• Nenhum resultado encontrado

6. Espaços de interação

6.8 Mais que pensar e repensar – refletir

Com o decorrer do seu processo de formação, o Bruno, por inúmeras vezes, viu-se confrontado com decisões inadequadas, implementações desajustadas, situações que o jovem adulto via como constrangedoras. Não sendo algo que deva estar unicamente ligado a momentos menos bons, a reflexão desempenhou um papel crucial neste o processo, levando o Bruno a pensar para além do óbvio, para além dos seus ideais e da sua visão afunilada. – Escreves bem, falta o resto. – Era esta a frase que o pequeno adulto tanto ouvia, o que por vezes até acabava por o incomodar. Fosse após as suas aulas, ou até na sua vida particular, o Bruno acabava por se centrar nos problemas, como se estes fossem o cerne de todas as questões, de tudo o que acontecia. – Refletir é muito mais que pensar. Tem foco, nexo e objetivo. – Disse o Diogo, o tal irmão por quem o Bruno tanto carinho e admiração nutria. – Ao refletires

127

estás a conhecer-te de outra forma, a conhecer-te melhor. – Continuou, quase como quem faz a ligação entre a ação e o pensamento.

– Eu reflito, bastante até. – Contrapunha o Bruno, isto numa fase embrionária do processo, sem atribuir a devida importância ao ato de refletir.

Numa fase inicial, onde a reflexão do pequeno adulto se cingia somente ao papel, à escrita, a deteção de problemas era o foco primordial, em que o Bruno pensava no que de mal tinha ocorrido durante as aulas, limitando-se a retratar o sucedido. – Tive vários problemas. – Era a frase fortemente utilizada pelo pequeno adulto, deixando-se ficar por aí.

O aprofundamento sobre o que é a reflexão foi um assunto predominante durante grande parte do ano letivo, tendo sido necessário fazer chegar ao jovem protagonista que a escrita por si só não chega, que a deteção de problemas, apesar de importante, não poderá ser o único momento passível de reflexão. Deste modo, e retornando ao passado, existiu um momento, entre vários, que fez com que o Bruno acabasse por descobrir, preto no branco, um dos seus maiores problemas.

– Uma reunião sobre a reflexão, a sua importância e os seus momentos. – Leu o pequeno adulto no seu telemóvel, numa mensagem enviada pelo Professor Cooperante, numa fase já adiantada do dia.

No seguinte dia, por volta das 14 horas, estavam os três colegas e o Professor Cooperante sentados numa mesa redonda, virada para a janela da porta principal da escola, preparados para falar, conferenciar, debater.

– O que é a reflexão? – Perguntou o Professor Cooperante, enquanto bebia o seu café da tarde.

– Refletir é pensar sobre o que acontece. – Disse o Bruno, numa frase notoriamente incompleta.

– É muito mais que isso açoriano! Não se reflete só depois de determinada coisa acontecer. Tens que ir mais além! – Referiu o Professor Cooperante, esperando uma resposta do pequeno adulto.

– Existem diferentes momentos de reflexão. Reflexão na ação, reflexão sobre a ação e reflexão sobre a reflexão na ação. – Respondeu o Bruno, pensando ser dono da verdade por referenciar Schön (1987).

128

– Consegues explicar melhor que isso Bruno, não te fiques pelo óbvio. Contextualiza o que disseste. – Contrapôs o Professor, na procura de fazer o Bruno chegar aos problemas que havia evidenciado até então.

– Bem, a reflexão na ação é refletir sobre o está a acontecer e, se necessário, retificar. A reflexão sobre a ação é realizada após o momento ou após a aula. A reflexão sobre a reflexão na ação passa por refletir sobre algo pensado anteriormente, sobre a decisão tomada e a retificação feita, sendo a “reflexão da reflexão”. – Respondeu o pequeno adulto, não estando à espera do que viria depois.

O Professor Cooperante levantou-se e, do alto dos seus quase dois metros de altura, perguntou. – Tens refletido na ação? Eu respondo-te, não! Tens encontrado problemas, aliás até escreves sobre o assunto, mas identifico que tens dificuldade em ajustar, em sair da tua zona de conforto. – Disse o Professor “naquele” tom que às vezes usava para fazer chegar ao pequeno adulto determinada mensagem.

Apesar da reunião não se ter ficado por ali, o decorrer da mesma acabou por passar ao lado do pequeno adulto, já que ele ficou com o pensamento distante, no seu mundo de resoluções e ideias. Tinha sido posta a nu a ferida, a debilidade que o Bruno possuía, a sua incapacidade de refletir na ação. A verdade é que mesmo sem que lhe tivesse chegado mais cedo a mensagem, o Bruno já havia detetado esse problema, isto é, a necessidade de refletir na prática sobre as suas propostas e ajustamento das mesmas. Todo o processo de adaptação, de incorporação desse tipo de reflexão foi vagaroso e, por vezes, até doloroso. Foi a uma chamada de atenção forte, um choque com a realidade visível para todos menos para o pequeno adulto.

– Para potenciar a minha atuação, promover a aprendizagem, não posso ter receio de agir, de mudar algo, de fazer com que a engrenagem do relógio funcione de novo. – Pensou o Bruno, naquele que seria porventura o momento, até então, o mais complicado do estágio.

Esta tomada de consciência, apesar de dolorosa, foi de extrema importância, acabando por se tornar uma peça basilar em todo o processo reflexivo do pequeno adulto. A necessidade de se assumir o erro, de abraçar o

129

mesmo é a única forma de um Professor mudar. O Bruno necessitou de assumir o erro, de olhar de forma critica para o que havia desenvolvido e acabar por, finalmente, sair da sua zona de conforto.

“Refletir na ação! Reestruturei a aula, o planeamento da mesma e suas progressões pedagógicas. Agi rápido, o que me agradou, mas (…)” (Diário de bordo, 19 a 28 de abril).

Nesse mesmo momento o nosso pequeno adulto acabou por reconhecer os problemas, tornando assim possível uma reflexão nos diferentes níveis de reflexão enunciados por Larrivee (2008), que afirma que numa fase inicial o foco está no ensino de ações ou habilidades, geralmente em eventos isolados, seguindo-se um nível mais avançado, onde existe uma consideração teórica e racional para uma determinada prática, terminando num nível avançado, que enfatiza a ética e a vertente social como consequências do ensino, diretamente ligadas ao que é tido como o propósito nuclear do ensino.

Mas, como em todas as histórias, existiram momentos positivos, de grande satisfação para o protagonista, nos quais a capacidade reflexiva foi elevada a um patamar distinto do evidenciado no início. O episódio mais marcante remonta à unidade de Voleibol, onde o trabalho desenvolvido, de aplicação do Modelo de Educação Desportiva, requeria uma constante reflexão. Face à aplicação deste modelo poder-se-ia pensarque o Bruno teria o trabalho facilitado. Cogitação errada! Aquando da elaboração e implementação de propostas individualizadas para os alunos, que era desenvolvido no trabalho especializado intra-equipas (todos as equipas possuíam tarefas individuais para os seus constituintes, na procura de lapidar as lacunas de cada elemento), surgiram inúmeros momentos em que a reflexão esteve presente na sua totalidade. A constante reflexão na ação e, consequentemente, reajustamento das tarefas foi preponderante. A reflexão sobre a ação, oral ou escrita, com a deteção de novos problemas, com o reajustamento do que havia sido planeado, teve um peso enorme para aquilo que o jovem adulto apelidou de “sucesso”. Por fim, a reflexão sobre a reflexão na ação foi talvez a parte onde o jovem adulto

130

mais sorriu, na medida em que o pensamento ponderado e sustentado acabou por lhe permitir percecionar a sua evolução, a noção de que estava a sair da zona de conforto e a tomar decisões adequadas ao contexto de atuação. – Ao refletir na ação, algo que fazia de forma imperfeita, encontro formas de melhorar o meu ensino. A qualidade do meu processo reflexivo deve possuir maior importância do que a preocupação com o momento da sua ocorrência. – Pensou para si mesmo o pequeno adulto, esboçando um sorriso pela sua melhoria, ao mesmo tempo que recordava Dorigon e Ramanowski (2008, p. 16), que afirmaram que “a reflexão permite fornecer ao professor informação correta e autêntica sobre sua ação, as razões para sua ação e as consequências desta. Portanto, a qualidade e a natureza da reflexão são mais importantes do que sua ocorrência”.

131