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Materiais e Métodos

No documento Livro VDS2016 repositório (páginas 47-51)

O objectivo que motivou a realização desta investigação pode ser formulado na pergunta: “Como é que os trabalhadores da indústria da limpeza em Portugal percebem o risco psicossocial associado ao desempenho das suas funções?”. A opção pelo estudo de caso deveu-se ao reconhecimento da capacidade deste modelo de inquirição para responder a questões que remetam para a descrição de atitudes ou percepções sociais face a determinado problema sugerindo modos de funcionamento – o “como” – tácitos ou explícitos que ajudem a discernir sobre as condições em que o problema é configurado na realidade do dia-a-dia. Para além de ajudar a perceber o “como”, que é talvez a principal vantagem do estudo de caso (Yin, 2003), este tipo de estudo é especialmente eficaz na descrição dos fenómenos ou problemas sociais, pois, uma das suas características é permitir a recolha de diversas fontes de evidência para melhor se perceber o quadro mais amplo em que eles se contextualizam.

2.1. Amostra

Foram incluídas cinco empresas de limpeza, que empregam 13.999 pessoas, das quais, foram obtidos 572 questionários válidos, o que corresponde, para efeitos de análise, a uma margem de erro de 5% e a um nível de confiança de 95%. A amostra foi seleccionada com base em critérios teóricos previamente definidos (método teórico de amostragem). O critério central de selecção foi a condição de se tratar de empresas especializadas no sector da limpeza que desenvolvessem a sua actividade no território português.

As cinco empresas seleccionadas perfazem, no conjunto, um volume de negócios de 121.662.966 Euros ao ano e situam-se entre as posições 13ª e 26ª do conjunto das 100 maiores empresas a laborar em Portugal.

2.2. Instrumento de recolha de dados

Para se descrever a percepção do risco psicossocial percebido pelos funcionários da limpeza, partiu-se da medição do nível de risco percebido. Os factores preditivos foram seleccionados por Bilbao & Cuixart (2012), no instrumento construído pelos autores e adoptado pelo INSHT. A construção do instrumento de medição foi acompanhada de um programa informático utilizado para obter os outputs característicos do método, designado por FPSICO. O instrumento de medição das percepções do risco é apenas um dos quatro que compõem o método FPSICO. Para além dele, o método também inclui “uma ficha de caracterização das condições prévias, uma ficha de possíveis indicadores de efeitos na organização e fichas para a planificação de acções preventivas” (Neto, 2015). Neste estudo, utilizou-se o instrumento de

medição das percepções e a ficha de caracterização das condições prévias. O instrumento de medição das percepções, para além dos itens de caracterização sócio-demográfica e profissional, consta de 44 perguntas, algumas delas múltiplas, de forma que o número de itens ascende a 89, e oferece informação sobre nove factores: Tempo de Trabalho, Autonomia, Carga de Trabalho, Exigências Psicológicas, Variedade/Conteúdo, Participação/Supervisão, Interesse pelo Trabalhador/Compensação, Desempenho do Papel e Relações e Apoio Social (Bilbao & Cuixart, 2012).

2.3. Método de Análise dos Dados

O método FPSICO inclui, complementarmente, um programa informático que faz a análise dos dados. O formato de extracção dos resultados apresenta-se em duas modalidades: a valorativa e a descritiva.

Na modalidade valorativa, as pontuações obtidas são transformadas em percentis, os quais representam níveis distintos de risco e são representados por cores num gráfico final que sintetiza todas as percentagens obtidas em cada factor. Os níveis de risco são quatro:

• Muito elevado (percentil ≥ 85) – representado a cor vermelha; • Elevado (≥ 75 - < P85) – representado a cor laranja;

• Moderado (≥ 65 - < P75) – representado a cor amarela; • Situação adequada (< P65) – representado a cor verde.

A modalidade descritiva complementa a valorativa e fornece informação detalhada sobre a opinião dos trabalhores perante as perguntas, mostrando a variação das respostas de acordo com as características dos respondentes nos nove factores.

3. Resultados e Discussão

3.1. Características Sócio-Demográficas da amostra

As respostas às questões da primeira parte do questionário, permitem fazer uma caracterização sócio-demográfica da amostra dos trabalhadores que responderam. A grande maioria dos funcionários é do género feminino (81,6%). Quase metade da amostra (46,6%) tem mais de 44 anos de idade. Os trabalhadores casados representam 47% da amostra e os solteiros (32,2%). No conjunto, os trabalhadores com habilitações ao nível básico representam 67,7% da amostra. Mais de metade da amostra (54,2%) possui um vínculo laboral firmado por contrato por tempo indeterminado. A maior parte da amostra (79,7%) não trabalha por turnos.

3.2. Os riscos psicossociais: perfil valorativo e caracterização

Os factores que definem o instrumento FPSICO são adequados para identificar os factores de risco psicossociais que são referidos no conjunto da literatura existente sobre o tema. O nosso estudo, que revela uma consistência interna excelente, obtendo-se um valor de Alfa de Cronbach de 0,837, para uma amostra de 572 indivíduos. Isto demonstra que o modelo representa, de forma muito fiável, o que ocorre na realidade, com um bom ajuste de probabilidade.

A Figura 1 representa o perfil de avaliação que indica o nível de risco psicossocial para os nove factores considerados por este método FPSICO.

Figura 1: Perfil valorativo da exposição aos riscos psicossociais nas empresas

Pode-se observar que a situação é percebida como sendo em grande parte adequada em praticamente todos os aspectos analisados, exceptuando o aspecto da Participação/Supervisão (PS).

Por ordem decrescente, a percepção positiva (verde) sobre risco distribui-se entre os 78% e os 10% da amostra, variando conforme os factores da seguinte forma:

• Variedade e Conteúdo das Tarefas (78% de nível de adequação); • Exigências Psicológicas (70%);

• Tempo de Trabalho (67%);

• Interesse pelo Trabalhador/Compensação e as Relações e o Apoio social (66%); • Carga de Trabalho (61%);

• Desempenho do Papel (58%); • Autonomia (53%);

• Participação/Supervisão (10%).

A avaliação dos níveis de risco percebido, tomando-se isoladamente os percentis obtidos, revela que as percepções negativas correspondentes a ≥20% das respostas se concentram nos factores Participação/Supervisão e Carga de Trabalho. O factor Autonomia abrange a totalidade do espectro de gravidade. Este factor junta-se aos dois mais frequentemente referidos – Participação/Supervisão e Carga de Trabalho – no conjunto dos factores percebidos como sendo de risco elevado pelos trabalhadores.

O factor Participação/Supervisão refere-se ao grau de controlo relativo que o trabalhador e o supervisor exercem sobre o trabalho. Deste modo, ambas as dimensões taxonómicas dos factores psicossociais de risco identificadas por Cox et al. (2000) são envolvidas nos processos de percepção das ameaças para a segurança e a saúde dos profissionais das limpezas.

3.3. Relação entre as percepções do risco e as características sócio-demográficas dos trabalhadores

A percepção de risco psicossocial varia consoante o factor visado.

No geral, há predominância de situações adequadas, mas as situações desadequadas não podem ser ignoradas nem negligenciadas em nenhum dos factores. No caso concreto da relação Participação/Supervisão, a percepção de desadequação é especialmente problemática. Através de uma análise correlacional rho de Spearman, foram identificadas associações entre os níveis de risco psicossocial e algumas características sócio-demográficas dos trabalhadores. A distribuição das percepções de acordo com os atributos sócio-demográficos dos trabalhadores revela associações moderadas. Foram encontradas associações estatisticamente significativas entre:

• Género e os factores Carga de Trabalho (rho = ,088, p – 0,05), Variedade e Conteúdo das Tarefas (rho =-,105) e Relações e Apoio Social (rho =-,108, p – 0,05);

• Idade e o factor Variedade e Conteúdo das Tarefas (rho =-,097, p – 0,05);

• Estado Civil e os factores Autonomia (rho =-,130, p – 0,05) e Relações e Apoio Social (rho =-,109, p – 0,05); Fa cto re s de R isco Psi co ss o ci ai es

• Nível Habilitacional e os factores Carga de Trabalho (rho =-,099, p – 0,05), Variedade e Conteúdo das Tarefas (rho =,120, p – 0,05) e Participação e Supervisão (rho =-,111, p – 0,05);

• Regime Profissional e os factores Carga de Trabalho (rho =,088, p – 0,05) e Variedade e Conteúdo das Tarefas (rho =,128, p – 0,05); e

• Trabalho por Turnos e os factores Tempo de Trabalho (rho =,085, p – 0,05), Autonomia (rho =,697, p – 0,05), Exigências Psicológicas (rho =-,084, p – 0,05) e Desempenho do Papel (rho =,118, p – 0,05).

Em resumo, a percepção do nível de risco no factor Tempo de Trabalho é moderada e positivamente relacionada com o facto de os trabalhadores trabalharem por turnos. Ou seja, os trabalhadores que trabalham por turnos percebem níveis mais elevados de risco. Precisamente o contrário acontece com os factores Autonomia e Desempenho do Papel. No primeiro caso, regista-se o nível mais elevado de associação, significando que quem não trabalha por turnos tem menor nível de autonomia, logo, está mais exposto aos efeitos deste factor de risco. No segundo caso a associação significa que quem não trabalha por turnos não está tão exposto a exigências que possam ser feitas em relação ao trabalho, mas, por outro lado, está mais exposto à ambiguidade da informação que lhe é veiculada pelos superiores hierárquicos.

Verifica-se, ainda, que a Carga de Trabalho é maior para trabalhadores vinculados com contratos por tempo indeterminado. Isto significa que, aos trabalhadores “efectivos” é-lhes exigida maior participação, passando por maior quantidade de trabalho, exigência de maior rapidez, maior pressão temporal, maior atenção e tarefas mais difíceis. O mesmo acontece no que respeita à Variedade e ao Conteúdo do Trabalho. Os trabalhadores com contrato por tempo indeterminado percebem uma maior rotina das tarefas que realizam.

Por sua vez, os trabalhadores com mais baixas habilitações académicas são os que percebem menores exigências do trabalho em termos de rapidez e grau de atenção, e vice-versa, os trabalhadores com mais habilitações percebem maiores níveis de exigência em termos de grau de atenção exigível, de quantidade de trabalho e de pressão do tempo.

Encontrou-se uma associação positiva moderada entre o Nível Habilitacional e a Variedade e Conteúdo das Tarefas, significando que os trabalhadores com menores habilitações são os que mais percebem o seu trabalho como sendo rotineiro e com menor importância para a empresa. Entre o Nível Habilitacional e a Participação/Supervisão foi encontrada uma associação negativa moderada, significando que os trabalhadores com menos habilitações percebem menor poder de participação nas decisões sobre o trabalho e maior controlo por parte dos supervisores.

Os trabalhadores solteiros percebem menor grau de Autonomia, medida pelo número de horas livres, e vice-versa, isto é, os trabalhadores casados ou divorciados percebem maior grau de autonomia. Os trabalhadores solteiros percebem também menor Apoio Social e menor número de relações entre as pessoas no local de trabalho.

Os trabalhadores mais jovens percebem menos rotina nas tarefas desempenhadas. Em complemento, os trabalhadores mais velhos percebem maior sentido naquilo que fazem, enquanto os trabalhadores mais jovens percebem que o seu trabalho tem pouco sentido, embora o considerem importante para a empresa e os seus amigos e familiares o reconheçam. No plano inverso, os trabalhadores mais velhos percebem menor reconhecimento da sua função, tanto no meio social e familiar como em relação ao entendimento da empresa.

Finalmente, os trabalhadores do sexo feminino percebem maior Carga de Trabalho, percebem maior rotina nas tarefas desempenhadas e menor importância do seu trabalho para a organização. Complementarmente, as mulheres sentem-se mais discriminadas do que os homens e estes percebem maior conflitualidade no local de trabalho.

4. Conclusões

Verifica-se que o objectivo deste estudo foi plenamente cumprido. Os dados revelam que os trabalhadores da indústria das limpezas em Portugal percebem diferentes níveis de exposição aos riscos psicossociais no local trabalho. Existe uma predominância de percepções de adequação situacional face a percepções de risco, em oito dos nove factores avaliados pela escala estatística, ou seja, os trabalhadores das limpezas em Portugal percebem maioritariamente situações adequadas de risco. O único valor maioritariamente percebido como desadequado foi registado no factor Participação/Supervisão (PS) de 90%, que se refere à relação apoiada no poder de decisão sobre o trabalho e sobre as tarefas concretas.

Os dados mostram que a relação do padrão sócio-demográfico dos trabalhadores das limpezas com os níveis de risco psicossocial percebidos é estatisticamente significativa. Nomeadamente, que a percepção do risco psicossocial é influenciada pelo horário de trabalho, pelo regime de trabalho, pelas habilitações literárias, pelo estado civil, pela idade e pelo género.

Os trabalhadores percebem níveis elevados de risco em situações relacionadas especialmente com a sua liberdade para poder decidir sobre aspectos concretos do trabalho, a qual é constrangida pela aparentemente rígida supervisão das suas funções, o que leva os trabalhadores a questionar o seu próprio papel na organização. Os valores atingidos no factor Carga de Trabalho mostram que os trabalhadores também percebem que as exigências do trabalho provocam elevados níveis de tensão.

Deste modo, conclui-se que a percepção do risco psicossocial por parte dos trabalhadores da limpeza a laborar em Portugal revela uma estrutura tensional entre os factores associados, em que a tensão no trabalho é reduzida quando o controlo do trabalho por parte do trabalhador aumenta, e vice-versa. Para esta tensão interferem elementos de Apoio e de Recursos, revelados pela percepção da necessidade de apoio dos supervisores no que concerne essencialmente à busca pelo reconhecimento do trabalho e do papel dos profissionais.

No documento Livro VDS2016 repositório (páginas 47-51)