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Tiago Tomé

1.2 Materiais e Métodos

O desenrolar dos trabalhos viria a revelar um contexto arqueológico de pequena potência estratigráfica e, sobretudo, já profundamente perturbado. Os 116 restos ósseos e dentários restantes, recuperados principalmente em recantos de mais difícil acesso junto às paredes da gruta, encontravam-se bastante fragmentados, dificultando tanto a correcta identificação dos mesmos quanto a profundidade da análise desenvolvida a posteriori, apesar da tentativa de maximização de recolha de dados antropológicos a partir da própria escavação.

Apesar destas limitações, a análise laboratorial da totalidade destes restos permite uma mais profunda caracterização dos indivíduos ali inumados, além de possibilitar um vislumbre da complexidade de ritos e gestos funerários dessa comunidade. Assim, após a identificação e inventariação destes restos osteológicos humanos, procedeu-se à determinação do Número Mínimo de Indivíduos (NMI), tanto adultos como não-adultos. No decorrer do processo de inventário, todos os restos ósseos foram pesados e o seu peso relativo comparado com os valores de referência de Silva et al (2008), de modo a analisar a representatividade óssea dos diversos elementos esqueléticos nesta colecção, bem como a inferir do tipo de contexto funerário presente na Lapa Comprida do Castelejo. A pesagem foi feita com recurso a uma balança modelo Kern 440-53. Em termos paleodemográficos, a não preservação de elementos diagnosticantes para uma análise de diagnose sexual foi um dos principais constrangimentos, o mesmo se verificando, ainda que com menor impacto, relativamente à estimativa de idade à morte. No único caso em que tal foi possível, recorreu-se à erupção e calcificação dentárias, de acordo com o esquema de Ubelaker (1989) para a estimativa da idade à morte dos indivíduos não-adultos, não tendo sido possível avançar com uma estimativa fiável de idade à morte para os indivíduos adultos .

Finalmente, desenvolveu-se uma análise paleopatológica, que incidiu sobretudo sobre os restos dentários recuperados, na qual se registou a frequência de cáries relativamente à sua dimensão (Lukacs, 1989 apud Cunha, 1994) e localização (Moore e Colbert, 1971 apud Cunha, 1994), a incidência do desgaste oclusal do esmalte dentário, de acordo com a metodologia de Smith (1984), após modificações de Silva (1996) e a frequência de depósitos de calculus dentário (Martin e Saller, 1956 apud Cunha, 1994). Registou-se ainda a presença ou ausência de hipoplasias lineares do esmalte dentário, de modo a aferir do grau de stress sistémico a que estes indivíduos teriam sido sujeitos, na medida em que factores como uma deficiente nutrição ou episódios infecciosos de maior impacto durante a infância podem afectar o processo de formação do esmalte dentário (Hillson, 2000). Foi também possível identificar em alguns restos ósseos vestígios de artrose, cuja frequência foi registada de acordo com a metodologia de Crubézy, Morlock e Zammit (1985, apud Cunha, 1994).

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1.3

Resultados

1.3.1 Preservação e representatividade ósseas e Número Mínimo de Indivíduos

Conforme já referimos, a amostra osteológica humana recuperada na Lapa Comprida do Castelejo encontrava-se profundamente perturbada, tantos em termos contextuais como da própria fragmentação dos restos ósseos que ainda permaneciam na gruta. Ex ceptuando os restos dentários e algumas peças ósseas de menores dimensões (como falanges, por exemplo), todos os restantes elementos ósseos se encontravam fragmentados, com cerca de 46% da colecção a apresentar um grau de preservação mínimo, que permitiu apenas a identificação da peça óssea em questão, mesmo que incompleta.

Em termos da representatividade de cada região óssea, os valores obtidos através da pesagem de todos os fragmentos ósseos recuperados foram somados por região óssea, de modo a poderem ser comparados com os valores de referência definidos por Silva et al (2008) – Imagem 1.

Imagem 1: Valores de peso relativo por região óssea, comparados com os valores de referência (Silva et al, 2008).

O gráfico ilustra claramente os desvios verificados em termos de representatividade óssea nesta gruta-necrópole. Em todas as categorias os valores obtidos ostentam discrepâncias em relação aos valores de referência de peso esquelético. Apesar de, fruto da distribuição espacial dos diferentes restos ósseos recuperados, estarmos provavelmente perante um contexto de inumação secundária ou de redução (Silva, 2000), o perfil obtido pode mais facilmente ser explicado pelas recolhas clandestinas que se terão verificado na Lapa Comprida do Castelejo. Categorias que incluem ossos considerados mais “importantes” ou cuja identificação é mais evidente, como os coxais, ossos longos ou crânios exibem uma sub-representação que parece reflectir uma selecção intencional de quais os ossos a recolher primeiro, facto que parece ser corroborado pela sobre-representação dos elementos ósseos da mão, costelas e coluna vertebral, cuja recolha, exigindo maior minúcia, terá sido negligenciada pelos responsáveis por esta pilhagem. Mesmo em termos da representação dos restos dentários ne sta série esta hipótese parece sair reforçada – dos 26 dentes recuperados, apenas três se tratam de molares, o que faz sentido, na medida em que, fruto da morfologia das suas raízes, estes serão os dentes que mais dificilmente se irão soltar dos seus alvéolos post-mortem, tendo portanto sido levados juntamente com as peças maiores, maxilares e mandíbulas.

0 5 10 15 20 25 30 35 40 45 Crânio Mandíbula Mão Pé Ossos longos Clavícula Coxal Costelas Coluna vertebral R e g o ó s s e a %

Quanto ao Número Mínimo de Indivíduos representados nesta amostra, foi possível identificar a presença de, pelo menos, cinco indivíduos, dos quais quatro são adultos (representados pelo 2º pré-molar superior direito) e um não-adulto, representado pelo 1º molar superior esquerdo (Imagens 2 e 3).

Imagem 2: Número Mínimo de Indivíduos adultos com base nos restos ósseos.

Imagem 3: Número Mínimo de Indivíduos adultos com base nos restos dentários (notação FDI).

1.3.2 Aspectos paleodemográficos

Tendo em conta a escassez da amostra disponível, foi apenas possível proceder a uma estimativa da idade à morte mais precisa no caso do indivíduo não-adulto, que se verificou tratar-se de uma criança entre os 2 e os 3 anos de idade (Imagem 4), de acordo com o esquema de calcificação e erupção dentárias de Ubelaker (1989).

0 1 2 3 Bacia Calcâneo E Clavícula E Cóccix 1ª costela D 1ª costela E Crânio Escafóide D 1ª falange distal (mão) E Mandíbula 1º metacarpo E 3º metacarpo D 5º metacarpo E Navicular Talus Trapézio D Trapézio E NMI 0 1 2 3 4 5 11 14 15 18 21 23 26 28 31 32 33 35 41 43 44 45 Dentes NMI

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Imagem 4: 1º molar superior direito não erupcionado, pertencente a um indivíduo com cerca de 2 a 3 anos de idade (espécime LCC F19.SC53).

No caso dos indivíduos adultos, é possível presumir que pelo menos um deles se trataria de um indivíduo com cerca de 18 a 20 anos, pela presença de dois 3ºs molares que aparentam pertencer ao mesmo indivíduo, cujos graus de desgaste são, respectivamente, 0 para o molar superior direito e 1 para o molar superior esquerdo. Tendo em conta que a erupção do 3º molar costuma ocorrer em torno dos 18 anos, bem como os graus de desgaste oclusal referidos, é possível que este indivíduo se trate de um adulto jovem, eventualmente na faixa entre os 18 e os 20 anos. No entanto, a falta dos restantes molares, como referência comparativa em termos do desgaste, impede uma estimativa mais fiável.

Relativamente à diagnose sexual, conforme já referimos, não nos foi possível realizar qualquer análise, devido à não preservação de elementos diagnosticantes nos restos ósseos recuperados.

1.3.3 Análise paleopatológica

1.3.3.1 Patologias orais

A análise da frequência de lesões carigénicas apresentadas pelos 26 dentes recuperados nesta gruta revelou a presença de 4 dentes afectados por esta patologia, três pré -molares e um molar. Em termos das suas dimensões, todas as cáries identificadas são de pequenas dimensões; já em termos da sua localização, três encontram-se na linha cervical e uma na zona interproximal. Quanto ao desgaste oclusal do esmalte dentário, predominam os graus de desgaste moderados, havendo também uma importante frequência de graus baixos de desgaste oclusal. Registou-se pelo menos um caso de desgaste assimétrico. Já em relação às deposições de tártaro, identificaram-se vestígios apenas em quatro dentes, tratando-se na sua maioria de acumulações de pequenas dimensões (Imagens 5 a 7).

No decorrer da nossa análise não foram identificadas quaisquer hipoplasias lineares do esmalte dentário, parecendo apontar para um cenário em que estes indivíduos não teriam estado sujeitos a elevados graus de stress sistémico, em particular durante a fase de desenvolvimento dentário.

Imagem 5: Pré-molar superior direito (2º), com uma cárie de pequenas dimensões na zona interproximal (espécime LCC F20.8).

Imagem 6: Pré-molar superior direito (2º), onde se pode observar um elevado grau de desgaste oclusal. Ostenta ainda uma área com um padrão assimétrico de desgaste (espécime LCC F19.SC71).

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1.3.3.2 Patologias degenerativas

Conforme referimos acima, foram identificados traços de patologias degenerativas, em particular de artroses, numa vértebra torácica e numa vértebra lombar. Ambos os casos apresentam o grau mais baixo na escala de registo de artroses de Crubézy, Morlock e Zammit (1985, apud Cunha, 1994), com osteofitoses abaixo dos 2 mm de comprimento.

1.4

Considerações finais, acompanhadas de algumas notas relativas à