A quase totalidade dos pedidos de falência, de recuperação judicial e de homologação de recuperação extrajudicial é realizada por empresários brasileiros, isto é, empresários constituídos de acordo com as leis brasileiras e com sede no país. Para tais pedidos, formulados pelos empresários brasileiros, o foro competente é o do local do principal estabelecimento.
Caso o empresário exerça a atividade em um único local, o principal estabelecimento será o próprio lugar do exercício da atividade. Todavia, caso a atividade seja exercida em diversas localidades, surge a dúvida sobre qual seria o principal estabelecimento. A Lei não dá parâmetros claros para essa definição, gerando, assim, uma série de opiniões.
Gladston Mamede afirma que não há uma solução única para identificar o principal estabelecimento, devendose analisar caso a caso qual será o mais importante para o empresário.80 No regime da lei anterior que tinha o mesmo
dispositivo, Jorge Pereira Andrade preferia entender o principal estabelecimento como a sede contratual, na medida em que em tal lugar se encontraria o empresário para a citação.81 Silva Pacheco, já no regime atual, também reconhece
como juízo competente aquele da sede contratual, afirmando que “principal estabelecimento é aquele constante do respectivo registro”.82 Júlio Kahan Mandel
critica a redação da Lei e afirma que o melhor seria definir a competência pela sede contratual no ano anterior ao pedido, o que dificultaria eventuais fraudes.83
Afastando a ideia da sede como principal estabelecimento,84 alguns autores
entendem que o principal estabelecimento é aquele de mais importância econômica,85 o de maior movimento, o que permitiria a captação de mais bens na
Barreto Filho, o principal estabelecimento é “aquele em que o comerciante exerce maior atividade mercantil e que, portanto, é mais expressivo em termos patrimoniais”.86 De modo similar, Fábio Ulhoa Coelho afirma que o principal
estabelecimento é “o mais importante do ponto de vista econômico”.87
De outro lado, há quem sustente que o principal estabelecimento não tem a ver com a importância econômica, mas com o comando administrativo dos negócios,88 permitindo uma fiscalização mais próxima dos atos de gestão do
devedor. Ele seria o local onde a sua atividade se mantém centralizada, daí irradiando a direção de todos os seus negócios e o governo de todas as suas operações profissionais. Em outras palavras, “o local onde se fixa a chefia da empresa, onde efetivamente atua o empresário no governo ou no comando de seus negócios, de onde emanam as ordens e instruções, em que se procedem as operações comerciais e financeiras de maior vulto e em massa, onde se encontre a contabilidade geral”.89 Em síntese, o principal estabelecimento é “o local onde o
devedor comanda, dirige, administra seus negócios, ou seja, a sede da administração”.90
Na jurisprudência, a orientação na lei anterior, que possuía praticamente a mesma redação, era no sentido de reconhecer como principal estabelecimento a sede administrativa, isto é, o local do comando dos negócios.91 Em um caso
importante, envolvendo o pedido de Concordata das Fazendas Reunidas Boi Gordo S.A., o STJ deparou com um conflito de competência entre a justiça da comarca de Comodoro – MT, onde a atividade pecuária era exercida pelo devedor, e a justiça de São Paulo, de onde emanava o comando administrativo da sociedade. Solucionando o conflito, o STJ decidiu pela competência da justiça paulista, reconhecendo como principal estabelecimento o centro administrativo.92
Em 2012, o STJ dá um sinal de mudança de interpretação afirmando que “A competência para apreciar pedido de recuperação judicial de grupo de empresas com sedes em comarcas distintas, caso existente pedido anterior de falência ajuizado em face de uma delas, é a do local em que se encontra o principal estabelecimento da empresa contra a qual foi ajuizada a falência, ainda que esse pedido tenha sido apresentado em local diverso.”93
A nosso ver, por mais impreciso que seja o termo, é aconselhável interpretá lo para se chegar a uma definição do que venha a ser o principal estabelecimento. Também não acreditamos que a sede contratual ou estatutária seja a melhor interpretação para o principal estabelecimento, na medida em que, se a Lei quisesse falar da sede, usaria esse termo mais presente na legislação. Ademais,
4.2
tal interpretação permitiria que sujeitos de máfé afastassem o foro competente, inviabilizando a atuação mais próxima dos credores no processo e, com isso, desvirtuando o funcionamento dos processos referentes às crises da empresa.94
Afastada a ideia da sede do registro como principal estabelecimento, restam duas interpretações possíveis: o local de maior volume econômico e o local do comando administrativo. Embora reconheçamos que a jurisprudência tem praticamente pacificada a interpretação da sede administrativa, acreditamos que a melhor interpretação é a que enquadra o principal estabelecimento como o de maior volume econômico.
O local de maior movimentação econômica é provavelmente o local onde serão realizados mais negócios e onde o devedor terá mais bens. Em razão disso, em prol da efetividade dos processos de falência e recuperação judicial ou extrajudicial, esse deve ser o foro competente. Na falência, tal foro permitirá a melhor e mais ágil arrecadação de bens para o pagamento dos credores. Na recuperação judicial ou extrajudicial, o maior volume de credores estaria centralizado nesse lugar e, por isso, poderia se manifestar no processo.
No caso de encerramento das atividades, ainda será possível o pedido de falência, mas não será possível aferir qual é o principal estabelecimento. Em razão disso, o foro competente deverá ser o da última sede constante do registro, na medida em que esta seja uma fonte segura para fixar a competência.95