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Capítulo 2 O marketing nas bibliotecas de Ensino Superior Português

2.13. Marketing 3.0: um desafio

No preâmbulo do livro “Marketing 3.0: do produto e do consumidor até ao espírito humano” (2011), Kotler explicita o início da concetualização do conceito Marketing 3.0, na qual se destaca o papel de uma empresa de serviços de marketing, MarkPlus, sediada no Sudeste asiático, liderada por Hermanawan Kartajaya, em 2005. O conceito levou dois anos até ser apresentado, num processo de cocriação entre o autor acima referido e Kartajaya, tendo sido lançado um esboço do mesmo no 40º aniversário da associação das nações do Sudeste Asiático (ASEAN), em Jacarta. Iwan Setiawan, consultor da MarkPlus colaborou com Kotler em termos académicos, para incrementar a importância do marketing 3.0 no contexto mundial económico emergente e com a afirmação do mundo digital.

Segundo Kotler, Kartajaya e Setiawan (2011) o marketing tem conhecido uma evolução trifásica: de marketing 1.0, que propunha uma relação vertical de oferta e de procura, colocando a ênfase no produto, para o marketing 2.0, orientado para o consumidor, até ao marketing 3.0 onde o marketing está cada vez mais centrado e pensado para cada indivíduo, mantendo com este uma relação horizontal. A tecnologia da informação, tanto no marketing 2.0 como no marketing 3.0, é denominador comum e determinou a forma como as instituições comunicam e se relacionam com o público. Na verdade, a tecnologia que suporta o marketing 3.0, denominada tecnologia de nova vaga é aquela que possibilita a conetividade e interatividade entre indivíduos e grupos. Esta tecnologia, para alguns, nomeadamente para Scott McNealy (Presidente da Sun Microsystems) assinala a início de uma nova era: a era da participação. A tecnologia de nova vaga, na qual se inclui o Facebook, possibilita que as pessoas passem de consumidores a produtores. As redes sociais permitem que as pessoas falem sobre as instituições em termos do seu desempenho funcional e social (Kotler, Kartajaya & Setiawan, 2012, p. 180).

Em seguida pode observar-se (tabela 5) a evolução que o conceito de marketing conheceu:

Tabela 5: Comparação entre o conceito de marketing 1.0, 2.0 e 3.0

MARKETING 1.0 Marketing centrado no

produto

MARKETING 2.0 Marketing orientado para

o consumidor

MARKETING 3.0 Marketing movido por

valores

Objetivo Vender produtos Satisfazer e reter os

consumidores

Transformar o mundo num sítio melhor

Forças impulsionadoras Revolução Industrial Tecnologia da informação Tecnologia de nova vaga

De que forma as empresas vêem o mercado

Compradores em massa com necessidades físicas

Consumidores mais inteligente com mentes e corações

Seres humanos completos com mente, coração e espírito Conceito-chave de marketing Desenvolvimento do produto Diferenciação Valores Diretivas empresariais de marketing

Especificações de produto Posicionamento corporativo e de produto

Missão, visão e valores empresariais

Propostas de valor Funcional Funcional e emocional Funcional, emocional e espiritual

Interação com consumidores

Transação “um para muitos”

Relação “um para um” Colaboração “muitos para muitos”

Fonte: Kotler, Kartajaya & Setiawan, 2011, p. 20.

A ascensão do marketing 2.0 para 3.0 é fundamental no contexto atual, em que se assiste à emergência de uma nova ordem económica mundial e a uma afirmação do mundo digital. Com efeito, à semelhança do marketing 2.0, também o marketing 3.0 é orientado para o indivíduo. A diferença, no entanto, reside na forma como este é visto e tratado, o que se prende, necessariamente, com a própria essência do conceito. Assim, o marketing 3.0, “em vez de tratar as pessoas apenas como consumidores, os marketers vêem-nas como seres humanos num todo, com mentes, corações e espíritos” (Kotler, Kartajaya & Setiawan, 2011, p. 18). Os mesmos autores explicitam o conceito, isto é, com o marketing 3.0, o conceito eleva-se para a arena das aspirações, dos valores e do espírito humano. Analisando, objetivamente o termo, poder-se-á afirmar que o marketing 3.0 espera agregar valores a produtos ou a serviços, valores esses que terão influência no ato de decisão.

Os valores são considerados como os padrões de comportamento institucionais de uma grande empresa, que ao serem incluídos na prática de gestão da organização, esperam vir a reforçar comportamentos que beneficiem a organização e as comunidades dentro e fora dela (Kotler, Kartajaya & Setiawan, 2011, p. 53).

Ainda que o conceito de marketing 3.0 surja inevitavelmente no contexto empresarial, é fundamental que se discute na área dos serviços, para se reconsiderar a sua adoção noutros contextos, nomeadamente na área das CID. Cabe às bibliotecas académicas a aceitação deste repto, interiorizando este conceito de marketing e a sua possível aplicabilidade nas redes sociais. Se no marketing 3.0 o diálogo é a nova publicidade (Kotler, Kartajaya & Setiawan, 2011, p. 75) nas redes sociais, o Facebook em concreto, poderá apresentar um papel de relevo enquanto impulsionador. Através do diálogo, os utilizadores tecem uma crítica que terá, consequentemente, influência nas redes e adquirirá a confiança dos utilizadores. A reciprocidade da comunicação nestas plataformas apresenta-se, na realidade como o grande desafio, na medida em que existem estudos que revelam que a publicação de fotografias, comparativamente a outras publicações, nomeadamente, links e texto, consegue uma maior aceitação e envolvimento do público (Fig. 7).

Fig. 7: Fotos no Facebook geram maior envolvimento com utilizadores do que as publicações

Fonte: http://www.hubspot.com/

Pode encontrar-se exemplos da aplicação do conceito de marketing 3.0 nas bibliotecas, através do Facebook, nomeadamente uma campanha de marketing de causas, que encontra na rede social um canal de divulgação, para angariação de fundos para a construção de uma biblioteca pública. De um ponto de vista empresarial, esta campanha ao utilizar o poder da colaboração viu reduzido os custos, mas também criou um maior impacto sobretudo em termos de responsabilidade social na comunidade na qual se insere. Na perspetiva do público, da colaboração dos potenciais utilizadores com a biblioteca, advém um maior envolvimento com a causa,

tendo repercussões ao nível da realização pessoal, contribuindo, para o que Kotler, Kartajaya e Setiawan denominam a ascensão na pirâmide de Maslow (Fig. 8).

Fig. 8: Pirâmide de Maslow

Fonte: Maslow, 1970

Foi desta forma que o estado de IOWA, nos Estados Unidos da América concebeu uma campanha, em 2010, para a construção de uma biblioteca pública, que tem subjacente a filosofia do marketing 3.0, campanha essa que surge sob o nome “Library 3.0” e que ambiciona ser “ a place to interact; a place to innovate; a place to inspire”, conforme se ilustra (Fig. 9):

Fig. 9: Marketing 3.0 em bibliotecas

Desde logo, a definição, na página do Facebook, de uma missão, acompanhada de uma descrição forte, sustentada por uma história verídica emovida por valores como a filantropia (tendo em vista a transformação social), tal como é preconizado por Kotler, Kartajaya e Setiawan (2012) apresenta-se como um bom exemplo de como é possível colocar em prática este conceito de marketing no contexto das bibliotecas:

Library 3.0 will build more than a building; it will build a new philosophy of library service and engagement for our community. With your investment, this third version (3.0) of our library in downtown Cedar Rapids will be a place to interact; a place to innovate; a place to inspire. While the flood of 2008 altered the course, the vision for the Cedar Rapids Public Library has not changed. Together, we can help build a library that reflects a vibrant future for our community—by providing an environment encouraging interaction and communication for both young and old; by offering innovation of technologies and design, affording access to information and resources as never before; and by inspiring each of us to improve our lives. This is the time to step forward and assure the vitality of our downtown and our entire community for decades to come. Please join us in this most worthy effort by pledging your personal support to this campaign.

A biblioteca deverá adotar uma perspetiva de abordagem muito mais abrangente para com os utilizadores e stakeholders em geral. Os utilizadores devem ser vistos no seu todo, isto é, com valores enraizados, com aspirações e até como potenciais colaboradores, podendo o Facebook estar ao serviço deste conceito. O Facebook tornou-se uma presença dominante no quotidiano, ganhando imensa popularidade. No que toca à sua utilização pelas bibliotecas e até mesmo como ferramenta educacional, as opiniões, não são unânimes: uma visão “romântica” do seu uso, no qual são apresentadas potencialidades de usabilidade para os profissionais ID é contraposta com uma visão mais cética, fruto de estudos realizados. Na verdade, são alguns os estudos sobre a interação no Facebook que apresentam em comum algumas conclusões: o uso do Facebook por uma questão tecnológica e para contactar com amigos, mais do que com fins educacionais ou até mesmo com a biblioteca, propriamente dita (Gerolimos, 2011).

Continuam a ser apontadas as vantagens e as oportunidades do uso do Facebook, pois a interatividade que proporciona pode ser utilizada para: apresentar a informação de um modo mais atrativo e excitante; adotar como ferramenta de marketing, visando atrair utilizadores e/ou visitantes para conhecerem a biblioteca também fisicamente, além do espaço virtual; apresentar tutoriais de aprendizagem online interativos que avaliem os estudantes; permitir ao utilizador, que interaja com comunidades virtuais de

interesse e, ainda, favorecer o contacto e a consulta a utilizadores através de inquéritos online, questionários, votações e propiciar-lhes a criação de conteúdos (Martínez Usero, 2007). Na verdade são vários os autores que reconhecem as oportunidades das redes sociais como ferramentas de marketing, mas na prática são poucos os estudos empíricos que demonstram e comprovam essa qualidade.

Com a apresentação do exemplo anterior, isto é, de uma biblioteca que utiliza o conceito de marketing 3.0, pretendeu-se demonstrar a aplicabilidade do mesmo nas bibliotecas. O marketing 3.0 é um conceito de futuro. Com efeito, Kotler, Kartajaya e Setiawan (2011) o conceito apresenta divergências, por campo de estudo, do marketing da atualidade para o marketing que apelidam de marketing do futuro. Assim, ao nível da gestão de produto, as variáveis de marketing, evoluem para cocriação, ao nível da gestão do cliente a segmentação e posicionamento, evoluem para comunicação e a gestão de marca, evolui da construção de marca, para construção de caráter. Sendo o marketing movido por valores e aspirando criar valores naqueles que o praticam e consomem.

Na mesma linha de raciocínio Dowd, Evangeliste e Silberman (2010) apresentam a sua visão de marketing no contexto atual, evidenciando a responsabilidade que lhe é imputada, enquanto filosofia que agrega valor à biblioteca: “Marketing goes behond trying to get people to use your library; it is a concerted effort to articulate your value”. O desafio proposto pelo marketing 3.0 está em imputar valor para o utilizador, contribuindo não só para a construção do indivíduo, como para a transformação social, no caso de existir um compromisso com questões públicas e sociais. A tabela que se segue sintetiza as questões fundamentais em torno da aplicabilidade do marketing 3.0 nas bibliotecas académicas.

Tabela 6: Marketing 3.0 na biblioteca académica

Marketing 3.0: na biblioteca académica Para quê? Fomentar a interação, colaboração e cocriação

Receber feed-back, “retro-alimentar” Como?

- Tecnologia - Valores

Tecnologia de nova vaga: redes sociais Funcional, emocional e espiritual

Para quem? Stakeholders: colaboradores, utilizadores, tutela e qualquer indivíduo que mantenha uma relação com a biblioteca

Quando? Continuamente

Porquê? Criar valor para o utilizador e agregar mais valor para a biblioteca

Fonte: Elaboração própria