Qualquer que seja a natureza da recuperação judicial, não há dúvida de que sua concessão depende da intervenção do Poder Judiciário. Tal intervenção, que não pode ocorrer de ofício, dependerá de provocação dos interessados por meio de uma ação. O exercício dessa ação é condição imprescindível para se obter a solução da crise empresarial. Ela representará, em última análise, o pedido de recuperação judicial.
Tratase de uma ação predominantemente constitutiva positiva,1 na medida
em que ela visará a ajustar a situação jurídica do devedor em crise, isto é, caso o pedido seja acolhido, ela irá modificar as relações jurídicas do devedor. Mesmo aqueles que, como nós, reconhecem um acordo na recuperação judicial vislumbram nesse pedido uma ação constitutiva positiva, no sentido de que, uma vez concluído o acordo, haverá a modificação da situação jurídica do devedor.
Essa ação será ajuizada perante o juízo do principal estabelecimento do devedor em crise e seguirá um rito especial constante da Lei no 11.101/2005.
Inicialmente, é fundamental identificar as condições necessárias para se propor a ação, bem como as peculiaridades referentes à legitimidade e à petição inicial e sua instrução. A propositura da ação e o despacho do juiz que defere o processamento da recuperação judicial integram a chamada fase postulatória.2
2
1. 2. 3. 4. 5.Requisitos específicos
A princípio, a recuperação judicial aplicase aos empresários e sociedades empresárias em geral. Todavia, a própria Lei no 11.101/2005, em seu artigo 2o,
exclui algumas pessoas dos efeitos da lei como um todo e, consequentemente, da recuperação judicial.
Assim, não podem requerer recuperação judicial as empresas públicas, as sociedades de economia mista, as instituições financeiras, as cooperativas de crédito, as administradoras de consórcio, as entidades de previdência complementar, as sociedades operadoras de planos de assistência à saúde, as seguradoras, as sociedades de capitalização e outras entidades legalmente equiparadas às anteriores. Além disso, todos os impedidos de pedir concordata pela legislação especial ficam impedidos de lançar mão da recuperação judicial (art. 198 da Lei no 11.101/2005), ressalvadas as empresas de aviação comercial
que, embora impedidas de pedir concordata, estão expressamente autorizadas a lançar mão da recuperação judicial e extrajudicial (art. 199 da Lei no
11.101/2005).
Pelo exposto, vêse que os empresários que não se enquadrem nas exclusões são abrangidos pela recuperação judicial. Todavia, para que esses empresários possam formular o pedido de recuperação, eles deverão cumprir uma série de requisitos específicos. Tais requisitos são exigidos como sinais de que o pedido de recuperação é sério e poderá ter viabilidade para efetivamente atingir sua finalidade, no sentido da recuperação da empresa.
Na reforma de 2006 do direito falimentar italiano, passaram a ser exigidos apenas dois requisitos: a condição de empresário e o estado de crise, sem maiores especificações.3 No Brasil, de forma similar ao regime anterior na Itália, são
exigidos diversos requisitos específicos e cumulativos4 para o pedido de
recuperação judicial, a saber:
Exercício regular das atividades há mais de dois anos.
Não ser falido ou, se falido, que suas obrigações já tenham sido extintas.
Não ter obtido recuperação judicial há menos de 5 anos.
Não ter obtido recuperação judicial, com base em plano especial, há menos de 5 anos.
Não ter sido condenado por crime falimentar, nem ter como sócio controlador ou administrador pessoa condenada por crime falimentar.
2.1
Exercício regular da atividade há mais de dois anos
O primeiro requisito específico para que o empresário possa ter sua recuperação judicial requerida é o exercício regular da atividade empresarial há mais de dois anos. Tal exercício será comprovado mediante certidão da junta comercial, que pode ser elidida por prova em contrário.5 Analisando esse
requisito, podemos ver que ele é composto de três elementos: o exercício da atividade, a regularidade desse exercício e a permanência da atividade há pelo menos dois anos.
Inicialmente o empresário deve estar no exercício da atividade, isto é, não pode estar parado. A recuperação judicial visa a preservar a empresa que está em funcionamento e não a reativar empresários inativos. Aqueles que não estão mais em funcionamento não justificam a intervenção estatal por meio da recuperação judicial. Sem o exercício da atividade não há empresa, se não há empresa não há o que preservar.6
Além do exercício efetivo da atividade, exigese que tal exercício seja regular, isto é, exigese que o empresário não seja impedido e cumpra as obrigações legais impostas a ele, no que tange a sua constituição e funcionamento.7 Não se pode premiar ou proteger empresários irregulares, isto é,
que não cumpram suas obrigações.8 Assim, é essencial para o pedido de
recuperação judicial que o empresário esteja regularmente registrado, que mantenha sua escrituração contábil regular9 e que elabore as demonstrações
contábeis exigidas pela legislação. Em outras palavras, o empresário deve atender as obrigações decorrentes do regime jurídico empresarial,10 que lhe é imposto
para gozar de certos benefícios, como o acesso à recuperação judicial.
Em razão da necessidade da regularidade do exercício da empresa é que as sociedades em comum e os empresários individuais de fato não têm acesso à recuperação judicial. Tais sujeitos, embora sejam empresários, a princípio abrangidos pela recuperação, não conseguem preencher o requisito do exercício regular da atividade, na medida em que eles não são sequer registrados na junta comercial. Desse modo, incentivase o exercício regular e formal da atividade, pois sem ele a recuperação judicial é inacessível. Exigese mais, isto é, exigese que o exercício regular seja na mesma atividade ou em atividade correlata àquela que se pretende recuperar. O STJ afirma que “para o processamento da recuperação judicial, a Lei, em seu art. 48, não exige somente a regularidade no exercício da atividade, mas também o exercício por mais de dois anos, devendo
2.2
se entender tratarse da prática, no lapso temporal, da mesma atividade (ou de correlata) que se pretende recuperar”.11
Esse exercício regular da atividade deve ocorrer há mais de dois anos, para que se possa pedir a recuperação judicial. Tal prazo tem por objetivo aferir a seriedade do exercício da empresa, a sua relevância para a economia e especialmente a viabilidade da sua continuação. Apenas em relação a empresas sérias, relevantes e viáveis é que se justifica o sacrifício dos credores em uma recuperação judicial. Uma empresa exercida há menos de dois anos ainda não possui relevância para a economia que justifique a recuperação.12
Ademais, o exercício da empresa há menos de dois anos com necessidade de uso da recuperação judicial é uma atividade inviável, sob o ponto de vista da legislação.13 Prova disso é a estatística em relação às unidades criadas entre 2001
e 2005 no Estado de São Paulo. No primeiro ano de vida, cerca de 27% das empresas não sobreviveram e, após dois anos de criação, 38% das empresas já estavam com as portas fechadas, conforme se depreende do gráfico abaixo: