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2 MECANISMOS DE POLÍTICA LINGUÍSTICA NO ENSINO DO

2.2 MECANISMOS DE POLÍTICAS DE LÍNGUA PORTUGUESA NO

2.2.3 Manual do professor

Como veremos nesta seção, o MP não existiu sempre no formato como o conhecemos, mas evoluiu, por exigências de uma política como o PNLD, de simples respostas aos exercícios propostos nos livros dos alunos a um manual que especifica orientações teórico-metodológicas que teriam sido seguidas na produção do livro didático. Para Nogueira (2014, p. 21), o manual do professor “é um tipo específico de Manual encontrado na esfera docente,

parte da Coletânea Didática (CD) a que o professor tem acesso”. O autor assim justifica sua escolha:

Estamos compreendendo MP e “Manual” como a parte do livro do professor que traz considerações teórico-metodológicas e outras especificidades [...]. E optamos por essa nomenclatura por ser também a adotada pelos programas de governo e, em consequência disso, certamente pela maioria das editoras (p. 29).

Assim, o MP diz respeito ao conteúdo daquilo que é direcionado ao docente no livro didático de língua portuguesa. Referimo-nos genericamente a conteúdo em vez de “considerações teórico-metodológicas” utilizado por Nogueira, visto que, como observaremos, o manual do professor da década de 1970 basicamente dava ao professor as respostas aos exercícios propostos. A descrição do manual na tese apresentada esteve circunscrita aos manuais contemporâneos, com características específicas para atender às novas exigências legais, ao passo que nosso trabalho pretende mostrá-lo desde sua produção inicial no Brasil.

A necessidade de um livro para o professor existe apenas a partir da década de 1960, quando a educação pública passa a receber os filhos de trabalhadores, uma clientela que obriga a escola a se expandir, mas que não tem a assistência devida do Estado. Assim, os professores deixam de ser formados em Direito, Engenharia e Medicina e passam a ter uma formação precária (NOGUEIRA, 2014). Nas palavras do autor: “Essa conjuntura sinalizou a exigência da produção do Livro Didático e, por extensão, para a extrema necessidade de um Caderno de Respostas (ou Livro do Professor) e, sobretudo, de um Manual do Professor para cada LD” (NOGUEIRA, 2014, p. 130). Sobre a função desse material, Carvalhaes afirma:

O manual do LDP, como a própria designação deixa claro, constitui-se como um espaço em que uma voz autorizada (a voz da equipe autoral) dirige-se a um interlocutor (o professor) que precisa de orientação sobre como o LDP deve ser utilizado e, consequentemente, sobre como deve ser desenvolvida a atividade pedagógica62 em que se usa determinado compêndio didático (2018, p. 133-134). O autor apresenta o MP como algo a ser seguido de forma autômata, sem nenhuma

criticidade por parte do professor que precisa de uma “voz autorizada” e “de orientação sobre

como o LDP deve ser utilizado”. Tratado nesses termos, não parece haver possibilidades de

compreender, aceitar, rejeitar, reelaborar o conteúdo desse material, levando o professor a uma autonomia mínima, o que parece ultrapassar a visão de Shohamy (2006, 2009) de que este é um burocrata que apenas cumpre políticas que lhe são impostas por não ter consciência

das ideologias (explícitas e implícitas) que as políticas de educação linguística carregam. Na verdade, Carvalhaes (2018, pp. 133-134) entende o manual como sendo “escrito sob condições de produção determinada” e como “um espaço em que se travam relações de poder”, em que o professor é um sujeito que precisa ser conduzido em sua prática.

Carvalhaes (2018) destaca o fato de a centralidade do MP na elaboração do LDP, principalmente naqueles comprados pelo governo para as escolas públicas, ser oficial e o de não conseguir precisar quando esse material passa a ser um critério de avaliação do material didático pelo PNLD. Ele cita o guia de 2008 (BRASIL, 2007), em que essa exigência aparece de forma evidenciada. No entanto, as recomendações a seguir foram transcritas de um guia bem anterior:

Considera-se fundamental que o livro didático venha acompanhado de orientações ao professor que explicitem os pressupostos teóricos, os quais, por sua vez, deverão ser coerentes com a apresentação dos conteúdos e as atividades propostas no Livro do Aluno.

O Manual do Professor não deve ser uma cópia do Livro do Aluno com os exercícios resolvidos. É necessário que ofereça orientação teórica, informações adicionais ao Livro do Aluno, bibliografia, sugestões de leitura, filmes, vídeos, e outras fontes e/ou materiais que contribuam para a formação e atualização do professor. É importante que oriente o professor para a articulação entre os conteúdos do livro e desses com outras áreas do conhecimento, trazendo, ainda, proposta e discussão sobre a avaliação da aprendizagem. É desejável, também, que apresente sugestões de atividade e de leitura para os alunos (BRASIL, 2001).

Para discutir a forma como as professoras colaboradoras da pesquisa leem o MP,

Nóbrega (2008) trabalha com a noção de atitude responsiva ativa, que parece limitar a

capacidade das professoras em compreenderem e aplicarem os conceitos trazidos pelo MP, sem que se lhes dê oportunidade para pensar diferente, para produzir. Isso parece estar bem de acordo com a ideia, segundo Geraldi (1997, p. 87), de que, ao longo do tempo, no que ele chama de “primórdios do mercantilismo”, o professor deixa de ser um mestre que produz

conhecimento e passa a ser aquele que sabe “um saber produzido que ele transmite”. Para

ilustrar como isso se dá, Geraldi (op. cit., p. 87) cita Comenius e seu “método perfeito de ensinar”:

...serão hábeis para ensinar mesmo aqueles a quem a natureza não dotou de muita habilidade para ensinar, pois a missão de cada um é tanto tirar da própria mente o que deve ensinar, como sobretudo comunicar e infundir na juventude uma erudição já preparada e com instrumentos também já preparados, colocados nas suas mãos. Com efeito, assim como qualquer organismo executa qualquer sinfonia, olhando para a partitura a qual talvez ele não fosse capaz de compor nem de executar de cor só com a voz ou com o órgão, assim também por que é que não há o professor de ensinar na escola todas as coisas, se tudo aquilo que deverá ensinar e, bem assim, os

modos como o há de ensinar, o tem escrito como que em partituras? (COMENIUS, 1627: XXXII-4).

O texto citado por Geraldi trata do perfil do professor, de sua identidade a partir de um certo momento na história do homem ocidental. Parece ser esse mesmo perfil do professor que se espera, quando o que se deseja é que ele aprenda a seguir os MP, conforme o conhecimento produzido pelos pesquisadores na universidade. Obviamente não podemos ignorar que muitas vezes esse professor também se insere na categoria de pesquisador, o que talvez nos autorize a considerar que estes não seriam meros reprodutores do conhecimento produzido por outrem. Para além do perfil do professor, poderíamos entender que hoje o LD (juntamente com o MP) seria a partitura para a qual o professor olha enquanto executa a sua aula.

Quanto à nomenclatura, esta pode variar na capa: manual do professor, exemplar do

professor, livro do professor ou material de divulgação. Internamente, os autores nem sempre

utilizam a mesma da capa, que corresponde, em geral, à primeira listada. Em nosso corpus de

12 (doze) manuais, 8 (oito) optam pelo primeiro termo, nestes incluídos todos os 6 (seis)

aprovados pelo PNLD. Essa escolha não é aleatória63, pois o edital para seleção de obras deste

programa de 2014 (BRASIL, 2013), por exemplo, faz essa exigência, sob o risco de ser excluída a obra que não a apresentar na capa. Assim, o exemplar do professor contém, além do livro destinado ao aluno, um manual para o docente. Para melhor compreender a organização dos MP/LDP, apresentamos um quadro com a descrição destes:

QUADRO 3 – Características dos manuais do professor ao longo dos anos.

Respostas aos exercícios Estrutura da obra Orientações teórico-metodológicas Os primeiros MP publicados

tendiam a acrescentar apenas respostas aos exercícios propostos aos

alunos.

Fazem parte desse grupo: MP8.1, MP8.2 e MP9.1. Anos correspondentes:

1970, 1975 e 1977.

Além das respostas, apresentavam uma publicação

quase sempre no final do LD com um melhor detalhamento

da estrutura da obra. Fazem parte desse grupo:

MP8.3, MP8.4, MP9.2 e MP9.3.

Anos correspondentes: 1984, 1998, 1987 e 1989.

Há um direcionamento mais completo não só das questões

propostas no LD, mas de teorias que o embasam e metodologias a serem

adotadas.

Fazem parte desse grupo:

MP8.5,MP8.6, MP9.4,

MP9.5 e MP9.6. Anos correspondentes: 2002,

2006, 1999, 1999 e 2012.

FONTE: elaboração própria.

Do quadro, pode-se inferir que as características dos MP foram se modificando através das décadas, em que houve um movimento de evolução: resposta ao professor (década de 1970) – estrutura da obra (década de 1980 e 1990, anteriores aos PCN) – fundamentação da obra (posteriores aos PCN). Nogueira (2014) também trata de mudanças nesse material:

É preciso dizer também que os Manuais, durante muito tempo, limitavam-se a apresentar uma súmula pouco atrativa do material didático, começando pelo projeto gráfico: uma fonte de letra miúda e nada convidativa à leitura.

Ressaltamos que esse quadro tem sido alterado a cada PNLD. As políticas públicas para LD alcançaram, por extensão, os MP, estabelecendo aspectos essenciais para a produção deste gênero que extrapolam o produto daquele. Não se trata apenas de explicar a estrutura do LD, mas de discorrer sobre a base teórico-metodológica e sobre outros aspectos ausentes linguisticamente neste gênero (NOGUEIRA, 2014, p. 165).

O MP pode se apresentar de diversas formas: como um livro à parte (MP8.1); em forma de encarte (v. CEREJA; MAGALHÃES, 1994); no início do livro didático (MP9.2) e no final do livro didático (MP9.5). O formato de encarte dificulta o acesso, pois muitas vezes encontramos o livro do professor (principalmente quando adquirimos pela internet) sem o encarte correspondente. A diferença entre os dois primeiros parece ser basicamente de tamanho, pois ambos têm orientações para o professor e as respostas aos exercícios do LD. No entanto, enquanto o primeiro aparece como publicação independente, o outro vem dentro do LD. O último formato parece ser a tendência consolidada hoje.

Este capítulo tratou das concepções de política e planejamento linguístico, conforme Cooper (1989), Spolsky (2004, 2009) e Shohamy (2006), além de especificar os mecanismos

de política linguística, destacando aqueles relacionados ao nosso corpus. Para

compreendermos a forma como os manuais em análise tratam a questão da sintaxe pronominal e em que medida isso reverbera na padronização da língua portuguesa, fez-se necessário tratar da questão da norma, imprescindível no trato do ensino de línguas. Assim, no capítulo seguinte, abordamos uso e norma; regulação linguística; ideologia da norma;

norma-padrão versus norma culta; o purismo linguístico; um pouco da história da

padronização da língua portuguesa, em Portugal e no Brasil; o ensino da língua; e encerramos com o caso da sintaxe pronominal.