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Capítulo 3 – Manoel Urbano da Encarnação, “um mulato de pouca instrução e de

3.4 Manoel Urbano como interlocutor do jovem William James

Antes da expedição Thayer zarpar rumo ao vizinho gigante do Sul, Louis Agassiz abriu vagas para estudantes da Universidade de Harvard que quisessem acompanhar os trabalhos da incursão. Segundo Maria Helena P. T. Machado, o naturalista admitiu coletores voluntários, grupo formado por jovens oriundos de famílias ricas de Boston, que objetivavam seguir os passos da célebre expedição. Os pais e parentes

282 A expedição teve o desígnio de explorar várias partes do território brasileiro em busca de indícios das

últimas glaciações, para tentar confirmar a teoria poligenista de Agassiz, que acreditava que os seres humanos descendiam de “troncos” diferentes, de distintas “raças” criadas por Deus. Tal teoria se opunha frontalmente ao evolucionismo defendido por Charles Darwin. A expedição foi batizada com o nome “Thayer” tendo como inspiração o sobrenome de um dos entusiastas e financiadores da empreitada científica, o rico empresário yankee Nathaniel Thayer. Cf. MACHADO, Maria Helena P. T. O Brasil no olhar de William James: cartas, diários e desenhos (1865-1866). São Paulo: EDUSP, 2010.

181 próximos dos estudantes financiaram a viagem. Os coletores seriam responsáveis por levantar amostras de rochas, vegetais e animais, posteriormente estudados no Museu de Cambridge. O engajamento dos alunos economicamente afortunados seguia tendências da época, que “prescreviam como etapa de formação dos jovens das famílias de elite a exposição em viagens e terras selvagens”283. William James, estudante de medicina de 23 anos que assistia palestras de Agassiz na universidade, foi um dos que tomou parte no grupo de coletores.

Durante sua estadia no Brasil, James produziu um diário e remeteu inúmeras cartas para sua família, que foram organizadas e traduzidas por Maria Helena P. T. Machado. A documentação compulsada pela autora guarda inúmeras referências sobre a trajetória do futuro filósofo do pragmatismo284. O engajamento no projeto exploratório de Agassiz levou James à Amazônia. O jovem viajante descreveu jornadas de canoa, diálogos com indígenas, descrições de sítios na floresta, dentre outros detalhes arrolados em diversas passagens de seus escritos. Em outubro de 1865, James aportou em Manaus, cidade que abrigou a expedição Thayer durante empreitadas que singraram águas da mais nova unidade provincial do Império.

Com pouco tempo de estadia na cidade, James foi incumbido de fazer uma coleta de peixes num lago nas proximidades da localidade de Manacapuru, situada próxima do rio Solimões. O trabalho seria longo, assim como a travessia de canoa, que enfrentaria durante alguns dias as rápidas águas do maior rio amazônico. Para a viagem, Agassiz recomendou um famoso guia local, que James teria que encontrar alguns dias depois numa das praias do rio Negro.

O Prof. me disse ontem à noite que eu deverei embarcar numa canoa com um cavalheiro negro para uma lagoa abaixo daqui para pescar,

283 MACHADO, O Brasil no olhar de William James...op.cit. p. 24. Além de William James, o grupo de

auxiliares de Agassiz contava com Walter Hunnewell, Thomas Ward, Edward Copeland, Newton Dexter e Stephen Thayer, que provinham, segundo Machado, “de famílias de prestígio e fortuna de Boston”.

284 A filosofia do pragmatismo teve origem a partir de discussões de um conjunto de intelectuais norte-

americanos de Cambridge nos anos 1870, entre os quais se incluía William James, Charles Pierce Oliver Wendell Holmes Jr e Nicholas Saint John Green. O grupo se reunia periodicamente no chamado “The methaphysical Club”. Sua ideia central se constituía na instrumentalização do pensamento em demanda de desdobramentos práticos, colocando em causa problemáticas metafísicas desligadas da concretude das agruras humanas. A filosofia do pragmatismo, a partir do olhar de James, ganhou notoriedade em sua vertente humanista como uma espécie de “filosofia da ação” e influenciou diversos outros estudiosos, notadamente na psicologia norte-americana (área de atuação de William James). Sobre o pragmatismo conferir: JAMES, William. Pragmatismo e outros textos. São Paulo: Abril Cultural, 1985; DO NASCIMENTO, Edna Maria Magalhães. Dewey e Rorty: da metafísica empírica à metafísica da cultura. Tese de doutorado em Filosofia, UFMG, 2012.

182 enquanto ele seguirá no pavorosamente desconfortável navio de guerra que o governo cedeu para que ele suba o Purus. Sairei no dia 9 ou 10, suponho que durará quinze dias285.

James foi encarregado de contatar Manoel Urbano da Encarnação, descrito como o “cavalheiro negro”, que seria seu guia e companheiro de viagem nas próximas semanas. A indicação do experimentado regatão tinha relação com os sucessos alcançados por Urbano nos últimos anos, que havia acabado de voltar de uma longa expedição ao rio Ituxi, além de figurar como o principal interlocutor do geógrafo William Chandless. Outro ponto que aproximava Urbano do grupo de estrangeiros era a presença do engenheiro militar João Martins da Silva Coutinho em Manaus, perfilado entre as autoridades brasileiras que vinham auxiliando a expedição Thayer em suas rotas pela Amazônia. Coutinho já conhecia Manoel Urbano há vários anos, tendo sido, inclusive, orientado pelo “cavalheiro negro” em explorações pelo interior do Amazonas no início da década de 1860.

Cumpre notar que a incursão de Agassiz, assim como de outros viajantes, aproveitava as possibilidades abertas pela frente de expansão em curso. Além do aparato logístico, como vapores e outras facilidades, também se valiam do contato com intermediários locais e seus saberes. Manoel Urbano era um desses personagens, que conhecia bem a ambiência exploratória que vinha se desenhando no Amazonas, encarnando o papel de guia dos interesses científicos estrangeiros e a floresta.

Quando William James foi encontrar seu guia, este se achava junto com o “Major” Coutinho, que estava deitado numa rede, aparentemente combalido por alguma doença. Urbano já havia preparado a montaria para o percurso até seu sítio em Manacapuru, tendo posicionado a embarcação numa das praias do rio Negro, aguardando a chegada de James. Ao que consta em seus escritos, a grande quantidade de bagagens excedia a capacidade da pequena canoa. Por isso, Urbano teve que solicitar a Coutinho que escrevesse ao Chefe de Polícia para que este arranjasse uma segunda montaria. Como se vê, a articulação da viagem, inclusive no que tange à intercessão de autoridades, fora manejada por Urbano.

Desta forma eu fui e encontrei o major deitado em sua rede, aparentemente muito adoentado, com o Signor Urbano. Um cafuzo bem-apessoado, com muito mais sangue negro do que índio, de mais de 60 anos, vestido em um terno brilhante de alpaca preta. Eu não consegui

183 tirar de Coutinho se ele havia de ser meu anfitrião ou apenas meu piloto, mas entendi que ele havia de me levar até sua casa, distante 3 dias de canoa Solimões acima e de lá eu deveria seguir sozinho, com alguns índios, em direção ao lago Manacapuru para pescar. Prof. disse que não entendia nada do assunto e que eu deveria combinar tudo com o major e o cavalheiro.

Desta forma eu desci para a praia com este último que tinha, eu descobri, um companheiro tão marrom quanto um índio, mas pelas feições parecia ser um branco, para examinar sua canoa. Eu a achei excessivamente pequena, dificilmente poderia carregar qualquer das minhas bagagens. Seu U. subiu de novo para falar com o major para fazê-lo escrever ao chefe de polícia requisitando outra montaria, enquanto isso eu voltei para casa286.

Manoel Urbano foi descrito como um cafuzo bem vestido. O destaque da cor/raça também aparece na descrição do ajudante de Urbano, classificado como “marrom”, mas com feições de “branco”. Nos comentários do estudante, a cor da pele precedia outras denominações físicas. A percepção de James passava pelo crivo de estranhamentos diante de pessoas “diferentes”, sem necessariamente flertar com juízos depreciativos. Nesse ponto, o pupilo destoava do pensamento de seu mestre.

O naturalista Louis Agassiz tinha estreitas relações com discussões científicas sobre teorias de degeneração pelo hibridismo de “raças”, que asseguravam que pessoas mestiças eram inferiores moral e intelectualmente. Agassiz seguia de perto expoentes do pensamento racialista do século XIX, como o francês Georges Cuvier que, como assevera Luciana Brito, teve grande influência entre intelectuais que apregoavam o racismo científico nos Estados Unidos287.

Nesse ensejo, além das coletas de animais, minerais e plantas, a expedição Thayer vinha fotografando pessoas que supostamente eram “exemplares” de raças puras e mistas. Como destaca Maria Helena P. T. Machado, vários moradores de Manaus foram fotografados, preferencialmente mulheres, com o objetivo de serem utilizadas como exemplos de raças “puras” ou como modelos malsucedidos do hibridismo. Tudo isso

286 JAMES, William. In MACHADO, O Brasil no olhar de William James... op.cit. p. 149

287 BRITO, Luciana da Cruz. Impressões Norte-Americanas sobre escravidão, abolição e relações raciais

184 aconteceu no mesmo mês em que James encontrou Manoel Urbano, em novembro de 1865288.

Imagem 4 – Fotografias de mulheres em Manaus, novembro de 1865

Fonte: Coleção de Fotografias de Louis Agassiz, série raças mistas. As imagens em destaque encontram-se entre os anexos do livro organizado por Machado e Huber.

De acordo com reflexões de John Monteiro, “as condições que circundam a composição dessas imagens ensejam sérias questões a respeito do consentimento dos modelos, que posaram nus e seminus, situando as imagens numa região incômoda entre a fotografia científica e erótica”289. As fotografias foram tiradas de maneira improvisada por Walter Hunnewell, outro dos estudantes do grupo de Agassiz. Os envolvidos na

288 Cf. MONTEIRO, John M. As mãos machadas do Sr. Hunnewell. In. MACHADO, Maria Helena P. T.

e HUBER, Sasha (org) (T)races of Louis Agassiz: photography, body and Science, yesterday and today / Rastros e raças de Louis Agassiz: fotografia, corpo e ciência, ontem e hoje. São Paulo: Capacete, 2010.

289 MONTEIRO, John M. As mãos machadas do Sr. Hunnewell. In. MACHADO, Maria Helena P. T. e

185 sessão de fotos estavam abrigados numa casa em ruínas, que o deputado alagoano Tavares Bastos ironicamente classificou como Bureau d´ Antropologie. Bastos, em diálogo com James, deixou entrever que a situação do Studio fotográfico, cheio de mulheres despidas, podia ir além de seu caráter pretensamente científico.

O futuro filósofo do pragmatismo não demonstrou em seu diário concordância com as justificativas do ensaio fotográfico. Ao que consta, sem compactuar com o procedimento de seus pares, James voltou a ocupar-se na organização de sua viagem de coleta ao lado de Manoel Urbano, que, ao que consta, não foi convidado para a sessão de fotos. Conquanto fosse um representante das “raças” mistas, Urbano não teve participação no Studio, sendo incumbido somente de guiar a viagem de James. Talvez o negociante “de cor” não se encaixasse no perfil “específico” buscado no evento secreto do Bureau d´Antropologie.

No mesmo dia em que visitou o Studio fotográfico, James registrou detalhes da organização de sua incursão com Urbano, discorrendo sobre a chegada das provisões e posicionando algumas dúvidas sobre o papel do guia na empreitada.

10 de novembro (1865)

As mercadorias chegaram pela manhã. Mosquiteiro, uma caixa de biscoito salgado, farinha, pirarucu, café, açúcar, sardinhas, ervilhas em lata, víveres diversos, cachaça, cerveja, etc. Eu não sei se terei que alimentar o velho cavalheiro de cor ou não. Pela manhã ele veio à casa e despachou os barris: um grande, cheio; 2 pequenos, cheios; e 6 pequenos, vazios; e outras coisas, para o barco, e disse que o melhor seria que partíssemos às 4 horas da tarde (...). Eu subi e encontrei Coutinho que me disse que meu companheiro havia de me acompanhar na pescaria e ficar comigo o tempo inteiro. Fiquei um tanto contrariado, porque, apesar de supor que passarei melhor em termos materiais e trabalharei mais, não poderei ficar tão independente, e receio à necessidade de ter que usar meu português por tantos dias. Além disso, o negro velho me parece rígido e estranho(...).290.

A atuação de Urbano, mais uma vez, adequava-se ao perfil de intermediário, sendo classificado pelo viajante como um velho negro “rígido e estranho”. Além de temer o ar severo do companheiro de viagem, o jovem estudante da Harvard receava pelo uso de seus ralos conhecimentos da língua portuguesa, que deveriam ser acionados nos inevitáveis diálogos com seu anfitrião na viagem Solimões acima.

186 Na hora marcada, foi iniciada a acomodação das bagagens em duas canoas, incluso àquela cedida pelo Chefe de Polícia ao guia de cor. A tripulação, comandada por Urbano, contava com mais 5 pessoas, sendo quatro índios e o ajudante “marrom” do famoso regatão. No raiar do dia, o grupo já atravessava a foz do rio Negro em demanda do Solimões. Durante o percurso, os membros da incursão foram tecendo conversações, permitindo a James desatar nós de alteridade. O jovem estudante, que inicialmente resistia à conjuntura da viagem, passou a descrever no diário seus colegas de equipagem como “excelentes, robustos camaradas e perfeitos cavalheiros”.

William James foi paulatinamente mudando sua leitura sobre o grupo e deixou registrada por diversas vezes sua admiração quanto à polidez de seus companheiros de viagem. Depois das primeiras experiências na canoa, até mesmo sua visão de Manoel Urbano ganhou novos tons. Se antes o estrangeiro temia o contato com seu anfitrião, no decorrer da travessia os dois se aproximaram ao ponto de se tornarem amigos. Os diálogos com o “cavalheiro de cor” tomaram boa parte dos comentários de James sobre a incursão de coleta. Um dos pontos de maior destaque diz respeito ao convite feito por Urbano a James, indagando se o estudante gostaria de acompanhá-lo em um de seus giros comerciais pelo Purus, convidando-o para conhecer sua feitoria no rio. A faceta do hábil negociante aparecia diante da oportunidade de firmar uma parceria comercial com William James. Segundo o registro do jovem viajante, Urbano se colocou à disposição para abrir uma espécie de sociedade. A ideia consistia em iniciar James nos misteres dos negócios dos sertões, propondo que o estudante fosse ao Pará comprar um grande sortimento de mercadorias importadas e depois regressasse ao Amazonas para reencontrar Urbano. Para o afamado mascate fluvial, James poderia se tornar um fornecedor de quinquilharias, auxiliando em seus giros comerciais pelo Purus. Assim, munidos de produtos cobiçados pelos habitantes do interior, ambos poderiam alcançar rendosos lucros.

O Sr. U. é o mais engraçado e inteligente tipo de velho camarada. Ele quase imediatamente propôs que fosse para sua casa em janeiro e voltasse em maio ao Pará e de lá para Manáos, com uma carga grande de mercadorias americanas, roupas, facas, etc. Ele aí me esperaria e nós iríamos juntos para sua feitoria no Purus. Em dezembro, eu iria novamente para casa com um grande carregamento de borracha, o qual eu venderia com grandes lucros. Enquanto conversávamos, a aurora

187 triste e solene começou a despontar, mostrando a mata, revelando-se, revelando-se (sic), como numa pintura291.

O amanhecer do dia no Solimões serviu de pano de fundo para a situação de barganha encetada entre o regatão e o viajante. Atento aos movimentos comerciais e aos preços das drogas da floresta, Urbano tentava atrair o estrangeiro com a promessa de conseguir um grande carregamento de látex, que James poderia vender após seu regresso aos Estados Unidos. Cumpre notar que a feitoria de Urbano no Purus aparece no relato como uma espécie de protótipo das “colocações” ou estabelecimento de exploração de borracha que tomariam os altos rios amazônicos durante o Boom gumífero. Manoel Urbano, ciente da tendência de valorização da borracha, abria para James sua leitura sobre a economia local, que tinha no látex uma crescente fonte de dividendos.

As conversas e a viagem continuaram durante toda a manhã sem atribulações. Os planos de Urbano pareciam mexer com os brios do estrangeiro, que advinha de um país onde o ideário da aventura e do arrojo exploratório vinham ocupando grande contingente de homens jovens, envolvidos na “corrida” rumo ao oeste da América do Norte. Nesse sentido, a Amazônia e seus ricos seringais poderiam figurar como alternativa à rica Califórnia. Ao que consta em seus escritos, James ouviu atentamente os planos do cavalheiro de cor, anotando no diário o que poderia ser uma aventura futura. Durante o percurso, além das conversas com Urbano, James presenciou uma interessante ocasião de negócios. Uma grande montaria, conduzida por sete mulheres indígenas, se aproximou do grupo de viajantes e iniciou alguns diálogos. A líder do grupo era uma velha índia, que fumava um cachimbo na proa e comandava a equipagem. James deixou registrado em seu diário que ficou encantado com o “tom polido das conversas entre seus amigos e a velha”. O jovem viajante não conseguiu captar todo o conteúdo dos diálogos, mas afirmou que discorriam sobre a Guerra do Paraguai. O membro da expedição Thayer não entendeu se “todos os seus homens haviam ido para a guerra ou se eles haviam ficado para trás com medo de serem enviados para guerra”. Ao fim das conversações, o grupo de mulheres vendeu algumas melancias aos viajantes e continuou seu percurso nas águas do Solimões292.

291 JAMES, William. In MACHADO,. O Brasil no olhar de William James... op.cit. p.152 - 153. 292 JAMES, William. In MACHADO. O Brasil no olhar de William James... op.cit. p. 153.

188 No mesmo dia do encontro com as mulheres indígenas, o grupo entrou num paranã, por onde navegaram até à noite. Nessa hora, James pontuou em seu diário que os “pernilongos começaram a cantar como um grande órgão de Boston”, causando enorme incômodo. O grupo pernoitou numa praia e no dia seguinte prosseguiu viagem em demanda do sítio de Manoel Urbano. Na rota, ainda pela manhã, pararam numa localidade habitada por um francês, chamado Sr. Roberto, já radicado há muitos anos nas barrancas do Solimões. Após os típicos e “polidos” cumprimentos, prosseguiram viagem e em duas horas chegaram ao sítio de Manoel Urbano, base para a expedição de coleta.

Mais duas horas a remo ao longo da margem chegamos ao sítio do meu anfitrião. Uma praia alta, soterrada por vegetação desordenada, bastante relva alta, bananas, papaias, tabaco, palmeiras espinhosas, um perfeito mar de vívido verde, mas havia floresta por 4 ou 5 acres, onde estavam dispostas as roças de mandioca. Oh, céus, como encontrar tempo ou palavras para descrever, para Billy Washburn ou quem quer que leia este, a fisionomia deste lugarzinho campestre. Primeiramente fomos para uma casinha, toda em palafita e folhas de palmeira, limpa e amarela como ouro. Eu me sentei numa rede. Havia duas velhas senhoras acocoradas, como só estas pessoas podem se acocorar (como se fossem esqueletos nus), sobre uma esteira, à frente da qual se encontrava uma rede meio tecida na sua moldura293.

O sítio de Urbano parecia a James uma excelente paragem, com muitas plantações e bem situado diante da floresta. A admiração do jovem foi anotada em 12 de novembro de 1865, dia em que provavelmente iniciou seu itinerário de coleta de peixes guiado por Urbano. Durante o período em que esteve trabalhando junto com seu anfitrião, James interrompeu a redação de suas memórias, que foram retomadas alguns dias depois num tom ainda mais elogioso voltado ao seu companheiro de viagem. Se antes Manoel Urbano lhe parecia um velho negro rígido e estranho, nesse momento ele havia se transformado num sujeito “talhado para ser amigo de qualquer homem que exista, não importando quão elevados seu berço e dote”294.

A notável empatia do futuro filósofo do pragmatismo para com Urbano era indicativa do traquejo do guia como agente intermediário. Sua lida com as encruzilhadas culturais da floresta nesse momento incluíam o manejo de demandas de cientistas sobre