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Capítulo 2 O marketing nas bibliotecas de Ensino Superior Português

2.3. Marketing nas bibliotecas

Embora a ideia de marketing não seja nova no mundo das bibliotecas, o seu percurso tem sido manifestamente irregular e até relegado para segundo plano, tendência que tem vindo, no entanto, a modificar-se ao longo dos tempos. São vários os motivos que justificam o desinteresse do marketing pelas bibliotecas, segundo Walters (1992): características organizacionais (organização tradicional, com práticas e rotinas estabelecidas); resistência à mudança; definição de uma missão sócio cultural e educativa muito ampla e com objetivos muito gerais. Na verdade, a relação direta estabelecida entre o conceito com o mundo empresarial é o motivo fundamental desta resistência e mesmo objeção (Salaün, 1992; Ramos Simón, 1995; Miribel, 1997) a par com uma questão de “mentalidade” ou “atitudes” dos profissionais da área relativamente à adoção do marketing (Miribel, 1997) e ainda pelo facto de ser confinado à promoção dos serviços (Amaral, 2008).

Kies (1987) e Renborg (1997) recuperam alguns marcos documentais, quer sob a forma de iniciativas, quer sob a forma de publicações de artigos sobre a adoção do marketing pelas bibliotecas. Com efeito, Kies (1987) afirma que o primeiro artigo sobre o tema data de 1876 ano do nascimento do Library Journal e da ALA (American

Library Association), no qual é aludida a importância da relação entre o bibliotecário e os leitores, como forma de levar os utilizadores à biblioteca (Kies, 1987, p. 18).

Fernandéz Marcial (2006) estabelece a relação entre o binómio “promoção e bibliotecas”, recuperando um conjunto de ações ao longo dos tempos que apontam para a promoção da biblioteca, referindo o exemplo em Leeds (Inglaterra), em 1877, onde se utilizaram placas nas ruas para indicar a localização da biblioteca. A publicidade exterior aparece assim, como uma forma de promover a biblioteca (Fernandéz Marcial, 2006, p. 3).

Renborg (1997) refere mesmo que a história do marketing dos serviços das bibliotecas começou muito antes do nascimento do conceito: “há cem anos atrás, na American Library Association Conference de 1896, Lutie Stearns falou acerca da publicidade das bibliotecas”. O mesmo autor faz uma recuperação de dados e contextualização histórica sobre a adoção do conceito nas bibliotecas. Em Espanha, foi Escolar Sobrino (1970, pp. 11-12) quem introduziu a necessidade de aplicar o conceito de marketing em bibliotecas: “ Mi propósito, pues, al escribir estas líneas es iniciar la exploración de un caminho, el del márquetin, por si en él podemos obtener elementos utilizables en la configuración del planeamento bibliotecário. La idea puede parecer peregrina en principio y chocar a muchos compañeros que ven su función como algo puro, alejada del mundo de los negócios, de los benefícios y del comercio”.

A verdade é que à forma e ao processo como as bibliotecas comunicam e estabelecem trocas com o seu mercado, à semelhança das organizações com fins lucrativos, os autores atribuíram-lhes diferentes terminologias. Ramos Simón (1995) denominou o processo como marketing informativo (conjunto de atividades organizadas para difundir informação, que promovam ou favoreçam relações de troca de ideias e de interesses tangíveis, em benefícios de pessoas, instituições ou empresas); López Yepes (1996) introduziu o conceito “marketing documental”, como um processo de abertura de vias de comunicação entre quem oferece e quem recebe os serviços. Outros autores abordam o tema marketing bibliotecário como o leque de atividades realizadas pelas bibliotecas com o objetivo de identificar as necessidades informacionais dos utilizadores, para as satisfazer de forma rentável e revelar a capacidade de antecipação sempre que possível (Mañas Moreno, 2003).

Neste sentido, o conceito “Marketing aplicado às bibliotecas” pode ser compreendido como uma filosofia de gestão administrativa equilibrada que utiliza ferramentas de

marketing com a finalidade de fornecer aos utilizadores um serviço que atenda às suas necessidades, desejos e expetativas, mutuamente satisfatórias para o mercado e para o cumprimento a longo prazo dos objetivos da própria biblioteca (Amaral, 1990).

O marketing surge assim como um processo contínuo, uma atitude perante o público e perante o trabalho: “El marketing no es un cambio en la organización, sino un processo permanente, constant, en el que hay que distinguir dos vertientes: como técnica, o como instrumento para organizar y gestionar; y como filosofia, su aspecto más importante, puesto que se refiere a la actitude delante del público y el trabajo. Trabajamos com personas y para personas –ya sean nuestros clientes o nuestros clientes potenciales – y por lo tanto, hay que plantearse la biblioteca desde el punto de vista del usuário y organizarla desde este punto de vista” (Klaassen, 1991, p. 55).

Nesse sentido, Amaral (1990) alerta que a adoção do conceito pelas unidades de informação implica o entendimento de algumas premissas prévias: que o marketing vai para além da divulgação; que é preciso conhecer os utilizadores como consumidores de informação; que a biblioteca existe porque os utilizadores existem e que ao conhecê-los, envolvê-los e atendê-los bem contribuirá para o reconhecimento da instituição e consequentemente do profissional da informação. A mesma autora (2008) denomina o marketing em contexto biblioteconómico de “marketing de informação”, ou seja o marketing “que recomenda e enfatiza a importância do usuário como cliente consumidor de informação e a adequação da oferta de produtos e serviços de informação aos interesses e necessidades desses usuários” (Amaral, 2008, p. 34).

No âmbito do trabalho realizado sobre a aplicabilidade do marketing em bibliotecas universitárias, Bezerra (2012) sublinha que o marketing, desde os seus primórdios, visa a troca de valores e é também nessa linha que se apresenta como uma ferramenta que gera vantagens para as bibliotecas, pois sendo este uma filosofia de gestão, cria e agrega valor aos procedimentos adotados na mesma (Bezerra, 2012).

Atualmente com a advento tecnológico, o marketing nas bibliotecas, embora partindo dos pressupostos tradicionais, vê acrescida uma nova potencialidade, a perpetuação do diálogo com utilizadores reais e potenciais“…is an ongoing conversation with your target audience wich combines promotion, publicity, PR and advertising is an organized, strategic way […] to the right people, at the right time – taking the useful and necessary services we [librarians] provide, and making those who need them aware of them” (Potter, 2012). O marketing pode auxiliar, assim, a informar, a educar e

a persuadir, não só os utilizadores em geral, como também a tutela sobre os benefícios e o valor criado pelas bibliotecas (Kendrick, 2006). Weiner explicita de que forma o valor é percecionado pelos stakeholders: “Value is added when library users are "changed" for having used library services and resources, allowing them to become more knowledgeable and empowered in decision making. Management and organizational culture need to realize this is the kind of value libraries can provide (Weiner, [?], p. 2).

A verdade é que ao longo dos tempos o conceito de marketing tem vindo a ser discutido no âmbito das bibliotecas e até mesmo integrado na prática bibliotecária, sobretudo a partir da década de 80 em diante, como se demonstrará em seguida.

2.3.1. Tendências de marketing nas bibliotecas: uma leitura

Singh (2005) apresenta no seu trabalho uma perspetiva geral sobre a adoção do marketing nas bibliotecas que, segundo o autor, ocorreu em três momentos distintos de forma progressiva: 1º) 1969-1980; 2º) 1980-1990; e, 3º) Desde 1990 e que, de certa forma, espelham a evolução do conceito de marketing da prática comercial nas organizações sem fins lucrativos, dando assim conta das principais tendências da sua adoção nas bibliotecas.

Recupera-se, neste âmbito, algumas considerações realizadas pelo autor. Assim entre 1969 e 1980 verifica-se uma preocupação em incorporar os conceitos de marketing nas bibliotecas, consequentemente há a necessidade destas organizações realizarem pesquisa de mercado. Começa-se a dar atenção igualmente aos fatores que poderão determinar os motivos pelos quais a biblioteca é procurada, nomeadamente localização, acessibilidade entre outros fatores.

Na década seguinte, entre 1980-1990, entra-se na era do marketing propriamente dita, acompanhando as bibliotecas também essa tendência. Contudo, mais do que implementar uma estratégia de marketing, as bibliotecas dão especial importância à promoção dos seus serviços e recursos. A este propósito Savard (1997) revela que a publicidade às bibliotecas e aos centros de documentação é uma presença assídua sobretudo nos países anglo-saxónicos e na América do Norte. Cronin, em 1985, prenunciava que o marketing será um modo de gestão natural nos serviços de informação e documentação.

Embora nos anos 80 e 90 proliferem estudos sobre utilizadores, consideradas ferramentas fundamentais para pesquisa de marketing e, consequentemente, percebidos os benefícios destes estudos para o próprio serviço bibliotecário, estes são por si um fim e não um meio a ser integrado numa lógica de marketing. Embora as bibliotecas usem algumas técnicas de marketing, poucas têm uma orientação para o marketing. Assiste-se a uma sobrevalorização da aplicação do clássico marketing-mix, faltando contributos teóricos com evidências empíricas.

Ainda que Singh (2005) no seu trabalho não tenha focado a emergência do marketing digital é importante referi-lo. Desde 2000 o marketing é cada vez mais digital, impondo-se a tecnologia como fator diferenciador face ao marketing dito tradicional “The real difference between tradicional marketing and digital marketing is that the tecnology supports ‘the ability to offer an eficiente, customized solution” (Saéz, 2002, p. 231), tendo as bibliotecas acompanhado esta tendência, o que obrigou a uma revisão das variáveis de marketing, agora adaptadas ao marketing-mix digital, e a uma consequente revisão do valor da biblioteca para todos os stakeholders: utilizadores, profissionais e instituição. A avaliação e a qualidade são temas que têm ganho relevância teórico-prática, tendo a comunicação de marketing contribuído para a sua discussão.

2.3.2. Reconhecimento do marketing nas bibliotecas por organizações internacionais

A nível institucional também se tem assistido a um reconhecimento do marketing. A UNESCO, em 1987, publicou A modular curriculum in information studies e, em 1988, o documento Príncipes directeurs pour l’enseignement du marketing dans la formation des bibliotecaires documentalistes et archivistes. Neste último documento não só se atribui ao marketing a capacidade de melhorar a utilidade social dos serviços de informação, condição essencial para a sua sobrevivência, como também se refere que o “marketing permite aos estudantes de ciências da informação adquirir uma melhor consciência da importância do utilizador e das suas necessidades de gestão de um serviço de informação documental.” Além disso, inculca noções de planificação estratégica que são essenciais a todos os gestores modernos.”

Em 1993 Mirian Tees propõe o marketing como parte integrante na formação dos profissionais da informação num artigo publicado pela IFLA (International Federation of Library Associations and Institutions). No mesmo ano a IFLA e a UNESCO publicaram um documento preparado por Sylvia R. H. James, intitulado Introduction to policies on library and information services, no qual se reconhece a existência de críticas tradicionalmente apontadas por alguns autores à aplicação do marketing às bibliotecas mas também as vantagens que esta disciplina pode oferecer a este setor. Assim a resposta à aplicação do marketing em bibliotecas é: “The answer to this question in the Library and information context is that any successful and effective LIS service already implements some elements of marketing into their service, otherwise, it would not be perceived by its users (consumers) to be a ‘good’ service”. Culminando este trabalho, com a criação, em 1998, da secção Management and marketing section devido ao interesse crescente nestas matérias, com relatórios anuais e newsletter desde 2000.

Em 2000 a IFLA publicou Adapting marketing to libraries in a changing and world-wide environment, editado por Réjean Savard, que veio confirmar a tendência da aceitação do marketing no mundo da bibliotecas e que veio a ganhar visibilidade nos anos posteriores:

2001 - Education and research for marketing and quality management in library; 2001 - Glossary of marketing definitions: IFLA Section of Management and marketing; 2005 - E-learning for management & marketing in libraries;

2006 - Marketing library and information services: international perspectives;

2006 - Management, marketing and promotion of library services based on statistics, analyses and evaluation;

2013 - Marketing library and Information services II: a global outlook.

Ainda no ano de 2006, a secção da IFLA dedicada ao estudo do marketing e gestão de bibliotecas apresentou um conjunto de artigos na conferência que teve lugar em Xangai. Os artigos foram publicados, numa edição da IFLA, cujo editor é James Mullins (2007). A edição tem o objetivo de divulgar tudo o que se tem realizado no âmbito do marketing ligado às bibliotecas, e em parceria com a IFLA, trata os últimos desenvolvimentos no marketing e na gestão de bibliotecas no mundo, reconhecendo os desafios em ir ao encontro das necessidades locais numa sociedade da informação e global. Usou diferentes abordagens de modo a identificar tendências, oportunidades e necessidades, bem como a eficiência e a avaliação em países que vão da Austrália, Bélgica, China, Dinamarca, até aos Estados Unidos bem como a outros países.

Em 2003 com atribuição do Prémio Internacional Marketing/3M de Marketing pela IFLA, há um reconhecimento internacional e reivindica a sua importância e necessidade de implementação nas bibliotecas.

No ano de 2001 as duas organizações (IFLA/UNESCO) publicam um documento The public library service: IFLA/UNESCO guidelines for development, que apesar de ser dirigido para as bibliotecas públicas, aponta para a mais-valia em adotar técnicas de marketing: “Library managers can use marketing techniques to enable them to understand the needs of their users and to plan effectively to meet those needs. The library should also promote its services to the public to ensure that they are kept informed of the services provided to meet their library and information requirements” (p. 82). Para a estratégia de marketing a biblioteca para além de dever ter uma política de marketing e um plano que a concretize, que poderá passar pela realização de um leque de ações, sendo salvaguardadas, todavia, as circunstâncias e contextos em que possam ocorrer (p. 83).

Em 2005 publicou-se um documento sob a tutela da Royal School of Library and Information Science, intitulado European curriculum reflections on Library and Information Science que reúne as conclusões do projeto, que se propôs discutir os curricula da formação existente na Europa, pós Bolonha, na área das Ciências da Informação, documento que dedica um tópico à importância da Gestão nas bibliotecas, apresentando inclusive uma proposta de lecionação de um módulo de formação sobre marketing (pp. 219-221).

De igual forma a ALA (American Library Association) tem uma secção ACRL (Association of College & Research libraries), à semelhança da IFLA, de bibliotecas académicas. Encontram-se integradas neste grupo documentos com linhas orientadoras para as bibliotecas académicas, assim com um conjunto de documentos de apoio de ordem mais prática, incluindo toolkits de marketing, direcionado para profissionais da área. Nesta perspetiva, destaca-se o documento “Standards for Libraries in Higher Education”, o qual “ [is] designed to guide academic libraries in advancing and sustaining their role as partners in educating students, achieving their institutions’ missions, and positioning libraries as leaders in assessment and continuous improvement on their campuses. Libraries must demonstrate their value and document their contributions to overall institutional effectiveness and be prepared to address changes in higher education” (ACRL, 2011). É um documento que se encontra sustentado em nove princípios, acompanhado por respetivos indicadores de

desempenho. Ainda que não se aborde diretamente o conceito de marketing há indícios no documento da sua importância, encontrando-se mais explicíta no nono princípio: “Relações externas”, com o seguinte pressuposto: “Libraries engage the campus and broader community through multiple strategies in order to advocate, educate, and promote their value”. Este princípio é mensurável, através dos seguintes indicadores de desempenho:

a) The library contributes to external relations through communications, publications, events, and donor cultivation and stewardship;

b) The library communicates with the campus community regularly;

c) Library personnel convey a consistent message about the library and engage in their role as ambassadors in order to expand user awareness of resources, services, and expertise.

Evidencie-se ainda a atribuição de prémios na área da comunicação para bibliotecas- Em 1946 foi criado o Jonh Cotton Dana Library Public Relations Award, prémio que se mantém até hoje sob a tutela da ALA.

O marketing nas bibliotecas tem vindo a ganhar expressão nas últimas décadas, como se comprova pela produção de artigos científicos na área das CID, como pelas organizações e associações internacionais, através da produção de linhas orientadoras e disponibilização de tutoriais direcionados para o marketing, assim como pela atribuição de prémios de relevo.

2.4. Bibliotecas académicas e Ensino Superior Português: num processo de