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Notas sobre a Antropologia Funerária da Lapa Rasteira do Castelejo

Lapa Rasteira do Castelejo (Alvados, Porto de Mós) – Relatório do estudo laboratorial dos restos ósseos

4. Notas sobre a Antropologia Funerária da Lapa Rasteira do Castelejo

Apesar do carácter preliminar deste relatório não nos possibilitar, de momento, avançar com uma proposta de interpretação mais completa desta necrópole, consideramos que a pequena amostra estudada nos fornece ainda assim alguns dados relativos aos gestos funerários envolvidos nesta gruta que merecem, pelo menos, que aqui os sistematizemos.

Ao longo da escavação não foram identificados quaisquer ossos em conexão anatómica, se bem que fosse possível perceber que algumas peças tinham tendência para se encontrarem agrupadas, como no caso do quadrado IL10, em que vários ossos longos se encontravam bastante próximos, aparentemente reunidos. Ao analisarmos a representatividade do peso ósseo, verificamos uma tendência para que as várias regiões ósseas se encontrem representadas de acordo com os valores de referência, à excepção do crânio, que se encontra claramente sub-representado. Conforme referimos acima, pensamos que esta aparente ausência dos elementos cranianos poderá ser explicada pelas violações do espólio desta necrópole. Em termos das chamadas articulações secundárias, não nos foi possível até ao momento identificar em laboratório quaisquer peças que possam constituir uma articulação; no máximo, em algumas situações, foi possível identificar a compatibilidade entre peças de lateralidades opostas.

Considerando estes aspectos, não nos parece possível, de momento, avançar com uma proposta definitiva do tipo de inumação desenvolvida na Lapa Rasteira do Castelejo. No entanto, o aparente equilíbrio na representatividade do peso ósseo parece sug erir que possamos estar perante um contexto de inumação primária, visto que as peças de menores dimensões, pertencentes às chamadas articulações lábeis, seriam muito mais facilmente perdidas numa situação de inumação secundária, em que estes restos ósseos fossem transportados após decomposição dos tecidos moles para o interior da necrópole. Tratando -se de uma inumação primária, muito provavelmente estaremos perante uma situação de redução de corpos, na medida em que, caso se tratassem de inumações primárias com os corpos em conexão anatómica, mesmo com as profundas perturbações pós-deposicionais identificadas, seria de esperar que essa conexão se mantivesse, pelo menos, em algumas peças, o que até ao momento não se verifica. Em relação aos ossos que apresentam alterações por acção do fogo pensamos que, por ora, estes podem ser explicados por contacto acidental (fogueiras, por exemplo), provavelmente associado a frequentações posteriores da gruta. Não nos parece que, dadas as circunstâncias, seja possível considerar que os rituais funerários em acção nesta gruta incluíssem aspectos como a cremação. Ainda assim, reforçamos que tanto o cariz preliminar da intervenção realizada como as importantes perturbações pós -deposicionais registadas levam a que estas propostas sejam meramente tentativas.

Todavia, subsiste ainda um aspecto fundamental na caracterização desta necrópole, o da sua inserção crono-cultural. A escavação deste depósito superficial revelou a presença de elementos materiais pertencentes a diversos períodos cronológicos, desde a Pré-História Recente até, pelo menos, à Idade Média. Se bem que a eventual realização de datações radiométricas sobre o espólio recolhido possa ajudar a clarificar a questão da cronologia desta necrópole, isso não é um dado adquirido, na medida em que, ao datar um osso humano, estaríamos apenas a obter uma data relativa à morte daquele indivíduo, o que poderia induzir- nos em erro relativamente à real dimensão do período de constituição e utilização da necrópole. Apesar destas limitações, parece-nos credível pensar que estes restos humanos sejam de cronologia pré-histórica. Por um lado, caso se confirme a continuidade do depósito funerário nos níveis seguintes, este terá, naturalmente, que ser mais antigo, sugerindo uma utilização prévia aos momentos de ocupação mais recentes atestados por alguns elementos cerâmicos e metálicos. Por outro, caso se confirme a natureza primária do contexto funerário,

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envolvendo a redução de corpos na sequência de gestos funerários, este estará de acordo com aquilo que se conhece de algumas necrópoles colectivas da Pré -História recente da região, como as grutas-necrópole do vale do Nabão (Tomé e Oosterbeek, 2010).

Esperamos que o avançar dos trabalhos, particularmente a escavação dos depósitos subjacentes à camada A, forneça dados que nos permitam avançar com interpretações mais completas dos gestos funerários e da inserção crono-cultural desta necrópole.

5. Considerações finais

A revisão dos dados obtidos com a análise laboratorial dos restos humanos exumados da Lapa Rasteira do Castelejo aponta para uma necrópole profundamente perturbada, devido a uma série de factores – ocupações sucessivas em períodos posteriores, actividade animal no seu interior e aparentes recolhas clandestinas mais recentes. Ainda assim, a amostra analisada revelou-nos estarmos perante uma necrópole de inumação colectiva, tendo sido para já identificados 5 indivíduos adultos, dos quais dois são do sexo masculino e um do sexo feminino. O indivíduo do sexo masculino representado pe lo ilíaco esquerdo é um adulto jovem, provavelmente com menos de 25 anos. Foi ainda possível identificar a presença de um indivíduo acima dos 30 anos. Adicionalmente, identificaram-se sete indivíduos não-adultos, nomeadamente um recém-nascido, duas crianças até aos 4 anos de idade, três crianças entre os 5 e os 9 anos de idade e um adolescente com menos de 15 anos.

Em termos morfológicos, foi possível estimar a estatura para um mínimo de três indivíduos adultos, parecendo existir um ligeiro dimorfismo sexual deste parâmetro osteométrico, se bem que a exiguidade da amostra não permita validá-lo.

A análise paleopatológica incidiu particularmente sobre as patologias orais, verificando-se uma prevalência de 13.7% de lesões cariogénicas sobre os dentes permanente s (7/51), predominando as lesões de menores dimensões, situadas maioritariamente na zona interproximal. Em termos de desgaste oclusal do esmalte dentário, predominam graus moderados de desgaste, registando-se também uma importante frequência de graus baixos (valor médio de 3.02). Quanto às acumulações de tártaro, estas foram identificadas em cerca de 40% da amostra dentária analisada, predominando as deposições de pequenas dimensões. Já relativamente à perda de dentes ante-mortem, verificou-se uma prevalência de 10.9%, afectando dois indivíduos.

No plano paleopatológico registaram-se ainda vestígios de patologias degenerativas articulares em duas vértebras, uma torácica e uma lombar, bem como de patologias traumáticas em duas peças do esqueleto apendicular. Adicionalmente, identificaram-se nódulos de Schmorl em quatro vértebras, não sendo possível determinar quantos indivíduos se encontram afectados. Esperamos que o desenrolar futuro dos trabalhos na Lapa Rasteira do Castelejo nos permita uma melhor caracterização desta gruta-necrópole, bem como dos indivíduos aí inumados.

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