Também constará obrigatoriamente da decisão que defere o processamento da recuperação judicial a determinação da suspensão das ações e execuções contra o devedor, a chamada automatic stay do direito americano.8 Tal suspensão visa a
dar algum fôlego9 para que ele possa concentrar seus esforços na negociação do
plano de recuperação. A medida visa a beneficiar somente o próprio devedor; havendo outros réus nas ações ou execuções, os processos continuarão em relação a estes.10 A ideia é manter a situação econômicofinanceira do devedor, enquanto
ele tenta se reorganizar.11
Como o objetivo é resguardar o devedor que pediu a recuperação judicial, eventuais codevedores solidários ou mesmo sócios atingidos pela desconsideração da personalidade jurídica não se beneficiam de tal suspensão. O art. 49, § 1o, da
judicial conservam seus direitos e privilégios contra os coobrigados, fiadores e obrigados de regresso” que, por isso, não podem se beneficiar dessa suspensão.12
Nos processos contra o próprio devedor, os atos já praticados nos processos serão mantidos, mas novos atos não poderão ser praticados, salvo os urgentes (novo CPC – art. 314). Assim, sem a movimentação de processos, não ocorrerão penhoras, sequestros, arrestos ou atos de expropriação dos bens do devedor e, dessa forma, ele poderá ter um início tranquilo de recuperação.13 Mesmo as novas
ações eventualmente ajuizadas também serão suspensas, uma vez que a lei fala em ações e execuções contra o devedor (Lei no 11.101/2005 – art. 6o) e não apenas
em ações e execuções em curso. O objetivo é assegurar ao devedor o controle dos seus ativos.14
Além de dar fôlego ao devedor, a suspensão em questão visa a resguardar a própria atuação dos juízes, na medida em que a recuperação poderá alterar as condições das obrigações do devedor. Ora, se as condições são alteradas, pode ocorrer que uma obrigação passe a ser exigível apenas no futuro e, por isso, não possa ser executada. Assim, permitir o trâmite de tal execução seria inócuo. Justamente por isso, as ações referentes a relações jurídicas posteriores não são atingidas pela suspensão,15 pois, como os créditos posteriores ao pedido de
recuperação não se sujeitam a ela, não há risco de alteração das suas condições. Ademais, a suspensão também impedirá a quebra da igualdade entre os credores, pois, se não houvesse a suspensão, alguns receberiam o valor do seu crédito e outros não, sem se levar em contra a prioridade dada a cada credor. Com a suspensão, impedese esse tratamento desigual e passa a ser possível formar uma massa de credores, que se manifestarão de forma conjunta sobre o plano de recuperação judicial. Ora, se as ações não podem prosseguir, obviamente os credores não podem exigir do devedor o pagamento das obrigações anteriores à recuperação, como expressamente estabelecido no direito francês.16
O interesse do devedor em tal suspensão é patente e, por isso, a Lei diz que compete a ele comunicar aos respectivos juízos o deferimento do processamento da recuperação judicial e a consequente suspensão das ações. Essa comunicação deverá ser acompanhada da prova da publicação da decisão que defere o processamento da recuperação, porquanto é dessa publicação que se contará a suspensão. Apesar da necessidade de comunicação, é claro que a suspensão produz efeitos desde o deferimento do processamento da recuperação, pois a comunicação não é constitutiva da suspensão.17 A eventual demora na
3.3.1
perdas e danos. No direito americano, a suspensão começa no dia do ajuizamento e, mesmo que não seja comunicada, já produz efeitos a partir desse dia.18
Registrese, porém, que tal suspensão não afasta as inscrições em cadastros de inadimplentes, pois a dívida ainda existe, ainda é exigível, mas apenas tem sua execução suspensa (Enunciado 54 da I Jornada de Direito Comercial).
Em todo caso, a suspensão abrange apenas as ações e execuções contra o próprio devedor. Terceiros garantidores, sócios ou quaisquer outros codevedores não são atingidos pela suspensão que se limita ao próprio devedor, nos termos da súmula 581 do STJ.
Prazo
A proteção dada ao devedor não pode significar um sacrifício desarrazoado para os credores e, por isso, a suspensão não pode ser permanente. Ela será limitada a no máximo 180 dias, contados da publicação da decisão que defere o processamento. Dentro desse prazo, em tese, já deve ter sido concluída a fase deliberativa, concedendose a recuperação ou decretandose a falência, vale dizer, dentro de tal prazo o devedor já deve solucionar suas relações com os credores. Caso a situação do devedor seja solucionada antes dos 180 dias, pela aprovação do plano de recuperação, cessa a suspensão das ações e execuções. Todavia, nem sempre a solução da situação do devedor ocorrerá dentro dos 180 dias; apesar disso, tal prazo é improrrogável, ou seja, a suspensão não pode ultrapassálo em nenhuma hipótese. Mesmo que a negociação dure mais tempo, a suspensão ficará restrita aos 180 dias. Apenas a título exemplificativo, no caso da BRA, a decisão que deferiu o processamento foi proferida em 30/11/2007, mas o plano de recuperação só foi aprovado em 29/8/2008, ou seja, após o prazo de 180 dias. Apesar disso, a suspensão durou apenas 180 dias e as ações voltaram a correr a partir do termo final do prazo, independentemente de nova determinação judicial. Em casos excepcionais, a jurisprudência19 tem admitido a extensão desse
prazo, em prol do princípio da preservação da empresa. A propósito, o STJ já afirmou que: “Em homenagem ao princípio da continuidade da sociedade empresarial, o simples decurso do prazo de 180 (cento e oitenta) dias entre o deferimento e a aprovação do plano de recuperação judicial não enseja retomada das execuções individuais quando à pessoa jurídica, ou seus sócios e administradores, não se atribui a causa da demora.”20
3.3.2
3.3.2.1
3.3.2.2
Exceções
A suspensão das ações e execuções é estabelecida de forma genérica, abrangendo ações e execuções em face do devedor (Lei no 11.101/2005 – art. 6o).
Em face dessa regra, seria factível concluir que todas as ações são suspensas. Todavia, a própria lei estabelece algumas exceções, isto é, define ações e execuções que não serão suspensas pelo deferimento do processamento da recuperação judicial.