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2.4 A indústria criativa aplicada à moda brasileira

2.4.1 Marcadores da identidade brasileira

Antes de iniciar a discussão dos conceitos de brasilidade é fundamental fazer uma breve reflexão a respeito da globalização da cultura, aspeto de extrema relevância para a aplicação dos elementos culturais brasileiros nos acessórios de moda. Com o advento da tecnologia e dos meios de informação surge uma unificação do espaço que faz com que os lugares se tornem globalizados possuindo características semelhantes independentemente do lugar onde se está. A tendência é que ocorra uma desterritorialização transformando o global em um local abstrato. Conforme Ortiz (2007, p. 108), “uma das formas de se entender o que está se passando é focalizarmos o movimento de deslocalização da produção.” A competição internacional faz com que as grandes empresas tenham o interesse em diminuir o custo de seus produtos e a flexibilidade das tecnologias lhes permite descentralizar a produção e acelerar a produtividade. Isto leva as grandes corporações a segmentar o seu processo de produção em diversos locais e apenas reunir todas as partes no processo de montagem, do que resulta a dificuldade da definição da origem dos produtos.

Assim como nos produtos, a desterritorialização pode ser observada na base de formação cultural internacional focada no mercado consumidor, que vai além das fronteiras nacionais. Ou

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seja, além dos produtos de origem indefinida, é possível perceber também que as referências culturais se tornam unificadas. Ortiz (2007, p. 119) ainda salienta que “no mundo em que o mercado torna-se uma das principais forças reguladoras, a tradição se torna insuficiente para orientar a conduta”.

Entretanto, Ianni (2001) afirma que a globalização é problemática e contraditória, compreendendo integração e fragmentação, nacionalismo e regionalismo, racismo e fundamentalismo, geoeconomia e geopolítica. Isto significa que em relação às formações identitárias, as culturas locais e nacionais podem permanecer na sociedade atual, ao mesmo tempo que se adicionam a referências culturais globais. A globalização neste caso influencia nas configurações locais. Ianni ainda completa:

“Dado que a globalização articula, tenciona e dinamiza configurações sociais locais, nacionais, regionais, internacionais e transacionais, multiplicam-se as possibilidades do espaço e do tempo. Pluralizam-se e entrecruzam-se em moldes desconhecidos, ainda não codificados. Surpreendem pelas possibilidades potenciais escondidas e pelas criações inesperadas. Deslocam pontos e lugares, ritmos e andamentos, modos de ser e devir“. (Ianni, 2001, p. 210)

A questão da identidade vem sido discutida no âmbito da sociologia, pois encontra-se em desconstrução, e novas identidades encontram-se em construção na sociedade moderna.

“As velhas identidades, que por tanto tempo estabilizaram o mundo social, estão em declínio, fazendo surgir novas identidades e fragmentando o indivíduo moderno. Assim a chamada “crise de identidade” é vista como parte de um processo mais amplo da mudança, que está deslocando as estruturas e processos centrais nas sociedades modernas e abalando os quadros de referência que davam aos indivíduos uma ancoragem estável no mundo social.”

(Hall, 2002 apud Faggiani, 2006)

Desde o final do século XX mudanças ocorrem na estrutura da sociedade moderna. Essas mudanças têm provocado a desintegração de aspetos culturais como gênero, sexualidade, raça, etnia e nacionalidade e, consequentemente transformam as identidades pessoais. Assim, as identidades podem ser reconfiguradas, mantendo a sua relação com as culturas nacionais, que continuam despertando um sentido de pertença e identificação. Hall (2006, p. 50) afirma que “as culturas nacionais são compostas não apenas de instituições culturais, mas também de símbolos e representações. Uma cultura nacional é um discurso – um modo de construir

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sentidos que influencia e organiza tanto nossas ações quanto a conceção que temos de nós mesmos”. Canclini (2003, p. 190) ressalta que “ ter uma identidade seria, antes de mais nada, ter um país, uma cidade, ou um bairro, uma entidade em que tudo é compartilhado pelos que habitam esse lugar se tornasse idêntico ou intercambiável.” A cultura nacional buscar unificar seus membros através de classe, gênero ou raça, numa identidade cultural a fim de representá- los como membros de uma grande família nacional.

Ao analisar todos esses conceitos pode-se concluir que a globalização opõe-se à identidade de uma cultura nacional. Seu efeito diversificado sobre as identidades acarreta novas formas de identificação e torna as identidades mais posicionais, mais políticas, mais plurais e diversas; menos fixas, unificadas ou trans-históricas (Hall, 2006).

O Brasil tem construído uma imagem positiva no âmbito internacional devido ao seu crescimento econômico. Além disso, Leal (2002) afirma que “temos uma das maiores biodiversidades do planeta, temos matérias-primas naturais belíssimas e únicas que, se bem usadas, se tornam enormes vantagens competitivas”. Dentro deste contexto aparece o conceito de brasilidade, que nada mais é do que uma definição da identidade brasileira. Para Freyre (2009), brasilidade é um modo característico e específico de ser do povo brasileiro, resultado da sua história e miscigenação social e cultural.

O Brasil é um país com uma infinidade de riquezas naturais como frutos, sementes, flores e animais. Ainda que a globalização venha transformar a formação cultural internacional, e alguns autores defendam que a globalização irá unificar as culturas, certos marcadores identitários, no caso do Brasil, sofrerão influências do mundo globalizado, porém permanecerão simultaneamente a esses fenômenos. O próprio fato da sua localização geográfica e dos aspetos climáticos são marcadores que já não podem ser tratados de forma globalizada. Como exemplo, pode-se notar a forma de vestir dos brasileiros, que não poderá ser adaptada a maneira de se vestir de boa parte dos países europeus. Um exemplo disto é o movimento Bermuda Sim23 que

ocorreu na internet reivindicando o uso de bermudas no ambiente de trabalho por causa das altas temperaturas no verão brasileiro em 2014.

23 O movimento consistiu na ideiade um trio de publicitários cariocas em criar uma página no Facebook com o objetivo de apoiar a causa e prometer enviar e-mails para os chefes pedindo a liberação da peça no trabalho. Fonte: Revista Exame, 11/02/2014.

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A identidade cultural brasileira estudada até aqui foi vista em sua totalidade, porém julga-se necessária uma breve análise das 5 regiões brasileiras, pois cada uma delas possui particularidades relevantes para a formação da identidade cultural brasileira. A começar pela região Centro-Oeste brasileira, uma região apinhada de riquezas naturais, possui o parque nacional do Xingu, com 27 mil quilômetros quadrados, formando a maior reserva indígena do mundo, localizada no norte do Mato-Grosso, que abriga 14 diferentes etnias indígenas compostas de quatro famílias linguísticas indígenas do Brasil, considerado pela Unesco um dos mais ricos mosaicos linguísticos do mundo (Dalpra, 2009). É também na região Centro-Oeste onde encontra-se a região do Pantanal que foi considerado Património Mundial da Humanidade pela variedade de plantas presentes na região. A capital nacional está situada nesta região e foi construída com o objetivo de povoar a região. Pouco populosa, a região do Centro-Oeste também é caracterizada pelo pleno desenvolvimento do agro-negócio, principalmente no cultivo da soja e algodão em grandes fazendas voltadas para a agricultura e para a criação de gado.

A região nordeste é a região brasileira onde tudo começou, tanto por seu descobrimento como pela sua miscigenação cultural, terra já habitada pelos índios, e, posteriormente, recebeu imigrantes europeus e os negros escravos. A principal atividade agrícola da região é a cana-de- açúcar, uma região pobre em recursos financeiros, com problemas graves de desemprego e taxas de desnutrição. A região nordeste tem clima quente e praias conhecidas internacionalmente, sendo uma região visitada por muitos turistas. Também pode ser considerada o berço intelectual do Brasil, de onde vieram muitos dos principais escritores, poetas, atores e pensadores brasileiros (Dalpra, 2009). Por ser uma região beneficiada de muitas riquezas culturais, a região nordeste serve de inspiração para o cinema brasileiro. Além disso, a região possui uma série de eventos culturais trazendo as manifestações culturais, principalmente através da música e da dança, do passado aos dias de hoje. As festas populares como o carnaval em fevereiro e as festas juninas trazem turistas não só do Brasil, como também de outros países. A música nordestina influencia todo o território nacional devido a variedade de ritmos e as riquezas culturais de origem indígena, europeia, africana, hebraica e árabe originaram novos ritmos como o coco, xaxado, o samba de roda, o maracatu, o baião, o axé e o frevo (Dalpra, 2009). O desenvolvimento artesanal é também presente na região e recebe visibilidade por meio da criação de estilistas brasileiros como Lino Vilaventura que aplica o artesanato em suas criações.

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Quando se fala em região norte, é imprescindível falar de natureza e das lendas originárias da Amazónia. A floresta amazónica tem sido objeto de interesse internacional pelos benefícios de sua natureza. Seu potencial curativo e regenerante aceleram o uso destes componentes em cosméticos e medicamentos, exportados para diversos países.

A região sudeste é a mais populosa e rica de todas as regiões. O maior polo industrial do país encontra-se em São Paulo e a atividade turística, principalmente na cidade do Rio de Janeiro, é muito importante para a economia da região. Cidade que simboliza o Brasil no exterior, o Rio de Janeiro é reconhecido mundialmente por suas belezas naturais, pela descontração, liberdade e sensualidade dos corpos expostos ao sol e pelo carnaval (Dalpra, 2009). Todos os anos acontece em São Paulo a maior parada gay do mundo, o que transformou a cidade num destino de turismo de muita rentabilidade ao estado paulista. Outra manifestação cultural que recebe turistas de todo o mundo é o carnaval do Rio de Janeiro. O Brasil também é referência internacional no campo de cirurgia plástica estética pela qualidade dos médicos brasileiros, e também por já ter ocupado o 1º lugar na lista dos países com maior número de cirurgias plásticas per capita.

Ainda que a região sudeste seja a mais rica das regiões brasileiras, existe uma desigualdade social que ocasiona muitos conflitos violentos que dificultam a vida urbana (Dalpra, 2009). No setor da moda e do design a região sudeste é a região mais avançada em termos de processos tecnológicos reconhecidos internacionalmente. Marcas como Osklen e estilistas Como Alexandre Herchcovitch são responsáveis por apresentar a moda brasileira ao mercado internacional. O paralelo entre o estilo de vida despojado do carioca e o estilo formal do paulista faz com que a região sudeste seja um laboratório propulsor de ideias que se estendem a diversos níveis, desde culturais a comportamentais, o que influencia diretamente as demais regiões do país. A música popular brasileira na região sudeste se apresenta de forma diversificada, passando pelo samba, rap, funk e bossa nova.

A região sul é a menor extensão territorial do Brasil e a maior influência na sua colonização veio da Europa. A miscigenação étnica da população da região sul resultou num padrão de beleza feminina que chegou até as passarelas internacionais. Com a vinda dos imigrantes para esta região formou-se uma comunidade cultural e as festividades giram em torno da preservação das tradições conduzidas pelas terras de origem. A mais famosa festividade que acontece em Santa Catarina é a Oktoberfest, uma reedição da festa alemã que acontece em Munique. Já no Rio

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Grande do Sul, o festival de cinema de Gramado é o maior festival da América Latina dentro deste segmento, que contribui para o fortalecimento do cinema nacional.24