• Nenhum resultado encontrado

Pesquisa exaustiva nas bases de dados Pubmed e Biblioteca Nacional (incluindo teses de mestrado/doutoramen- to), para as palavras ‘quality of life’ e/ou ‘epilepsy’ e/ou ‘repercussion’, nos idiomas português, inglês e espanhol, até ao ano de 2009. Ausência de critérios de exclusão quanto a faixa etária, género ou tipo de Epilepsia/Síndrome Epiléptico.

Análise dos Resultados

As pessoas com Epilepsia, tal como os demais indivíduos, também possuem as suas próprias aspirações, desejos, expectativas e concepções de uma vida boa e de um pleno bem-estar. Contudo, a sua Qualidade de Vida pode

2 A Qualidade de Vida de uma pessoa aparentemente saudável é diferente da de um indivíduo incapacitado, muitas vezes com dependência para determinadas actividades da vida diária.

efectivamente ser condicionada pela patologia que apresentam, dado que em alguns casos esta poderá originar determinadas limitações funcionais que, por seu turno, poderão ou não conduzir a incapacidades.

Os três domínios majores que parecem contribuir efectivamente para a Qualidade de Vida dos doentes epilépti- cos são: o físico (ocorrência de crises, medicação e episódios de hospitalização), o social (estigmatização, dinâmi- ca familiar, dificuldades laborais, restrições legais) e psicológico (défices cognitivos, declínio intelectual e mani- festações psiquiátricas), (Kendrick, 1994). Na prática, a maioria dos instrumentos de medição não abrange todas as dimensões enumeradas. Além de que é muito importante ter presente, que nos reportamos a uma doença com possíveis implicações em termos de Qualidade de Vida caracteristicamente distintas. Quando se analisa a Qualidade de Vida dos doentes epilépticos e apesar de não existir nenhum instrumento directamente aplicável e validado para Portugal, mas somente itens constitutivos de outras escalas, não se deve minorar em situação alguma, as áreas da auto-estima, do auto-conceito, do estigma e da satisfação pessoal (Bowling, 1995).

Um dos factores que se destaca é a presença/ausência e frequência de crises epilépticas, visto que a ansiedade e o medo de surgimento de uma nova crise podem ser constantes. Verifica-se a existência de um receio associado à possibilidade das crises afectarem, de modo adverso, as capacidades da pessoa a nível da educação, do trabalho, da família, dos relacionamentos sociais ou mesmo do simples acto de condução de veículos (Fisher, 2000)3. No

mesmo estudo, Fisher constatou que as pessoas invocaram o medo e a incerteza, como os piores aspectos iner- entes à vivência desta patologia. Por seu turno, Baker e colegas tentaram estabelecer uma relação entre a frequên- cia das crises, o tipo de crises e a Qualidade de Vida, em três países europeus, tendo recorrido ao Functional Status Questionnaire (FSQ)4, os resultados obtidos demonstraram que as pessoas sem crises apresentam uma

Qualidade de Vida superior e que quanto maior for a gravidade das crises menor será essa Qualidade de Vida, os efeitos das mesmas repercutem-se no bem-estar físico, social e psicológico, conduzindo muitas vezes a uma vida mais restritiva (Baker et al., 1998).

Existe um particular destaque para as crises de acontecimento diurno, em que existe uma maior exposição à observação e apreciação de terceiros. Estes eventos podem, de facto, imprimir graves efeitos a nível da esfera laboral (como acontece em alguns trabalhos com manipulação de maquinaria perigosa), social (em actividades lúdico-desportivas como a natação) e na condução de veículos (com provável ocorrência de acidentes de viação). Como o controlo das crises se apresenta como condição sine qua non, torna-se muitas vezes indispensável a administração de drogas anti-epilépticas visando tal fim. Quando estas são aplicadas de forma adequada e o esquema terapêutico é devidamente cumprido, a probabilidade de sucesso é elevada5. No entanto, estes fármacos

apresentam com alguma frequência efeitos adversos ou secundários. Por exemplo, no estudo de Mills (1997), 56% dos doentes referiram a sedação e a afectação das capacidades cognitivas como efeitos adversos da medi- cação, bem como reacções alérgicas e aumento de peso. Sendo factores capazes de afectar diferentes funções e papéis individuais, assim como relações interpessoais e o próprio auto-conceito.

3 12% dos doentes da amostra referiram o facto de já terem tido um acidente de automóvel, devido à ocorrência de uma crise enquanto condu- ziam.

4 A amostra era formada por trezentos doentes da França, Alemanha e Reino Unido, com idades compreendidas entre os 18 e os 65 anos e com diagnóstico de crises parciais simples ou complexas, com ou sem generalização secundária. O questionário aplicado cobriu as áreas física, psico- lógica, social e do desempenho de papéis.

Em Portugal os estudos efectuados nesta área são mínimos, mas nem por isso deixam de fornecer dados inter- essantes sobre o impacto da Epilepsia na Qualidade de Vida dos doentes. Uma investigação levada a cabo ente os anos de 1992 e 1994, na região norte do país, em 92 doentes com idades entre os 15 e os 65 anos, teve como objectivos primordiais o desenvolvimento de uma medição de Qualidade de Vida para a população portuguesa, a descrição dessa Qualidade de Vida e a sua análise em termos de afectação pela Epilepsia, bem como por outras variáveis do doente em si. Os resultados obtidos revelaram que a Qualidade de Vida era menor nas pessoas com crises parciais, sendo as pontuações mais elevadas alcançadas pelos doentes sem crises (Ribeiro et al., 1998). Na amostra de doentes analisada por Fisher, mais de metade referiu o medo, a raiva ou a depressão, como prin- cipais reacções aquando do diagnóstico da patologia. Tais comportamentos associam-se com frequência, à con- cepção das dificuldades suscitadas pela sociedade aos indivíduos portadores de doença crónica e, mais especifi- camente, a este grupo de doentes. Aliás, o estigma, a discriminação e a exclusão social, são ainda hoje sentidos com frequência pelas pessoas cunhadas de “epilépticas”. De tal forma, que 23.8% dos inquiridos mencionaram, espontaneamente, a ocorrência de estigma social, vergonha, solidão e medo das reacções das pessoas, actual- mente defendido por Argyriou (2004). Também na investigação de Mills, os indivíduos afirmaram como um factor contributivo para a sua “não felicidade”, o sentimento de serem tratados como se fossem pessoas inferiores. Os resultados obtidos apoiam, também, a ideia pré-existente de que esta doença tal como as demais patologias crónicas, se associa a percepções negativas e a uma ansiedade no contexto laboral. Daí que as atitudes dos colegas e dos empregadores sejam determinantes para o seu estatuto e bem-estar dentro da empresa.

As restrições em termos de condução de veículos, actualmente existentes, interferem em termos de independ- ência e autonomia do indivíduo e, muitas vezes, ao nível do seu estatuto social, dado que actualmente se tornou prática comum a condução desses veículos, como modo de afirmação de uma vida com boa qualidade. Como Fisher concluiu, apesar dos avanços inegáveis, as pessoas com Epilepsia continuam a debater-se com o estigma social, com baixas taxas de casamento, altas taxas de desemprego, baixo rendimento familiar, considerável esforço com a educação e uma pobre auto-imagem.

Discussão dos Resultados

A Qualidade de Vida nos doentes epilépticos, tal como nas demais áreas, é multifactorial, sofrendo influências de diversas vertentes. De um modo global, os principais factores condicionadores destes doentes e da sua vida diária, prendem-se com o tipo e a frequência das crises, os possíveis efeitos decorrentes da medicação anti-epiléptica, os défices cognitivos e/ou intelectuais, a dinâmica relacional e o estigma ou exclusão social. Dos diferentes estudos efectuados em vários países, verifica-se uma alusão frequente a uma diminuição ou limitação, da Qualidade de Vida nestes doentes. Aliás, no estudo realizado por Fisher (2000), mais de um quarto dos indivíduos estudados referiram algum tipo de limitação na vida diária, havendo igual alusão no estudo de Miller (2003) – menor Quali- dade de Vida no grupo de análise comparativamente com o grupo controlo.

Uma das principais características que se associam a um nível inferior de Qualidade de Vida parece ser a ocor- rência, o tipo e a frequência de crises epilépticas. Na literatura há inclusive referência, a tal constituir uma das prin- cipais preocupações dos doentes epilépticos, sendo ocasionalmente tida como factor de infelicidade. No mesmo estudo de Fisher, o medo e a incerteza de possíveis crises foi considerado um dos aspectos mais negativos ligados a esta patologia. E que se complementam com as investigações de Baker (1998) e de Alanis-Guevara (2005), em que um aumento na gravidade das crises e o seu mau controlo, respectivamente, apresentaram-se como indica- tivos de uma Qualidade de Vida inferior.

Conclusões

No processo moroso e particularizado de análise desta temática, constatou-se a existência de algumas divergên- cias, não só no que concerne ao grau imputado de Qualidade de Vida atribuído, mas também aos seus factores, ou possíveis factores, influenciadores. O medo de exposição social acarreta receios e incertezas, condicionado sobretudo pela exibição como ser vulnerável ou “inferior”, pois sabe-se que o rótulo “doente” imputa muito para além das consequências fisiopatológicas da doença em si.

A Epilepsia ainda é tida como sendo uma doença grave, há que ter em consideração que a ocorrência de crises pode conduzir a um comportamento de absentismo, que acarreta consequências. Daí a necessidade de existência de um elevado grau de compreensão e entreajuda por parte de terceiros, visto que, dentro de determinados lim- ites, estas situações escapam ao controlo de quem as vivencia, não devendo assim ser penalizadas por tal.

Referências Bibliográficas

ALANIS-GUEVARA, I. [et al.] – Sleep Disturbances, Socioeconomic Status, and Seizure Control as Main Predic- tors of Quality of Life in Epilepsy. Epilepsy & Behavior. Vol. 7, n.º 3 (2005), p.481-485.

ARGYRIOU, A. - Psychosocial Effects and Evaluation of the Health-Related Quality of Life in Patients Suffering from Well-Controlled Epilepsy. Journal Neurology. N.º251 (2004), p.310-313.

BOWLING, A. - Measuring Disease: a review of didease-specific quality of life measurement scales. Buckingham: Open University Press, 1995.

BAKER, G. [et al.] - The Relationship Between Seizure Frequency, Seizure Type and Quality of Life: Findings from Three European Countries. Epilepsy Research. Vol. 30, n.º 3 (1998), p.231-240.

ENGEL, J. - Classification of epileptic disorders. Epilepsia. N.º 42 (2001), p.316.

FISHER, R. [et al.] - The Impact of Epilepsy from the Patient’s Perspective I. Descriptions and Subjective Percep- tions. Epilepsy Research. Vol. 41, n.º 1 (2000), p.49.

FISHER, R. [et al.] - Epileptic Seizures and Epilepsy: definitions proposed by International League Against Epi- lepsy (ILAE) and the International Bureau for Epilepsy (IBE). Epilepsia. Vol. 46, n.º 4 (2005), p.470-472.

JACOBY, A. [et al.] – Employer´s Attitudes to Employment of People with Epilepsy: still the same old story? Epilepsia. Vol. 46, n.º 12 (2005), p.1978-1987.

KENDRICK, A.; MICHAEL, R. - Repertory Grid in the Assessment of Quality of Life in Patients With Epilepsy: The Quality of Life Assessment Schedule. In MICHAEL, R.; DODSON, W., coord. - Epilepsy and Quality of Life. New York: Raven Press, 1994. p.151-163.

LEPLEGE, A. – Les Mesures de la Qualité de Vie. Paris: Presses Universitaires de France, 1999.

LIMA, J. - Levantamento Epidemiológico das Epilepsias e dos Síndromos Epilépticos no Norte de Portugal. Tese de doutoramento, Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar (ICBAS). Porto, 1998. p.46-47.

MEGONE, C. - The Quality of Life – Starting from Aristotle. In BALDWIN, S.; GODFREY, C.; POPER, C., coord - Quality of Life – Perspectives and Policies. London: Routledge, 1990. p.28-30.

MILLER, V. [et al.] – Quality of Life in Pediatric Epilepsy: demographic and disease-related predictors and com- parison with healthy controls. Epilepsy & Behaviour. Vol. 4, n.º 1 (2003), p.36-42.

MILLS, N. [et al.] – Patient’s Experience of Epilepsy and Health Care. Family Practice. Vol. 14, n.º 2 (1997), p.117- 123.

RIBEIRO, J. [et al.] - Impact of Epilepsy on QOL in a Portuguese Population: Exploratory Study. Acta Neurologica Scandinavica. N.º 97 (1998), p.287-294.

Ser Pai e Mãe depois dos 30 anos

Outline

Documentos relacionados