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TRAJETÓRIAS, CATEGORIAS, IMAGENS E EXPERIÊNCIAS: O CORPO REVELADOR

I MAGENS E EXPERIÊNCIAS

A literatura européia da Idade Média e Moderna descreveu o mundo dos vagabundos como uma realidade à parte, estranho ao pensamento típico de cada um desses momentos históricos e narrado a partir de conceitos e categorias da sociedade global da época; ou seja, a partir do que era “conhecido”:

"A descrição do universo dos vagabundos se inseria precisamente nessa concepção de realidade isolada: seu mundo ficava bem à parte, bem delimitado em termos de espaço (as histórias sobre os bairros ‘fechados’ da miséria, sobre ‘os pátios dos milagres’ etc. atestam isso), de organização social (papéis e funções) e por fim de regras morais e elementos culturais, que os separavam do resto da sociedade (...)”.101

Tratar os vagabundos e miseráveis como um mundo à parte implicava situá-los como diversos particularmente em dois planos da ordem dos critérios morais e culturais: o primeiro consistia no fato de que o principal fator de diferenciação dos homens era a fé, explicitada na Idade Média pelo forte senso de união da sociedade cristã e reiterada na época moderna, ainda que entendida de maneira mais ambivalente, devido ao pluralismo confessional. O outro critério importante dizia respeito a quanto os indivíduos e os grupos dos homens relacionavam-se a uma determinada língua nacional, a uma certa tradição comum, a de dependência ao soberano, aos laços de sangue e à origem.

“A literatura destinada a revelar o meio dos vagabundos conseguiu cumprir essa tarefa sem maiores dificuldades. Ao tratar o aspecto da diversidade ela enfatizava a linguagem particular, a formação em 'seita', a dependência com relação ao soberano, a impiedade”.102

Assim, por meio da enumeração de categorias morais e culturais pertencentes à sociedade da época, organizou-se a visão literária do mundo dos vagabundos. Da mesma forma que fazia a descrição da diversidade natural e do mundo extraterreno, a literatura européia enunciava a estrutura interna da miséria e da delinqüência: vagabundos e miseráveis, fora da ordem social e

101 Geremek, op. cit, p. 42. 102 Idem, ibidem.

da concepção de humanidade legitimada, apareciam como um “outro”, exótico, situado no espaço terreno103.

No mundo contemporâneo, essa alteridade é reafirmada, ainda que inserida em outra complexidade. O imaginário sobre o universo do habitante de rua vai além das imagens construídas em políticas públicas e práticas sociais, nas quais a interseção entre esse sujeito e demais segmentos sociais traduz-se na figura de um sofredor passível da caridade humana ou de um desempregado fruto de problemas sociais. Os moradores de rua – particularmente o mendigo, o qual possui maior visibilidade – entram no imaginário urbano no domínio do exótico, do estranho, do obscuro.

No cinema, por exemplo, ainda que não haja formação de uma caracterização homogênea, os habitantes das ruas são apresentados muitas e significativas vezes como portadores de uma vivência urbana que, no limite espacial e social da margem, expõe situações ou coloca em questão valores e representações que passam a ser repensadas pelos demais personagens104.

No mundo ambíguo das ruas, a presença incógnita do morador de rua faz deste uma espécie de visionário. Em O pescador de Ilusões,105 Jack, disc-jóquei famoso de Nova York, devido a sua arrogância e postura inconseqüentes, desencadeia uma tragédia que o leva à depressão e arruína a sua carreira. Sem dinheiro, perspectiva e cometendo atos potencialmente suicidas, Jack é salvo por Parry, um morador de rua que cria diálogos com cavaleiros e princesas e vive em busca do Santo Graal – o qual ele acredita estar localizado em uma casa na Fifth Avenue.

Gradualmente, por meio deste contato, Jack percebe outros sentidos de existência e também vê sua vida entrelaçada à de Parry. A trajetória deste é marcada pela perda da esposa na tragédia provocada pelo disc-jóquei. O mendigo, em sua dor, é a incorporação da culpa de Jack, que então se dedica a ajudar Parry a conquistar sua amada das ruas para ajudar a si mesmo. Costurada pela história da busca do cálice sagrado, a interação entre os dois personagens traz para Jack um caminho possível de redenção.

103 A ferramenta de conhecimento que fazia parte do tipo de pensamento típico da Idade Média e que persistiu na cultura popular e de massa da Idade Moderna foi, segundo Geremek, a enumeração em categorias.

104 O morador de rua como personagem de trabalhos literários ou fílmicos é enfocado a partir de diferentes aspectos. Fazer uma análise sistemática das imagens criadas a partir de tal repertório implicaria escrever outra tese. Coloquei- me fora deste propósito: os personagens analisados neste trabalho, particularmente de filmes, são ilustrações de imagens e processos que considero interessantes para minha problemática. Naturalmente, sua riqueza não se esgota aqui.

Já em um dos episódios do filme Coisas que você pode dizer só de olhar para ela106,

Rebecca, uma gerente de banco em torno dos 40 anos, independente, bonita e bem-sucedida, descobre-se grávida de seu amante, que, por sua vez, é casado; ela então opta por fazer um aborto. A situação em que a personagem se encontra parece oferecer um caminho “natural”, até que Rebecca passa a ser questionada por uma moradora de rua que circula em torno do banco e repentinamente lhe aborda. A presença dessa mulher desconhecida, suja, agressiva, de atitudes desvairadas, fazendo perguntas íntimas sobre a vida da gerente, desperta nesta um profundo questionamento sobre a condução de sua vida amorosa e sobre sua condição de mulher.

Durante o episódio, são vários os encontros: alguns momentos são dotados de imprecações e constrangimentos feitos por parte da moradora de rua, que inquiria Rebecca sobre a veracidade de sua imagem feminina e sua capacidade de amar; outros são marcados por uma cumplicidade que partia do compartilhamento dos cigarros (negociados o tempo todo pela mendiga) e da própria condição de mulher, apesar da diferença explícita entre as experiências femininas vividas por elas. A moradora de rua agiu como uma espécie de alter ego da gerente que emerge de um outro lugar e de forma misteriosa. Ao fim do episódio, as reflexões e posteriores atitudes de Rebecca aparecem como conseqüência desse intenso e inesperado diálogo.

Os exemplos acima ilustram uma imagem recorrente produzida no cinema, nas histórias em quadrinhos, na literatura. Os moradores de rua parecem ver o que não é percebido. O sofrimento, o isolamento associados a esse mundo parecem torná-los portadores de sabedorias sobre a vida, sobre a dor e a veracidade dos valores e sentimentos. Tornam-se exemplos de redenção e provadores da moral social. Projeta-se em sua imagem – associada a experiências marcadamente dolorosas, profundas e radicais – a função de questionador da ação do outro. Tornam-se também contadores das histórias nunca vistas, testemunhas dos crimes na rua, de negociações ilícitas, de aventuras estranhas pelo espaço urbano.

Mas há também uma outra imagem a se destacar, praticamente contraditória em relação à primeira. O morador de rua é a representação do sujo, do poluído e do poluidor, e está associado ao espaço do ambíguo e do anônimo. Portanto, é o veículo desta poluição e um potencial instrumento de práticas ilícitas. No contexto dessa imagem, destaca-se a abjeção. No filme

Amores Brutos107, El Chivo é um morador de rua que circula pelas ruas da Cidade do México

106 Coisas que você pode dizer só de olhar para ela (Things You Can Tell Just By Looking At Her), USA, 2000. 107 Amores Brutos (Amores Perros), México, 2000.

com sua carroça e seus cachorros. No decorrer do filme, aparece como um matador de aluguel ocasional. Primeiramente, mata um empresário que almoçava em um restaurante. Em seguida é contratado por outro empresário para matar o irmão deste, o que não ocorre devido a mudanças de rumo do mendigo.

Sujo, com roupas encardidas, o cabelo desgrenhado e a barba comprida, ambos grisalhos, andando lentamente pela cidade, El Chivo não chama a atenção. No assassinato do empresário, anda calmamente até a frente do restaurante, saca sua arma lentamente, mira e atira. No meio da confusão, some desapercebido. Com relação ao segundo potencial morto, El Chivo passa a segui- lo e a acompanhar seus passos cotidianos, sentando-se na calçada em frente ao local de trabalho. Passa incógnito, um mendigo na cidade. Essa propriedade lhe permite ser um agente adequado para atividades criminosas ou poluidoras, ainda que ocasionais, e é igualmente um alvo descartável: se for pego, é dispensável.

O morador de rua emerge como a própria equivalência dessa poluição. Uma descrição literária marcante acontece no livro El Vuelo de la Reina108, um romance argentino que trata da

atração de um poderoso diretor de jornal por uma jornalista, culminando em uma história de sedução, poder e violência109. Camargo, o diretor inescrupuloso, é obcecado por Reina e como não pode tê-la a seu lado novamente, decide puni-la. Arma cuidadosamente um conjunto de ciladas que a faz perder o emprego, o novo namorado e a ficar desesperada. Entre suas estratégias, está a de intervir sobre seu corpo. Para tanto, negocia um acordo com um sem-teto, refugiado da guerra de Kosovo, que dormia com sua mulher na porta do prédio de Reina110: em troca de novos passaportes e passagem de volta para a terra natal (Belgrado), Momir – o morador de rua – subiria com ele ao apartamento de Reina, que estava sedada, e teria relações sexuais com ela.

108 T. E. Martines, 2002.

109 O romance se baseia na tragédia ocorrida no Brasil, em 2000, quando o diretor de um famoso jornal assassinou sua ex-namorada, jornalista. O drama é reinterpretado à luz do contexto social e político argentino.

110 “Uma pareja sin techo duerme desde hace meses a la entrada del edificio contiguo al de la mujer, debajo de um

balcón curvo, donde funciona uma tintorería que cierra temprano. La pareja tiende com tanto desparpajo sus cartones y franzadas ruinosas, marca su espacio com um instinto de propriedad tan férreo, que para llegar a la puerta del departamento hay que saltar sobre ellos. El hombre tiene menos de cuarenta años y desentona com el desamparo em que vive. Sus brazos son fuertes, la mirada es rebelde y sobradora, y los ojos, siempre hinchados, observan el mundo com um desencanto tan hondo que tal vez sea anterior al mundo. Tanto a él como a su compañera se les han caído los dientes. A ella sólo le quedam tres incisivos de abajo; a él, um canino absurdo, que le desfigura los labios. La vagabunda lleva ya semanas enferma y el hombre passa dispierto la mayor parte de la noche, cuidándola y acariciandola. Ella es mucho mayor que él pero no tanto como para ser su madre. Tampoco se le parece em nada. Su cuerpo está cubierto de escaras: hay uma sobre el omóplato, em especial, que se le abre como uma segunda boca.”(Martines, op.cit, p.103).

Certo de que Momir carregava consigo as enfermidades e podridões do corpo degradado, Camargo alimenta sua vingança de deteriorar o corpo da mulher que não lhe queria mais:

“[Camargo] havia pedido a ele [Momir] uma ou outra vez que se mantivesse ágil e alerta para a missão desta noite. Havia lhe ordenado que não bebesse e que, se possível, não enchesse o estômago da podridão que servem nos refúgios da caridade. (...) ‘só uma vez, só esta noite, vou precisar que te enchas de inteligência, de força e de saúde’. O que havia pedido era apenas um lampejo de sua natureza deteriorada: havia lhe pedido uma migalha de sua indecência, da vida que ele mesmo havia posto a perder. (...) Os seres como ele [Momir] deveriam ser apagados da Terra: utilizados para servir e logo aniquilados. (...) nunca quisera tanto acabar com Momir; mas ainda o necessitava”.111

Camargo sente-se fazendo um favor ao casal sem-teto, ao poder providenciar em troca “o

que não se mede em passaportes nem em passagens, mas em algo muito mais sutil: os sentimentos perdidos que se deixam cair dentro do ser, tal como já foram alguma vez (...)”.112

Porque considerava sua atitude uma oferta de redenção, o jornalista não entendia a indiferença de Momir ao corpo de Reina, atuando como um autômato; nem compreendia a desconfiança da mulher sem-teto com relação às suas atitudes, tampouco o horror da mesma ao perceber, posteriormente, as intenções de Camargo. Para este, a vida desgraçada dos sem-teto justificava qualquer ato destes para mudar seu contexto, inclusive os criminosos, que o jornalista julgava tão próximos desse universo de rua.

As duas imagens descritas acima constituem parâmetros oportunos para compreender as representações a respeito dos sujeitos que vivem na rua. Conformam a visão de um universo ambíguo, onde a possibilidade de redenção social e moral pelo sofrimento extremo convive com um processo contínuo de “des-moralização” e de desumanização. Esta ambigüidade também está presente quando nos voltamos para a análise empírica dessa realidade, ainda que de forma diluída.

Os moradores de rua, particularmente mendigos e trecheiros – cujos processos de despojamento e sobrevivência são radicais –, sentem uma grande necessidade de contar suas histórias, enunciar seu sofrimento e os aprendizados sobre moralidade e humanidade. Parecem sempre ter uma história para contar, única, transformadora: seus depoimentos sobre a vida atraem

111 Idem, p. 238. (Tradução minha). 112 Idem, ibidem.

ouvintes. Ao mesmo tempo, podemos presenciar a abordagem feita aos habitantes de rua para que façam “serviços sujos”, práticas ilícitas113.

Mas, sobretudo, as imagens acima descritas atualizam constantemente a representação do mundo da rua como um lugar “outro”, exótico, obscuro. As pessoas da rua habitam uma margem liminar da cidade, marcada pela não propriedade, pela subtração material e simbólica, pelo deslocamento contínuo e perturbador da definição normativa dos espaços públicos e pelo corpo abjeto, e são vistas como um sintoma e um símbolo das promessas falhas do progresso e da prosperidade114. Estão, portanto, em contraste com uma representação hegemônica do interesse “público”. Neste sentido, estão sujeitas constantemente, em representações e práticas cotidianas, a mecanismos de minimização, de apagamento, de eliminação.

No entanto, sua presença no espaço urbano permanece, e esse circuito liminar se reproduz geográfica e temporalmente. O sujeito estigmatizado se move e se constrói, apesar e por meio do incômodo dos mecanismos de abjeção e subtração a ele impostos para sobreviver e existir. No espaço urbano, ao fazer uma outra trilha, mantendo sua vida sob uma situação impensável e retraçando continuamente essa margem, surpreendem e assustam. É a ambigüidade de sua condição, a sua permanência contingencial nesse limiar que marca o morador de rua como um “outro”.

A situação limiar e a imagem que emerge por meio dela são ainda marcadas por outra ambigüidade. Os moradores de rua se organizam fora dos limites da tecnologia desenvolvida pelo poder de gestão da vida, isto é, à parte dos mecanismos de investimento e administração dos corpos que se disseminam nas instituições sociais e políticas desde a vida moderna115. Estão distantes das fronteiras mantenedoras da limpeza, da saúde, da funcionalidade espacial pretendida na cidade. Vivenciando um gap entre as condições projetadas de poder biopolítico e o limiar da

113 Em minhas duas pesquisas de campo – com as crianças e adolescentes de rua e com os moradores de rua adultos – , já testemunhei discretamente essas abordagens, sempre parcialmente ocultadas de mim. Como, por exemplo, em Campinas, o caso de uma mulher que se aproximou dos meninos com quem eu estava para lhes propor uma soma de dinheiro se eles matassem o marido dela. Isso acontece, a meu ver, por duas razões: primeiramente, porque as pessoas que estão nas ruas são consideradas amorais e necessitadas de dinheiro a qualquer custo; em segundo lugar, porque estão em um universo onde o anonimato recorrente torna esse mundo nublado.

114 S. Kawash, 1998, p. 320.

115 Refiro-me aqui à noção de Foucault de poder sobre a vida. As formas de gestão da vida, segundo o autor, desenvolvidas a partir do século XVII, são principalmente duas: de um lado, o adestramento dos corpos ampliando suas aptidões, extorquindo sua forças, um disciplinamento corporal, uma anátomo-política do corpo. De outro, surge, um pouco mais tarde (metade século XVIII), uma biopolítica corporal, controles reguladores e interventores das condições que podem fazer o corpo variar (longevidade, nível de saúde, a duração da vida etc.). Para Foucault, ambos são pólos de uma tecnologia em torno da qual se desenvolveu o poder sobre a vida, de investimento sobre ela. (Foucault, 1988, p. 131).

morte116, os moradores de rua apresentam um mundo desconhecido ao citadino que se encontra do outro lado da relação liminar, porque mantém sua existência à parte desta forma de gestão da vida. Por meio das propriedades ambíguas desse universo, ele aparece como visionário, por um lado, e como um coringa descartável, por outro.

O imaginário sobre o circuito da rua tem ressonância nessa realidade como uma experiência radical e existencial, que expõe de forma mais crua os conflitos e dramas sociais e individuais. Mas a possibilidade de manutenção da vida neste espaço só é admitida como uma vivência temporária, a partir da qual se pode aprender lições de vida. Desta maneira, o universo de rua provoca temor e curiosidade. Como um exemplo, há entre outros filmes que abordam o tema, a comédia “Que Droga de Vida” 117, de Mel Brooks, na qual um milionário dono de parte de um bairro miserável, a qual pretendia converter em um lugar sofisticado. Ele aceita uma aposta na qual obteria a outra parte da área se lá sobrevivesse durante um mês como um

homeless.

O milionário enfrenta o desafio e se depara com uma realidade que lhe é completamente diversa. Até o final da aposta, o personagem muda sua mentalidade sobre sua vida. Na rua, ele tem seus sapatos caros roubados, aprende a brigar por comida e a criar habilidades para obtê-la, faz amizades, presencia a morte, entra em brigas por espaço de dormir, conhece um amor. No final do filme, quando Brooks recupera seu dinheiro, resolve investir no bairro a favor dos

homeless e casa-se na igreja do local. No filme, a rua é o lugar onde todas as questões

fisiológicas, psicológicas, sociais, econômicas estão postas em xeque. É por meio desta experiência de rua que a personagem de Mel Brooks se torna humano, sensível aos problemas do mundo que não envolvessem dinheiro. Ao sair dessa experiência, ele não é o mesmo.

Curiosamente, no ano de 2002, uma agência de turismo holandesa oferecia um pacote inusitado118: por U$ 400, o turista poderia viver durante quatro dias nas ruas de Londres, Paris ou Amsterdã como mendigo, dormindo nas ruas. Os interessados poderiam levar na bagagem apenas um cobertor e um instrumento musical ou um caderno de desenhos que pudesse facilitar a obtenção de esmolas. Com esse dinheiro, o “mendigo” poderia comprar sua comida ou bebida. Quebrando a pretensão de realismo absoluto, a agência holandesa se comprometia com a

116 Idem, ibidem.

117 Que droga de vida, USA, 1991.

118 Revista Veja, “Mendigo por uns dias: empresa holandesa tem pacote especial para quem quer experimentar a vida nas ruas”. São Paulo, 31 jun. 2002.

vigilância dos turistas, para fazer as fotos da aventura ou intervir em possíveis confusões, ainda que não garantisse ausência de risco119.

A proposta turística gerou reações negativas de entidades de apoio aos homeless e da mídia londrina, acusando a agência de tratar a pobreza como mera excentricidade. Como resposta, a gerente da agência, Anneke Bakker, defendia seus propósitos, afirmando que aquela seria a maneira mais segura de saber como vivem os sem-teto e “de se envolver em um mundo

desconhecido, mas muito próximo de quem vive nas grandes cidades”. Para ela, a experiência

poderia sensibilizar os turistas para o problema dos que não têm teto. Para o dono da agência, responsável pela idéia do programa e que teria passado por experiência semelhante quando estava em Paris, “viver como um sem-teto pode ser uma experiência muito rica”.

O estar nas ruas provoca reflexões sobre o limite da experiência humana. De um lado mais extremo, dois escritores dispuseram-se a viver como párias de culturas diferentes para trazer a público o grau de humilhação e desumanização desse limiar marginal120. De um outro lado, mais sutil, há depoimentos e relatos de pessoas que passaram períodos casuais nas ruas e que