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Capítulo 3 – Manoel Urbano da Encarnação, “um mulato de pouca instrução e de

3.2 Manoel Urbano e a Diretoria de Índios

Na Província do Amazonas, a atuação da Diretoria de Índios estava conectada com o deslocamento de fronteiras. Muitos negociantes, mesmo sendo alvos de recorrentes denúncias, posicionavam-se como protagonistas na “catechese”. O problema da escassez de religiosos era tema comum entre os reclames de autoridades, que demandavam a atuação de mais missionários para cobrir o enorme território. Como assevera Carlos de Araújo Moreira Neto, havia a problemática da “inoperância das normas de direito nas relações com indígenas”, piorada quando se tratava de áreas distantes do poder central, onde o alcance do Estado muitas vezes era precedido por agentes ligados à frente de expansão interna229.

Desde os primeiros anos após a criação da Província do Amazonas religiosos foram instados a assumir postos em aldeias pelo interior. Em 1854, o capuchinho Pier Paolo Crespi, mais conhecido como Frei Pedro de Ceriana, foi convidado para projetar e dirigir uma missão entre os indígenas do rio Purus. O Presidente da Província do Amazonas, Herculano Ferreira Pena, convocou o religioso por conta de sua experiência bem-sucedida no rio Andirá, onde aldeou centenas de Maué, arrefecendo conflitos e incrementando a economia local. Como resultado do desenvolvimento do aldeamento, o

150 povoado chegou a ser elevado à condição de Freguesia, chamada Nossa Senhora do Bom Socorro do Andirá, que contava à época com 1189 almas230.

Na coluna “Governo da Província” do jornal Estrella do Amazonas de 22 de julho de 1854 podem ser lidas as instruções feitas por Ferreira Pena ao capuchinho. A missão deveria ser assentada no Arimã, que na época já sediava empreendimentos de Manoel Urbano da Encarnação. No local deveria ser erigida uma capela sob o orago de São Luiz Gonzaga, que passaria também a nomear a aldeia. Como meio de sustentar seus catecúmenos, mais roças deveriam ser plantadas, configurando-se num dos primeiros trabalhos para os índios. A Tesouraria da Fazenda se responsabilizaria pelos “brindes” utilizados pelo religioso para atrair os nativos.

Frei Pedro de Ceriana automaticamente tornou-se o Diretor responsável pela área do Purus. A medida implicava no desligamento dos “Encarregados” leigos da catequese. Na ocasião, foram suspensos de suas funções Manoel Felix Gomes, Joaquim Bruno de Souza e Manoel Urbano da Encarnação, que deveriam forçosamente abrir espaço para a atuação do religioso, e também obedecer seus chamados e ordens, caso fossem requisitados.

Não demorou muito até a chegada do capuchinho em sua nova missão. Em 7 de outubro de 1854 circularam as primeiras notícias sobre o empreendimento, que se fixou num “sítio próximo da foz do Lago Jary, que reúne todas as condições de que depende a prosperidade de semelhantes estabelecimentos”231. As qualidades do local ganhavam destaque em função da presença de inúmeros indígenas previamente agrupados na área, “descidos” por Manoel Urbano antes da chegada do religioso.

Frei Pedro de Ceriana tentou viabilizar um fortalecimento da produção de alimentos, que tinha o objetivo de sustentar os neófitos e, ao mesmo tempo, propiciar condição para acelerar a construção da capela e das casas dos moradores da aldeia. As ações do religioso demandavam grande parte da força de trabalho disponível, item bastante disputado com àqueles que estavam sob as “ordens” do religioso, incluso Urbano. Além disso, burlando arranjos socioeconômicos pré-existentes, buscou negociar os excedentes produzidos com comerciantes que pagassem melhor, não necessariamente

230 LHIA. Estrela do Amazonas, 4 de maio de 1854, n.88, p.4 (digitalizado) 231 LHIA. Estrella do Amazonas, 7 de outubro de 1854, n.100, p.4. (digitalizado)

151 privilegiando os negociantes locais. O cenário de tensões estava posto, e o capuchinho paulatinamente foi ganhando a antipatia de seus “subordinados”.

Esse quadro pode ser comparado com o desenho de antigas contendas coloniais, formadas pelo eco das ações de régulos dos sertões que lutaram contra o “monopólio” de padres jesuítas, que acabariam expulsos do Estado do Grão-Pará no século XVIII. Pier Paolo Crespi não teve um destino muito diferente. Com menos de dois anos de funcionamento sua missão foi extinta. O Presidente João Pedro Dias Vieira assinou a exoneração do missionário em 21 de abril de 1856, publicando o documento no “Expediente do Governo” do Estrella do Amazonas232. Segundo Gunter Kroemer, que teve acesso a cartas escritas pelo próprio Frei, a rápida supressão dos esforços de catequese ocorreu devido “a uma série de calúnias dirigidas por regatões e comerciantes”233- entre os quais certamente estava Manoel Urbano.

Tudo leva a crer que a rarefeita resistência do clérigo na posição era indicativa da sua assimetria de poder ante os vínculos materiais e sociabilidades prévias existentes entre populações nativas e negociantes – e destes com o Estado. Conquanto estivessem inseridos em complicadas e violentas rotinas de contato, arranjos sociais locais poderiam ser mais atraentes aos nativos que a produção de alimentos e outras atividades tuteladas por religiosos. Mesmo enfrentando relações assimétricas, que favoreciam majoritariamente os exploradores, o engajamento econômico nos circuitos do extrativismo poderia abrir possibilidades de ganhos que ajudavam populações da floresta a burlar tentativas de controle advindas do poder central. Desse modo, o sucesso ou o ocaso de empreitadas de evangelização e catequese também estava relacionado com a capacidade de interagir com essas intricadas configurações econômicas da floresta, que se constituíam atreladas aos diversos desafios de alteridade vivenciados nos sertões amazônicos.

Manoel Urbano da Encarnação esteve nas linhas de frente desse processo. Suas agências como articulador do contato com indígenas no Purus lhe conferiram o papel de importante interlocutor da Diretoria de Índios. Mesmo na condição temporária de “encarregado” de Frei Pedro de Ceriana uniu as funções de negociante e catequizador, encaminhando notícias de seu trabalho junto aos indígenas para autoridades. Os registros

232 LHIA. Estrella do Amazonas, 28 de fevereiro de 1857, n.197, p.2 (digitalizado)

233 KROEMER, Gunter. Cuxiuara: o Purus dos indígenas. Ensaio Etno-histórico e Etnográfico sobre os

152 de sua atuação aparecem em diversos documentos da instituição que, embora fragmentários, fornecem pistas sobre as várias facetas das agências de Urbano à época. Nesse sentido, em 1854, o negociante aparece descrevendo uma de suas incursões. Seu relato tratava de experiências de contato esboçadas como parte da narrativa de sua viagem. O “encarregado”elaborou um pequeno testemunho sobre sua travessia até o alto Purus, cujo resultado foi encaminhado para o Presidente da Província. Essa modalidade de relato era bastante comum em se tratando de expedições de reconhecimento, que vinham ajudando na planificação do avanço sobre determinadas áreas. A associação entre o transcurso da frente de expansão e a desejada aceleração da incorporação de indígenas como trabalhadores era bastante nítida. Por isso, mais que detalhar as atividades econômicas estabelecidas no interior, eram cobrados esforços de mapeamento dos povos que habitavam os altos rios. Em ofício datado de 9 de junho de 1854, portanto antes da chegada de Ceriana, Urbano já divulgava notícias sobre seus itinerários, quantificando “malocas” e valorizando sua própria obra de “catechese”.

Participo a V. Exª. do resultado da minha diligência, que cheguei a certa altura, no afluente denominado Pao-iny com a catequese dos Indígenas, fazendo ver aos ditos a Ordem do Governo, vendo paragens suficientes na margem a fim de se aldearem, os demais junto convidei para esta aldeia; não houve entre eles repugnância alguma, de todas as malocas me disseram que estavam prontos para o dito fim, não cheguei a terça parte das tribos, a pressa cheguei a vinte e uma malocas - incluso achará V. Exª. o número das malocas.

Deus guarde a V. Exª .

Aldeia de Arimã 9 de junho de 1854

Manoel Urbano da Encarnação, Encarregado234

Antes de se tornar uma “aldeia”, o território do Arimã já servia de base para giros de Manoel Urbano e de outros negociantes pelo Purus. A localidade destacava-se por possuir larga área de terra firme, não susceptível a inundações recorrentes. A aldeia passou a contar com um destacamento militar, que, na ausência do Diretor de Índios, ficava sob as ordens do “encarregado” 235. Por isso, ao ser incumbido da viagem até o alto

234 APEAM - Manaus. Livro da Diretoria de Índios, 1854 (manuscrito). O referido ofício certamente foi

escrito a duas mãos, devido ao contraste existente entre a assinatura de Urbano e o restante da grafia do documento. Isso indica que o texto foi ditado por ele e redigido por uma segunda pessoa, provavelmente Vitorino Manoel de Lima, chefe do destacamento militar do Arimã. Todavia, em todos os outros documentos assinados por Manoel Urbano no livro da Diretoria de Índios, o conteúdo redigido mostra-se coeso, indicando que dele escreveu integralmente os textos repassados ao Presidente da Província.

235 Essas referências podem ser analisadas através do espaço dedicado às mensagens do “Governo da

Província” no periódico Estrella do Amazonas. Ver: Laboratório de História da Imprensa do Amazonas (LHIA) - Manaus. Estrella do Amazonas, 22 de julho de 1854. n.98, p.1

153 Purus, Urbano delegou a um de seus ordenanças a direção dos trabalhos. O cabo de esquadra Victorino Manoel de Lima ficou responsável por informar ao Presidente Herculano Ferreira Pena sobre as ocorrências gerais da pequena povoação. Lima enviou para a Cidade da Barra notícias sobre a passagem de “cobertas” e “igarités” pela localidade, que retornavam de giros comerciais carregadas de castanha, salsa parrilha e óleos vegetais.

Tabela 4 – “Lista das embarcações que passaram pelo destacamento da Aldeia do Arimã no rio Purus, no mês de abril de 1854”.

Q u al id ad e ou de no m in aç ão d a em b ar ca çã o P or te (a rr ob as ) Q u al id ad e d a ca rg a N om es d os pr op ri et ár io s N om es d os ca bo s ou en ca rr eg ad os P es so as n a tr ip ul aç ão D ia s su bi n do D ia s d es ce n do L u ga r d e de st in o

Coberta 500 Castanha Pedro Gonçalves Pinheiro Joaquim Bruno de Campos 5 60 90 Anaman

Coberta 400 Óleos Alexandre de Brito Amorim Dominga da Silva Roza 5 50 56 Cidade da Barra

Coberta 300 Salsa Pedro Gonçalves Pinheiro

Daniel José da Silva

3 46 66 Manacapuru

Igarité 100 Óleos Juvêncio Alves da Silva José Domingos da Silva 5 70 75 Manacapuru

Aldeia do Arimã, 30 de maio de 1854 Vitorino Manoel de Lima Encarregado interino dos Índios da Aldeia do Arimã Fonte: APEAM. Livro da Diretoria de Índios de 1854.

Para além de um território de catequese de indígenas, a área se notabilizava como um entreposto para negociantes que circulavam pelo Purus. Como assevera Manoela Carneiro da Cunha, existiam entre os aldeamentos do século XIX aqueles que “serviam de infraestrutura, fonte de abastecimento e reserva de mão de obra”236. A aldeia

236 DA CUNHA, Manoela Carneiro. Política indigenista no século XIX. In. DA CUNHA, Manoela

154 do Arimã estava encravada em área atravessada pelo deslocamento de fronteiras na floresta e se colocava como ponto de apoio para aqueles que buscavam negociar nos confins ocidentais do território amazônico. A localidade se estabelecia na interseção de interesses oficiais e particulares ligados à frente de expansão.

Em outras palavras, não era fortuita a visita de comerciantes ambulantes e exploradores de drogas naquela paragem. Muitos vendeiros levavam consigo tripulantes indígenas, nem sempre sob a regência de contratos de trabalho ou soldada. Os mascates fluviais estavam cientes das altas demandas por força de trabalho em diversas vilas e povoações do Amazonas, onde estavam se multiplicavam obras públicas e interesses particulares que demandavam trabalhadores237. Além da busca por drogas da floresta, os itinerários de subida dos rios se acoplavam as referidas necessidades por mão de obra, que se consubstanciavam sobremaneira na negociação de trabalhadores indígenas com clientelas de áreas urbanas ou de novas explorações nas matas.

A venda ilegal de índios se somava as listas de nativos encaminhados para obras públicas, arroladas na documentação da Diretoria. Contudo, é preciso salientar que tão copiosas quanto as referências que dão conta de arregimentações para o trabalho compulsório e/ou escravização ilegal são as reclamações sobre fugas e deserções. Vitorino Manoel de Lima, na ausência de Urbano, além de encaminhar notícias sobre a passagem de embarcações comerciais, lamentou ao Presidente da Província a quase total retirada dos indígenas da aldeia que, segundo ele, estava sendo recoberta pela floresta e não possuía roçados por falta de trabalhadores.

Autoridades e particulares clamavam pelo aumento do contingente de “braços”, organizando incursões que atualizavam os “resgates” coloniais, especialmente nas primeiras décadas pós-cabanagem. No entanto, na contramão dessa tendência, a Diretoria de Índios prescrevia meios não violentos para atrair indígenas, seguindo preceitos apregoados por José Bonifácio à época dos debates sobre a primeira

237 Após a criação da Província do Amazonas foram iniciadas muitas obras, especialmente na capital, que

principiou a construção de pontes, aterros, retomou a edificação de prédios públicos, dentre outros serviços, que recaíram grandemente sobre ombros indígenas. Nesse sentido, existem registros no livro de “Quadros Demonstrativos” dos primeiros anos de administração do Amazonas sobre os materiais de construção adquiridos às expensas dos cofres provinciais entre os anos de 1853 e 1855. Entre os materiais constam: tijolos, telhas, adobes, tábuas de madeira, palha para coberturas de prédios e chapéus para os trabalhadores, que custaram ao todo 1:655$777. Cf. APEAM. Livro de quadros demonstrativos da administração da Província do Amazonas, 1856. (Manuscrito).

155 Constituição do Império. Tudo leva a crer que a viagem de Manoel Urbano se posicionava como parte desses esforços, aproximando-se de indígenas com base em redes de troca e de sociabilidade articuladas previamente.

Urbano estava determinado em assegurar a aplicação da “Ordem do Governo”, procurando locais propícios para erigir aldeamentos e efetuar “descimentos”. Em seu percurso de subida no Purus, o “encarregado” anotou o contato com 21 “malocas” de diversos povos, cujos membros foram convidados a “descer” para as margens do rio, ficando mais próximos das linhas da frente de expansão. Outros indígenas o acompanharam no percurso de volta até a aldeia principal, no Arimã.

Manoel Urbano disponibilizou a lista com o nome das 21 malocas contatadas e suas respectivas etnias. Infelizmente, o documento encontra-se em péssimo estado de conservação, não permitindo a leitura de todo o seu conteúdo, que possui várias partes danificadas. Na lista consta a presença de índios Jamamadi, Apurinã, Pamaná, Jubery e Paumari, porém, somente as informações dos dois primeiros povos encontram-se em grande parte legíveis.

A tribo Jamamadi compõe-se de cinco malocas, muito distantes uma das outras (...) vivem de suas caçadas e de aves, e plantam muito milho e pacovas. Nome das malocas: Jaisuam – Deriana – Aratacu – Jamiriary – Curimy;

A tribo Hipuriná (Apurinã) compõe-se de onze malocas, isto é, por onde naveguei, que me informam os mesmos que para os centros tem muitos (...) usam muito de andar em cascas de pau (...) usam de malocas pequenas, são de fazer muito pão de (ilegível), brigam muito uns com os outros. Nome das malocas: Mamuriá – Ansimã – Cerioá – Thomiá – Sepatiny – Inaary – Iucurian – Caiapá – Jyrtaan – Jaareté – Tamaapa238.

A descrição posicionava os Jamamadi como habitantes da parte mais alta do rio, nas imediações do afluente “Pao-iny” (Pauini), seguidos dos Apurinã, mais numerosos, que habitavam áreas um pouco mais abaixo. Sobre os outros povos é possível ler nos fragmentos do documento que os Pamaná contatados habitavam apenas uma maloca no afluente Ituxi. Já os Jubery moravam em três, que seriam compartilhadas com os Paumary, indígenas descritos como habitantes das águas, que viviam durante o inverno em suas jangadas e no verão habitavam as praias, sempre em contato com caminhos fluviais. Em sua descrição, o encarregado ainda afirmou ter conversado com indígenas

156 Canamary, Arapa e Ximaniry. Sobre estes três últimos, Urbano asseverou não ter alcançado suas casas, ficando sem referências sobre onde realmente habitavam. Além da menção ao número de malocas, não há na listagem nenhuma outra indicação quantitativa, nem mesmo sobre o presumível número de “descidos” até o Purus, nem sobre os encaminhados para aldeia do Arimã.

Urbano informou ao Presidente da Província que durante o percurso de descida do rio orientou trabalhos de coleta de ovos de quelônios e fabricação de manteiga em algumas praias, encaminhando mostras para a autoridade da Cidade da Barra. Em troca, o encarregado solicitou “dez alqueires” de sal, que seguramente seriam utilizados em outras “facturações” de peixes e caças. O negociante ainda asseverou a Herculano Ferreira Pena que era “preciso ir fazendo algum rendimento” para a sustentação da aldeia, que necessariamente significava a negociação da produção local com os exploradores que periodicamente ancoravam no Arimã.

Após seu retorno, Manoel Urbano retomou a direção da aldeia e o envio de correspondências ao dirigente do Amazonas. Durante sua ausência, seu substituto teve dificuldades em levar a cabo os diálogos com a autoridade, deixando entrever em seus escritos a recusa de indígenas a servirem como mensageiros do “correio”, que periodicamente deveriam encaminhar informações atualizadas sobre a situação da localidade. Mesmo enfrentando embaraços na comunicação, o encarregado interino foi instado a encaminhar uma relação das “madeiras de lei” presentes nos arredores da aldeia, demanda encaminhada para todas as aldeias dirigidas por representantes da Diretoria de Índios no ano de 1854. Esse era mais um dos indicativos do mapeamento das possibilidades de exploração econômica, que estavam atrelados aos trabalhos da instituição.

Com o regresso de Urbano, que trouxe consigo indígenas do alto Purus, as dificuldades de comunicação parecem ter diminuído. Somente entre os meses de junho e julho foram encaminhados cinco ofícios ao presidente da província, dando conta de vários aspectos do cotidiano da aldeia. Levando em conta a distância entre o Purus e a capital da Província, que à época era cruzada em canoas a remo, a quantidade de cartas é sintomática da retomada da normalidade do “correio” do Arimã.

157 Entre as informações enviadas por Urbano constam, por exemplo, referências sobre a “desobediência” de um Tuxaua Catauixi, que havia saído da aldeia à noite, dirigindo-se de maneira suspeita para a área do destacamento militar. A liderança indígena teria sido “seduzida” por José Bruno de Souza Lobato, ao que parece um soldado que estava sob as ordens de Manoel Urbano. Ao ler o relato fica implícita a tensão em torno das possibilidades da fuga ou de uma presumível associação indesejável entre o soldado e o índio. Mesmo enfrentando tal situação de suspeição, os trabalhos no Arimã não parecem ter sido comprometidos. Ainda entre os registros do negociante, foi referenciada ocasião em que Urbano se preparava para dirigir a implementação de roçados junto com os índios recém-descidos, que tomariam grande parte dos trabalhos do verão239.

Vários são os apontamentos que corroboram com indicativos da abertura de áreas de plantação no Purus, especialmente de mandioca. O engenheiro militar João Martins da Silva Coutinho, que foi guiado por Manoel Urbano em 1862, registrou que seu interlocutor havia reunido “grande número de Apurinã e Jubery e com eles fez extenso roçado nas barreiras de Huytanahan”. No Arimã, Coutinho asseverou que o encarregado teria reunido, quando dirigiu os trabalhos da aldeia, “600 Paumari e Jubery fazendo-os descer da parte superior do rio”, com eles abrindo “grande roçado e levantando uma capela”240. Mesmo não sabendo ao certo se este foi efetivamente o número de índios que Urbano conseguiu “descer”, o certo é que, ao reunir indígenas para assentar plantações e outras explorações, o encarregado colocava na roda também seus interesses particulares, como explorador de drogas e mascate fluvial.

Essa dedução torna-se plausível quando as atividades do interlocutor de Coutinho são comparadas com as de outros sujeitos que agiam de modo semelhante e