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4. O espaço da realidade e dos sonhos

4.3. Os pupilos, as turmas

4.3.1. A turma residente

Nenhum Professor consegue lecionar sem turma, isto é por demais evidente. No presente conto, surge o dia em que o Bruno conheceu a sua turma, ou pelo menos teve o primeiro contacto com os seus constituintes, o dia da receção ao aluno. Após acordar e escolher a roupa a vestir, surgiu um sentimento com o qual o contacto era reduzido já fazia algum tempo, o nervosismo. O Bruno, rapaz seguro das suas valências a nível de relações interpessoais, sentia-se criança de novo, sentia-se o menino que antes do jogo de futebol no sábado, tinha que comer um chocolate para se acalmar. Seria, como já referido, o primeiro contacto com a sua turma, aquela que o acompanharia durante todo o ano de estágio.

Numa tarde de sol, e estando à porta da sala de aula onde decorreriam as apresentações à turma, o primeiro contacto acabou por ser caricato, despertando no Bruno um sorriso.

– É aqui a sala do 12º ano? – Perguntou uma aluna, sorrindo.

– Boa tarde! É sim. – Respondeu o Bruno, sem saber que sentimento tinha despertado.

Após a entrada de alguns alunos, também ele acabou por entrar, sentando-se na primeira fila, nas cadeiras junto à janela. Seguiu-se o momento em que o Professor Cooperante, que desempenharia também as funções de Diretor de Turma, começou a falar para toda a turma. Após a sua apresentação, o Professor solta uma frase que, até hoje, desperta um sorriso na cara do Bruno:

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– Terão um Professor Estagiário durante o presente ano letivo. Não sejam maus para ele e portem-se bem, ele é bom rapaz e até é giro.

Os alunos começaram a sorrir, desconhecendo que o Professor Estagiário estava presente na sala, pois achavam que os três Estagiários nada mais eram que três alunos novos. Dito isto, e já numa altura em que se notava alguma curiosidade por parte não só dos alunos, mas do próprio Bruno, surge o momento em que o Professor Cooperante faz sinal para o pequeno adulto, e este se levanta para se apresentar.

– Bom dia! O meu nome é Bruno e serei o vosso Professor durante o ano. – Proferiu agora Professor, numa tentativa de utilizar um tom de voz que fosse o espelho da sua fase adulta e assertiva.

Por entre algumas gargalhadas, ainda sem saber o porquê de tal acontecimento, eis que surge uma afirmação que, face aos vinte e cinco anos que o pequeno adulto possuía na altura, o fizeram pensar na sua avó, visto que esta afirmava por diversas vezes estar “bem conservada”.

– Professor? Ele? Tem cara de ser mais novo que nós – Ouviu-se baixinho, sem se saber quem tinha proferido o comentário.

O Bruno sorriu, achou engraçado que os alunos, situados numa faixa etária bem distante da sua, possuíssem a ideia de que ele era mais novo.

O tempo foi passando, as aulas foram sendo lecionadas, e o Bruno acabou por ir adquirindo sentimentos de enorme satisfação e orgulho da sua turma, dos seus alunos. Por diversas vezes afirmou, junto dos seus colegas, que sentia ter tido uma enorme sorte com os seus alunos. Uma turma de vinte e cinco alunos, dos quais vinte e quatro estavam inscritos na disciplina.

Após a receção aos alunos, começaram as aulas. De entre as múltiplas tarefas, o preenchimento da ficha de caracterização pelos alunos era algo imperativo. Da análise desta primeira fonte de informação, o jovem projeto de Professor verificou que os alunos, na generalidade, não tinham vivências desportivas.

– Terei bastante trabalho pela frente. – Confidenciava junto do seu grupo de amigos, todos Estudantes Estagiários.

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– Nada disso! São excelentes pessoas. Possuem é dificuldades de índole motor bastante vincadas. – Constatação decorrente das primeiras aulas. – Existem alunos que não sabem correr, que não possuem grande destreza motora.

O conhecimento mais aprofundado da turma levou a que o Bruno pudesse afirmar que todos os alunos, sem exceção, possuíam fortes bases educativas e valorativas que o deixavam orgulhoso.

– E problemas de saúde ou sociais? – Perguntou o Filipe.

O Bruno, sabendo da importância de recolher o máximo de informação sobre os seus alunos, seja esta de índole social, da saúde, da aptidão física ou da aptidão motora, rapidamente soube responder ao seu colega. – Tenho somente três alunos com problemas visuais, nada de grave, e um com alergias! – Exclamou o pequeno adulto, por entre sorrisos por ter a ideia de que todos os seus alunos eram saudáveis, prosseguindo. – Não lhe chamo problemas sociais, mas sim “vida escolar”. Outro dado relevante é que onze alunos que, por uma razão ou outra, já tiveram uma retenção num determinado ano de escolaridade; onze alunos com direito a escalão – seis do escalão B e cinco do escalão A. Todos os alunos da turma têm acesso às novas tecnologias e catorze dos alunos não têm quem os ajude a estudar fora da escola.

– Algum quer seguir os estudos? Frequentar o ensino superior? – Questionou o Filipe.

– Não te consigo responder diretamente a essa questão. – Começou por dizer o pequeno adulto, não se deixando ficar por ali. – Posso sim dizer-te que catorze dos alunos têm perspetivas profissionais que requerem um curso superior, sendo a prevalência na Psicologia (cinco no total).

Do ponto de vista do desempenho motor, apesar de a ausência de prática desportiva extra-escolar fazer antever algumas dificuldades ao nível de desempenho motor (somente um aluno realizava prática desportiva frequente), o empenho que foram demonstrando permitiu ao Bruno, numa fase um pouco mais adiantada, a formulação da ideia de que estes conseguiriam colmatar as suas lacunas. – Tenho a maior das convicções de que esta minha jornada, apesar de trabalhosa, será de um enriquecimento profundo, tanto a nível profissional, como a nível pessoal. Pretendo usufruir de todas as condições

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disponíveis para potenciar ao máximo o desenvolvimento dos meus alunos, dotando-os de ferramentas fulcrais para o seu amadurecimento, englobando todo o que é tido como aprendizagem, isto é, tendo também como objetivo a construção de cidadãos conscientes e plenos das suas capacidades. – Concluiu o pequeno adulto, numa espécie de concretizar de um sonho.

4.3.2. As turmas a três – um processo de partilha

Além da turma residente, o Bruno teve a sorte de poder dar aulas em ciclos de ensino distintos – 2º e 3º ciclos – do da sua turma. Foram duas as turmas partilhadas que passaram pelas “suas mãos”, nos segundo e terceiro períodos. Um sexto ano, composto por vinte e três alunos, onze raparigas e doze rapazes, extremamente motivados e energéticos. E um nono ano, com vinte e quatro alunos, catorze rapazes e dez raparigas que aparentavam estar em constante desmotivação e desinteresse pela Educação Física. A verdade é que ambas as turmas foram um desafio para o pequeno adulto, um sexto ano com energia para dar e vender, que esgotava o Bruno ao mesmo tempo que o alegrava, porque tinham gosto em aprender, isto apesar da sua tenra idade. Esta era uma turma que tinha rotinas e dinâmicas já implementadas, que ouvia mas também se fazia ouvir.

“O 6º ano! Fantásticos os meninos. Nunca vi tamanho entusiasmo para uma aula de Educação Física. A vontade que os alunos demonstram para a prática é invejável. Por vezes gostaria de estar no lugar do André, isto apesar de verificar que ele acaba as aulas bastante fatigado”. (Diário de bordo, 4 a 7 de outubro).

Em contraste com o referido anteriormente, as conquistas no nono ano começaram de forma mais gradual, mais pausada – inicialmente os alunos, quando iam às aulas, chegavam atrasados. Pareciam não estar presentes no início, mas aos poucos, com trabalho e perseverança, mudaram de uma forma quase radical, passando a mostrar empenho, vontade de aprender e, embora ocasionalmente, uma pontualidade fantástica.

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