desafios que herdaram.

―Finalmente, este conflito surge na pior altura, durante a transição entre administrações americanas. Pode levar meses antes de o Presidente eleito, Barack Obama, ter a sua máquina política a funcionar”346

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Mas as desconfianças são mútuas e as acusações repetem-se347, e os últimos

343

Cf., Edward Luce, op. cit. p. 264.

344 Excertos da tomada de posse de Asif Ali Zardari, novo Presidente do Paquistão. Disponível em, http://ww1.rtp.pt/noticias/?article=362384&visual=26&tema=2 a 8 de Dezembro de 2008.

345 Cf., Asif Ali Zardari, op. cit. 346

Disponível em http://dn.sapo.pt/2008/12/07.

acontecimentos em Bombaim, revelaram um clima de paz podre que teima em persistir entre vizinhos, levando ao extremo de se pensar que estaria eminente um novo conflito entre Islamabad e Nova Deli, desta vez com contornos nucleares e que poderia desencadear na III guerra mundial.

―Os atentados islamitas de Bombaim colocaram Paquistão e Índia, duas nações nucleares, em rota de colisão. A opinião pública nos dois países está a incendiar-se. No último dia dos atentados, a liderança paquistanesa pensou que ia ser atacada pela Índia”348

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Do outro lado do Oceano, a política externa dos EUA, não se fez rogada – mesmo em fase de transição - e mais uma vez tentou fazer o papel de mediador, relembrando a importância dos aliados na luta contra o terror.

“A secretária de Estado norte-americana, Condolezza Rice, esteve na quarta -feira na capital indiana para acalmar a tensão e exigiu a «colaboração total e transparente de Islamabad com as investigações». O objectivo de Washington é travar a escalada militar entre os dois estados nucleares e evitar um novo conflito” 349.

Sendo um fenómeno com contornos complexos, o terrorismo - forma de luta de movimentos de libertação - para além das questões económicas, étnicas, culturais, religiosas, incute nas populações um sentimento de impotência, que na maioria dos casos, ultrapassa o poder de actuação do Estado, assumindo em muitos casos o papel deste,

sobrepondo-se como ordem interna.

Falamos de um Estado, que fica refém numa luta desleal, em que a esmagadora maioria das vítimas acabam por ser o móbil de actuação destes movimentos, criando um estigma sobre 300 milhões de muçulmanos, que na Índia e no Paquistão, acabam por ser ostracizados e tratados como cidadãos de segunda.

Neste sentido, a Índia e o Paquistão terão de adoptar sinergias em conjunto, de forma a poder ultrapassar, os constrangimentos, de quem padece das influências geoestratégicas das áreas envolventes.

por um terrorista que, durante a operação, fez chamadas para Karachi e Lahore (no Paquistão). O terrorista falou com Zakirur-Rahman, um dos comandantes do grupo LeT em Jalalabad, no Afeganistão. Sri Prakash Jaiswal, ministro do interior da Índia, disse não «haver qualquer dúvida da conexão dos terroristas ao Paquistão». Em resposta, o Presidente Asif Ali Zardari negou «o envolvimento do Paquistão nos atentados» e condenou-os severamente. Nova Deli exigiu que Islamabad entregasse 20 alegados terroristas refugiados no Paquistão. Zardari respondeu: «Não existem provas convincentes de que os terroristas sejam paquistaneses, ou de que os 20 nomeados tenham participado em atentados na Índia. Se houver provas convincentes, eles serão julgados no Paquistão». Cit., Carlos Ferreira Madeira, «Morte veio do Paquistão» in Semanário Sol, p. 20, Ed. nº 117, de 6/12/2008.

348

Disponível em http://dn.sapo.pt/2008/12/07.