Por fim, é oportuno mencionar a competência do administrador judicial para se manifestar em diversas situações nos processos de falência e recuperação judicial, bem como nos eventuais incidentes decorrentes desses processos. Tais manifestações representam em sua maioria pareceres que servirão de referência para a decisão a ser tomada pelo juiz. Vale dizer, tais manifestações são meramente opinativas e não vinculativas.
Além das hipóteses já mencionadas, o administrador judicial deverá ser ouvido, antes da decisão judicial sobre o pedido do devedor para aumento de despesas ou contratação de empregados, no caso de recuperação com base em plano especial para microempresas e empresas de pequeno porte. De modo
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similar, cabe ao administrador se manifestar, no prazo de 5 dias, sobre o pedido de restituição em relação a bens que entraram para a massa falida ou estavam em poder do falido no dia da decretação da falência.
Por derradeiro, o administrador judicial possui competência para o oferecimento de ação penal subsidiária, no caso de omissão do Ministério Público. Tal poder deverá ser exercido no prazo decadencial de 6 meses, após o decurso do prazo para o Ministério Público.
Remuneração
Por todo o trabalho que lhe é atribuído, o administrador judicial faz jus a uma remuneração, sem natureza salarial,45 dada a ausência de vínculo
empregatício. O valor e a forma de pagamento desta remuneração serão fixados pelo juiz atentando à capacidade de pagamento do devedor, ao grau de complexidade do trabalho e aos valores praticados no mercado para o desempenho de atividades semelhantes. Em outras palavras, não se trata de um valor aleatório, mas de um valor atento à realidade do devedor (capacidade de pagamento) e do mercado.
A princípio, há uma margem de liberdade nessa definição, mas o valor não poderá ultrapassar 5% do valor dos créditos submetidos à recuperação judicial ou 5% do valor dos bens vendidos na falência (Lei no 11.101/2005 – art. 24).
Originalmente, não havia qualquer distinção dessa remuneração em relação ao enquadramento do devedor, como microempresa ou empresa de pequeno porte. Com a Lei Complementar no 147/2014, passa a existir um teto diferenciado para
tais devedores que será de 2% (dois por cento) dos créditos abrangidos na recuperação judicial ou dos bens abrangidos no caso da falência, no caso de microempresas e empresas de pequeno porte. Tratase de uma salutar medida de redução dos custos desses processos, em prol da manutenção da atividade (na recuperação judicial) e da maximização dos ativos na falência.
Apesar dessa discricionariedade, a fixação da remuneração pelo juiz poderá ser objeto de agravo de instrumento, por qualquer interessado (devedor, credores, MP...) com o intuito de alterar a fixação. No caso da recuperação judicial da VARIG, o juiz havia fixado o valor em 0,2% dos créditos submetidos à recuperação, o que representaria R$ 9,6 milhões, considerandose o passivo na recuperação de R$ 4,8 bilhões. Em razão de recurso de agravo de instrumento, o
TJRJ reduziu a remuneração para dois centésimos por cento (0,02%) do passivo.46 Posteriormente, houve substituição do administrador judicial e nova
fixação de remuneração pelo juiz.
Qualquer que seja o valor fixado pelo juiz, a remuneração não será paga pelos cofres públicos. No caso da recuperação judicial, o próprio devedor é o responsável pelo pagamento. Na falência, a massa falida é a responsável pelo pagamento, enquadrandose tal crédito inclusive como extraconcursal (Lei no
11.101/2005 – art. 84), ou seja, tal crédito será pago com prioridade sobre os créditos devidos pelo falido.
No que tange ao tempo do pagamento, há uma boa margem de liberdade, podendo este ser mensal, bimestral ou semestral. A legislação traz apenas uma limitação no que tange ao final do pagamento, determinando que uma parte seja paga apenas após o cumprimento das funções de administrador judicial (Lei no
11.101/2005 – art. 24, § 2o).
O dispositivo que determina essa limitação temporal diz expressamente que 40% da remuneração do administrador judicial só será paga após o cumprimento das providências dos artigos 154 e 155 da Lei no 11.101/2005. Haroldo Malheiros
Verçosa entende que os 40% devem ser divididos pelo juiz em duas parcelas, sendo uma paga após a conclusão da realização do ativo e pagamento dos credores e a outra paga após a apresentação do relatório final pelo administrador com suas contas aprovadas.47 A nosso ver, porém, não há possibilidade dessa divisão, ou
seja, os 40% finais deverão ser pagos ao término de todas as providências dos artigos 154 e 155.48 Dessa forma, apenas após a conclusão da realização do ativo,
pagamento dos credores e apresentação do relatório final pelo administrador com suas contas aprovadas, será efetuado o pagamento. A conjunção aditiva e nos leva a crer que todas as providências mencionadas devem estar concluídas.
A menção expressa a artigos que se referem à falência pode levar à conclusão de que não há reserva de valores no caso de recuperação judicial.49
Todavia, o artigo 63, I, da Lei no 11.101/2005 dispõe que o pagamento do saldo
de honorários ao administrador judicial será determinado pelo juiz na sentença de encerramento da recuperação judicial, estabelecendo ainda que só poderá haver a quitação dessa obrigação mediante prestação de contas, no prazo de 30 (trinta) dias, e aprovação do relatório sobre o cumprimento do plano de recuperação. Portanto, a nosso ver, também haveria uma reserva de valores para pagamento ao final do processo de recuperação judicial.
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9.1
Desse modo, na recuperação judicial, o saldo de honorários, a nosso ver os mesmos 40%, só pode ser pago após a prestação de contas e a aprovação do relatório circunstanciado sobre o cumprimento do plano de recuperação judicial. A prestação de contas deverá ser apresentada no prazo de 30 dias, contados do encerramento da recuperação. O relatório circunstanciado deve ser apresentado no prazo de 15 dias, contados do encerramento da recuperação.
Substituição
Uma vez nomeado, o administrador judicial deverá desempenhar suas funções até o fim dos processos de recuperação judicial ou falência. Todavia, em certos casos, o administrador judicial não continuará no cargo até o final desses processos. Nesses casos, nós temos a saída do administrador judicial, que poderá ser uma substituição ou uma destituição, conforme veremos. A substituição é uma imposição diante do caso concreto, independentemente de qualquer falha do administrador judicial. São casos de substituição: a renúncia, o falecimento, a declaração de interdição, a decretação da falência e o pedido de recuperação judicial pelo administrador nomeado.50 Podemos citar ainda a perda
da confiança51 como motivo para substituição. Por fim, a conveniência do
processo também pode justificar a substituição do administrador judicial por alguém mais especializado. Nos casos de não aceitação do cargo, ou de não assinatura do termo de compromisso no prazo, não há propriamente substituição, como defendem Ricardo Negrão e Paulo Sérgio Restiffe,52 pois não houve
entrada no cargo.
Em qualquer dos casos, a decisão é do juiz, não sendo atribuído aos credores, ao devedor ou ao Ministério Público o poder de afastar o administrador nomeado. Apesar disso, nada impede que estes solicitem ao juiz a substituição, especialmente no caso de conveniência do processo. Caso o juiz indefira a substituição, poderá ser interposto o recurso de agravo de instrumento. Caso ele determine a substituição, não é cabível qualquer recurso,53 porquanto “não há
direito subjetivo à nomeação ou à conservação do cargo”,54 cabendo ao juiz
escolher alguém da sua confiança.
Prestação de contas
9.2
Ao ser substituído, o administrador judicial deixará de exercer todas as competências que lhe eram atribuídas. Assim, ele deixará de fiscalizar o devedor na recuperação judicial e deixará de administrar a massa falida. Em todo caso, ele deverá dar ciência a todos os interessados do que já foi realizado.
Na recuperação judicial, o administrador substituído irá apresentar, para juntada aos autos, o relatório mensal das atividades do devedor até o momento. Além disso, acreditamos que ele deverá apresentar um relatório parcial sobre o cumprimento do plano de recuperação e uma prestação de contas.
Na falência, o administrador substituído também deverá prestar contas da sua gestão. Nesta situação, ele deve entregar ao seu substituto todos os bens e documentos da massa em seu poder, sob pena de responsabilidade. A eventual desobediência a esses prazos obrigará o administrador judicial a prestar contas no prazo de 5 dias, após a sua intimação, sob pena de configuração do crime de desobediência. Em todo caso, ele deverá entregar ao seu substituto todos os bens e documentos da massa falida que estejam em seu poder. Em todo caso, a prestação de contas deverá ocorrer no prazo de 30 dias, na medida em que a menção a administrador substituído no artigo 31, § 2o, da Lei no 11.101/2005 representa um equívoco de redação, devendo ser interpretado para os casos de destituição, tendo em vista a matéria tratada no artigo. Tal interpretação não significa que o administrador substituído na falência não tenha que prestar contas, pois há expressamente o dever de prestar contas também nos casos de substituição, nos termos do artigo 22, III, r, da Lei no 11.101/2005. Todavia,
nesses casos, o prazo será de 30 dias, fixado no caput do artigo 154 da Lei no
11.101/2005, e não de 10 dias. A maior parte da doutrina entende, porém, que o prazo para prestação de contas na substituição é de 10 dias.55
Remuneração
A princípio, o administrador substituído fará jus à remuneração proporcional aos serviços desempenhados. A Lei no 11.101/2005 (art. 24, § 3o), contudo,
afirma que, se a substituição ocorre em razão de renúncia sem relevante razão de direito, não haverá direito à remuneração, nem mesmo proporcional. Dessa forma, apenas na renúncia justificada haveria direito à remuneração proporcional.56 A renúncia imotivada representaria “um desrespeito à Justiça e à
coletividade de credores”.57 Fábio Ulhoa Coelho chega a afirmar que a renúncia
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10.1
dessa linha de interpretação, seria o caso inclusive de devolução dos valores já recebidos.59
Gladston Mamede afirma que tal dispositivo é inconstitucional porquanto inviabilizaria a renúncia imotivada, em afronta à inviolabilidade da intimidade e à liberdade de expressão (CF/88 – art. 5o, IV e XIII). Ele assevera ainda que a não
atribuição de remuneração neste caso também seria inconstitucional por desconsiderar o valor social do trabalho (CF/88 – art. 1o, IV) e o próprio direito
de propriedade e sua função social (CF/88 – art. 5o, XXII e XXIII).60 Sem falar
em inconstitucionalidade, Alfredo de Assis Gonçalves Neto também considera excessiva tal sanção, especialmente porque as obrigações do administrador judicial são obrigações de meio e não de resultado.61
A nosso ver, a renúncia imotivada se insere na liberdade do administrador judicial, configurando uma hipótese de substituição e não de destituição. Neste caso, acreditamos, porém, que a remuneração não será devida pela própria determinação legal nesse sentido (Lei no 11.101/2005 – art. 24, § 3o). Não
vislumbramos qualquer inconstitucionalidade nesse dispositivo, mas apenas a intenção de evitar aventuras no exercício do cargo de administrador judicial. Tratase de um múnus e um ônus62 que devem ser devidamente cumpridos, para que haja a contraprestação. Não se retira a liberdade de renúncia, apenas se retira a remuneração daquele que assumiu o cargo e renunciou sem motivo.