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Mapeamento das modificações no Espaço Público

No documento Lincoln Nogueira Marcellos.pdf (páginas 156-175)

Capítulo 3 Alterações no espaço público na região central de Guarulhos

3.20 Mapeamento das modificações no Espaço Público

As readequações do espaço público mostradas até aqui aparecem no mapeamento do município de Guarulhos mostrado a seguir com as suas referências locais; na legenda, os pontos vermelhos demonstram as modificações centralizadas, as linhas vermelhas as modificações lineares e os pontos azuis os principais hotéis internacionais da cidade e em que região estão situados.

Figura 31 – Mapeamento das modificações no Espaço Público

Conforme o mapeamento, consegue-se pontuar os locais onde as transformações mais representativas ocorreram: os principais hotéis da cidade e as modificações feitas em rotas e vias de acesso ao centro. O aeroporto está fora da margem do mapa, localizado na rodovia Hélio Schmidt.

As principais alterações podem ser identificadas nos bairros Centro e Maia, e no bairro Cecap pela proximidade deste da rodovia Hélio Schmidt, principal elo de ligação entre a via Dutra e o Aeroporto Internacional de Cumbica. Historicamente o centro de Guarulhos e o bairro Maia sempre foram locais pujantes, em natureza de serviços – centro - e residencial - Maia.

3. 21 - A mundialização do espaço público de Guarulhos

Jean Baudrillard afirma que o mundial e o universal não caminham juntos. A universalidade consiste em compartilhar valores, direitos humanos e cultura, enquanto a mundialização consiste em compartilhar mercados, turismo e informação. O mundial representa o mercado, as trocas de bens e serviços e o fluxo monetário do sistema econômico (BAUDRILLARD, 1997).

O espaço público em Guarulhos está sendo concebido para tornar- se mundial, as singularidades cada vez mais devem estar à disposição do global. A produção de artesanato, produtos industriais, turismo e readequação do espaço público são essenciais para que o fluxo do capital possa ser cada vez mais intensivo.

De acordo com Baudrillard pode ser que algumas resistências apareçam para contestar as mudanças que acontecem no espaço público, no entanto estas lideranças serão reprimidas face ao discurso da modernidade (1997). Os agentes do poder público, conforme visto anteriormente, legitimam suas ações tendo por base o discurso da modernidade, quaisquer resistências contrárias sendo tidas como focos de regresso em um sistema “pujante”.

Renato Ortiz considera que um lugar ou mesmo uma região em processo de mundialização já não tem mais atributos peculiares em relação aos seus hábitos de origem. Uma região em mundialização tem todos os seus elementos econômicos e de comércio definidos de acordo com a vontade do capital internacional que delimita o que deve ser produzido e consumido e o que deve ser devidamente extirpado do sistema. Na visão de Ortiz esta nova característica é identificada até mesmo nos alimentos comercializados:

A comida industrial não possui nenhum vínculo territorial. Não quero sugerir que os pratos tradicionais tendam com isso a desaparecer. Muitos deles serão inclusive integrados à cozinha industrial. Mas perdem sua singularidade. Existiria alguma “italianidade” nas pizzas Hut, ou “mexicanidade” nos tacos Bell? Os pratos chineses, vendidos congelados nos supermercados, têm algum sabor do império celestial? O exemplo de

McDonald´s é a meu ver heurístico. Ele permite compreender melhor o tema da deslocalização. Uma forma de analisá-lo é sublinhar sua “essência” norte-americana. Esta maneira de pensar faz parte de todo um senso comum, e supõe uma idéia partilhada por muitos: a “americanização” do mundo.(1996)

Observando a leitura que Renato Ortiz faz dos alimentos consegue- se comprovar que até mesmo a figura do McDonald´s permeia o processo de mundialização. No centro da cidade de Guarulhos há dois restaurantes McDonald´s cada um deles representando a vontade da equalização dos hábitos de consumo. Os dois restaurantes estão na mesma circunscrição de modificação do espaço público, no mapeamento demonstrado em momento anterior.

Figura 32 – McDonald´s instalado no cruzamento da Avenida Tiradentes com a Avenida Paulo Faccini

Foto: Lincoln Marcellos (2010).

A mundialização também contempla a americanização, na visão de Ortiz: “Não é surpreendente constatar que a discussão sobre a especificidade das culturas, que fizemos anteriormente, ressurja no quadro da americanização” (1996, pg. 91). O simbolismo norte-americano é uma expressão direta e correlacionada à globalização dos hábitos de consumo dos indivíduos. O imperialismo das principais nações (inglês,

americano, francês, japonês ou mesmo italiano) impõe idéias e modos de vida, aos quais torna-se insustentável voltar-se contra.

A maior expressão dos hábitos americanizados no bairro Maia e no Centro de Guarulhos estão demonstrados pelas empresas que ali estão inseridas: McDonald´s, Citibank, rede de hotéis Accor (Ibis e Mercure), Best W estern, Concessionária de veículos Ford e a rede de supermercados Walmart e Sam´s Club. Estas entidades não estão situadas fora da circunscrição do Centro e do Bosque Maia, e só irão para outras regiões da cidade a partir do momento em que o capital internacional conceber que estas outras regiões – e sua população - estejam aptas a recepcionar “financeiramente” os novos hábitos de consumo.

No bairro dos Pimentas, ao extremo leste da cidade de Guarulhos, a rede internacional de supermercados Walmart até o presente período não instalou nenhuma filial, outros mercados regionais como o “Nagumo” ocupando o lugar no suprimento de produtos alimentares à população.

A representatividade da cultura norte-americana em Guarulhos é marcante, a simbologia está expressa até mesmo nas sinalizações de trânsito dispostas no centro da cidade e no trajeto ao aeroporto em escritas bilíngües. Em nosso cotidiano (da cidade de Guarulhos) as palavras expressas em inglês ganham uma conotação de “brevidade, concisão, compasso e precisão” (ORTIZ, 1996, pg. 92).

O processo de globalização foi consagrado sobre as bases do imperialismo político e domínio econômico, as representações devem ser comuns para que os hábitos sejam comuns, assim o inglês passou a ser um padrão internacional para que sejam identificados quaisquer hábitos de consumo, desde produtos até mesmo espaços públicos.

As sinalizações de trânsito bilíngües demonstradas anteriormente representam o padrão internacional de identificação e de composição do hábito de consumo que estão sendo articuladas no município de Guarulhos. Conforme descreve Ortiz:

(...) A entrada de novas culturas, com seus idiomas particulares, neste mercado lingüístico, não o debilita, pelo contrário, irá fortalecê-lo. Evidentemente o conflito entre língua nacional e mundial é latente, mas, devido às posições dos países no contexto global, ele se resolve de maneira distinta.

Conforme demonstra Ortiz é possível que a população local de Guarulhos não compreenda o porquê de representações e simbologias estarem expressas em língua inglesa, porém é da vontade da classe dominante que tais símbolos estejam presentes nos principais pontos do espaço público que estão sendo reformatados para que sejam recepcionados pelos indivíduos globais. Um exemplo é a utilização de mensagens de Natal com dizeres em idiomas diversos, promovida pela Prefeitura do Município.

Figura 33 - Mensagens de Natal com dizeres em idiomas diversos

Foto: Lincoln Marcellos, retirada em 2011.

Ao colocar a ênfase deste trabalho na proposição de que a rede de hotéis internacionais também representa a apropriação e promoção de uma identidade global da região, entende-se que tais comércios acabam sendo essenciais para a recepção de indivíduos ao redor do mundo. Na visão de Ortiz:

Contrariamente aos “lugares”, carregados de significado relacional e identitário, o espaço desterritorializado “se esvazia” de seus conteúdos particulares. Os free-shops nos aeroportos, as cidades turísticas (Acapulco, Aruba), os hotéis internacionais parecem constituir uma espécie de “não-lugares”, locais anônimos, serializados, capazes de acolher qualquer transeunte, independente de sua idiossincrasia. Espaço que se realiza enquanto sistema de relações funcionais, circuito no qual o indivíduo se move. Daí a necessidade de sinalizá-lo, para que as pessoas não se percam no seu interior. Numa civilização na qual a mobilidade é essencial, é necessário que existam balizas, um código de orientação. Um aeroporto, uma grande estação ferroviária, ou uma cidade são análogos a um texto semiológico, recortado por indicações e painéis, comunicando ao usuário um conjunto de informações que lhes permite enveredar nesse labirinto de signos. Espaço impessoal, no qual o indivíduo se transforma em usuário, isto é, em alguém capaz de decodificar a inteligibilidade funcional da malha que o envolve (fazer compras, passear, tomar um avião, ir ao trabalho, etc). (1996, p. 106)

As transformações no espaço público central de Guarulhos estão sendo promovidas por uma classe dominante que gostaria de provocar a desterritorialização de alguns lugares determinados: para isso modificam estruturas simbólicas particulares para que este espaço esteja no “mapa do mundo”, ou seja, seja reconhecido como global.

A sinalização bilíngüe, as ruas com paralelepípedos com cores sortidas, a faixa de pedestres em cores especiais, a arborização, os semáforos temporizados, a construção de uma ponte estaiada, a preservação de praças, devidamente sinalizadas, assim como serviços provenientes do comércio internacional, como rede de restaurantes, rede de hotéis, bancos, concessionária de veículos, entre outros, faz com que indivíduos internacionalizados possam estar identificados aos locais.

A identificação do indivíduo ao local, representa para ele uma associação direta à sua cultura. Não o dispersando com todas as simbologias apresentadas, ele consegue articular seu mapeamento cultural de modo que sua inteligibilidade lhe permite atuar dentro deste contexto. Este indivíduo não precisará descobrir onde precisará dormir, onde precisará comer, onde precisará pegar táxi, onde precisará comprar e tampouco onde precisará estar, pois todas as suas referências já foram fornecidas pelo próprio espaço.

Provavelmente, este indivíduo já dormiu no hotel Ibis, comeu no McDonald´s, pegou táxi no aeroporto, comprou em Shopping Center e esteve em outros locais com identidade global ao redor do mundo, em sua trajetória profissional ou turística. Renato Ortiz comunga da mesma idéia, e em suas palavras:

Por isso temos a tendência em detectar a mundialização por meio de seus sinais exteriores. McDonald´s, Coca-Cola, cosméticos Revlon, calças jeans, televisores e toca-discos são sua expressão. Nos pontos mais distantes, Nova York, Paris, Zona Franca de Manaus, na Ásia ou na América Latina nos deparamos com nomes conhecidos – Sony, Ford, Mitsubishi, Phillips, Renault, Volkswagen. Qual o significado disso? Que a mundialização não se sustenta apenas no avanço tecnológico. Há um universo habitado por objetos compartilhados em grande escala. São eles que constituem nossa

paisagem, mobiliando nosso meio

ambiente.(...)Sem essa modernidade-objeto, que impregna os aeroportos internacionais (são idênticos em todos os lugares), as ruas do comércio (com suas vitrinas e mercadorias em exposição), os móveis de escritórios, os utensílios domésticos, dificilmente uma cultura teria a oportunidade de se mundializar.

Os espaços idênticos consubstanciam uma paisagem única, a mobília é a mesma e as representações também. Por isso que até mesmo a revitalização do centro da cidade de Guarulhos contempla ruas que têm paralelepípedos com cor vermelha e a Câmara Municipal com espelhos refletores. A cultura local nestes parâmetros acaba por demonstrar sua globalidade.

Figura 34 – Outdoor eletrônico instalado na Avenida Paulo Faccini

Foto: Lincoln Marcellos, retirada em 2010.

A mobília urbana, conforme a imagem acima, acaba por contemplar até mesmo outdoor eletrônico, objeto mundial que representa o avanço simbólico das sociedades mais modernas, além de ser um parâmetro de identificação por aqueles que buscam representações comuns com os espaços que convivem.

3.22 – Empreendedorismo Urbano em Guarulhos

A década de 1970 foi um paradigma para a reestruturação do sistema econômico global, David Harvey aponta que a partir deste momento as cidades passaram a apresentar novas formas de gestão, sendo que o conceito administrativista enquanto paradigma passou para o empreendedorismo urbano. O empreendedorismo urbano pressupõe a transformação do espaço público para que este seja competitivo, homogêneo e ao mesmo tempo identificado com outros modelos por todo o mundo. A finalidade é tornar o espaço atrativo para o capital interno e internacional (2005). Raquel Rolnik e Nádia Somekh caracterizam e contextualizam o que é necessário para a troca do paradigma na gestão urbana, segundo a visão de Harvey:

(...)a criação ou a divulgação de vantagens que

permitam a implantação de grandes

empreendimentos imobiliários ou ainda o estabelecimento de parcerias, incentivos fiscais, ações de marketing para 'vender' a cidade por meio da exacerbação de seus atributos e qualidades, garantindo a atração de novos investimentos, principalmente alavancada por eventos (...)Estratégias de renovação urbana articuladas a inovações culturais elitistas e excludentes, como é o caso de museus e processos de requalificação urbana com valorização imobiliárias e expulsão de atividades e populações de menor renda.(...)luta do poder local para assumir o controle e o comando de

operações financeiras fazendo pesados investimentos em transportes e comunicações, que viabilizam a efetivação de grandes equipamentos privados. (...)competição pela redistribuição de excedentes gerados pelos governos centrais e regionais. (ROLNIK E SOMEKH, 2003, p.97)

O poder público municipal passa a ter um papel preponderante na articulação do desenvolvimento capitalista e na proposição de novos padrões ao comportamento dos atores locais, tendo por base o desenvolvimento econômico e o conseqüente acúmulo de capital (HARVEY, 2005). Conforme explica David Harvey, a gestão urbana precisa congregar forças da iniciativa privada e de toda a sociedade civil para legitimar suas ações. Este modelo de gestão pode ter sido o pressuposto para a Lei 5.770/2002 responsável pelo projeto de revitalização na cidade de Guarulhos, que definiu uma Comissão responsável por apresentar estudos ao prefeito e à Câmara Municipal, com representantes da Associação Comercial – ACIG, Federação das Indústrias do Estado de São Paulo – Fiesp, hotéis de Guarulhos, Comércio Ambulante, associações de bairro, e da secretaria de turismo, dentre outros (2005).

A parceria entre a iniciativa privada e o poder público para a intervenção em projetos que remodelem o espaço público é necessária para potencializar a busca por fontes de financiamento, por isso a iniciativa privada representa ser um elemento preponderante para a caracterização do empreendedorismo (HARVEY, 2005). De acordo com Harvey as intervenções no espaço priorizam a capitalização e a economia

local em detrimento da economia da região como um todo; no entanto estas intervenções são resultado da reorganização dos espaços urbanos, voltados para a atração de capital e pessoas em uma competição interurbana, em suas palavras:

Ao que parece, as cidades e lugares hoje tomam muito mais cuidado para criar uma imagem positiva e de alta qualidade de si mesmos, e têm procurado uma arquitetura e formas de projeto urbano que atendam a essa necessidade. O fato de estarem tão pressionadas e de o resultado ser uma repetição em série de modelos bem-sucedidos é compreensível, dada a sombria história da desendustrialização e da restruturação, que deixaram a maioria das cidades grandes do mundo capitalista avançado com poucas opções além da competição entre si, em especial como centros financeiros, de consumo e de entreterimento. Dar determinada imagem à cidade através da organização de espaços urbanos espetaculares se tornou um meio de atrair capital e pessoas num certo período de competição interurbana e de empreendimentismo urbano intensificado. (HARVEY, 1992, p.91)

David Harvey também compreende que é necessário que a cidade empreendedora busque quatro estratégias fundamentais para sua consolidação, sendo elas: o oferecimento de vantagens locais para atrair

investidores internos e externos, na forma de redução de impostos, fomento ao crédito, entre outros subsídios, flexibilização da Lei, aumento e expansão da infraestrutura e mão de obra qualificada; formação de um mercado consumidor interno estável e desenvolvido; fomento à formação de um centro de serviços referente ao levantamento e análise de informações econômicas governamentais; e distribuição da receita do município para programas sociais, como educação, habitacional e de saneamento básico (2005).

Neste momento a cidade de Guarulhos vem cumprindo somente um dos pressupostos para a consolidação do empreendedorismo, qual seja, o oferecimento de vantagens para investidores, como redução de impostos e expansão da infraestrutura e da mão de obra qualificada. A melhora na infraestrutura possibilita a construção de centros turísticos, de lazer, de exposição, o aumento do setor serviço e a revitalização de centros históricos.

Entretanto para Argan a revitalização do centro histórico pode ser um conceito equívoco pois a compreensão para alguns visitantes da cidade é a de que não existem partes históricas e não-históricas, a cidade como um todo contempla várias formações, sendo que o turismo deveria ser relativizado, não bastando revitalizar apenas alguns patrimônios históricos, mas criando um processo de desenvolvimento de toda a cidade, na completude. Nas palavras de Argan (1998, p. 74):

O conceito de “centro histórico” pode ter uma utilidade pragmática, mas é um falso conceito. Por que algumas partes da cidade deveriam ser

“históricas” e outras “não-históricas”? A cidade é uma construção histórica. As próprias deformações e mal-formações urbanas devidas à gestão capitalista são fatos, apesar de não gloriosos, da história da nossa época. Neste sentido, o turismo, em si, como capacidade de geração de receitas deveria ser relativizado, pois, nessa visão empreendedora de cidade, seria parte de um processo de valorização urbana muito mais complexo e extensivo do que as áreas patrimoniais em si.

A cidade pode escolher, de modo geral, entre dois modelos de gestão, aquele que torna toda mobília pública, assim como o espaço acessível a todo e qualquer público, não necessariamente atendendo ao interesse do capital ou um modelo que formata o espaço público para recepcionar o capital internacional e atender a grandes eventos culturais, assim como remodelar sua identidade para ser competitiva em termos econômicos em relação a outras cidades no mundo. Neste sentido para Amêndola (2002):

Pensar e intervir estrategicamente nas cidades é criar um ambiente competitivo a partir dos grandes empreendimentos suscetíveis aos grandes negócios, às transações econômicas e aos grandes eventos culturais. Portanto o planejamento estratégico da cidade é uma adaptação da gestão empresarial, que toma decisões considerando o

ambiente externo regido pelos princípios mercadológicos.

Os princípios mercadológicos faz com que o empreendedorismo urbano seja consolidado de modo inequívoco, alinhando e formatando o espaço público aos anseios daqueles que detém o capital, com o objetivo de promover o próprio acúmulo de capital por meio da prestação de serviços em geral.

Capítulo 4 – A abordagem

No documento Lincoln Nogueira Marcellos.pdf (páginas 156-175)