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Qualidade de Vida de Pessoas com Doença do Humor e…Algumas Vozes Desesperadas

No documento Saúde e Qualidade de Vida: uma meta a atingir (páginas 167-173)

Macedo, E.*

Resumo

A avaliação da Qualidade de Vida (QDV) é especialmente útil para a aplicação na pesquisa e na prática clínica de psiquiatria principalmente para se perceber o impacto das doenças mentais e o possível benefício das inter- venções terapêuticas. De uma forma geral os estudos revelam limitações na QDV em pessoas com doenças do humor ou sintomatologia depressiva. Este estudo pretende contribuir para uma melhor compreensão entre a presença de doença de humor e a QDV em contexto português. Amostra: 39 sujeitos com doença do humor diagnosticada e 39 sem doença do humor diagnosticada. Instrumentos: WHOQOL-Bref e Índice de Graffar. Resultados: O 1º Grupo (com doença do humor diagnosticada) apresenta em todos os domínios do WHOQOL– Bref e Faceta QDV Geral scores mais baixos que o 2º Grupo (sem doença mental diagnosticada. Conclusões:De uma forma geral os resultados confirmam a evidência científica anterior a qual revela que as doenças mentais e concretamente as doenças do humor e sintomatologia depressiva têm um impacto negativo na QDV nas pes- soas. O trabalho também referencia elementos dos discursos dos sujeitos com doença de humor que evidenciam desespero profundo.

Palavras-chave: qualidade de vida; doenças do humor; desespero.

Abstract

Assessing the Quality of Life (QOL) is particularly useful for application in research and clinical practice of psy- chiatry mainly to understand the impact of mental illness and the possible benefits of therapeutic interventions. In general the studies show limitations in QOL in people with mood disorders or depressive symptoms. This study aims to contribute to a better understanding between the presence of mood disease and QOL in a Portu- guese context. Sample: 39 subjects with mood diagnosed and 39 patients without mood diagnosed: WHOQOL- Bref and Graffar Index. Results: Group 1 (With mood disease diagnosed) present in all domains of WHOQOL- Bref and Facet Overall QOL lower than Group 2 (without mood disease diagnosed) Conclusions: Overall the results confirm the evidence above which shows that mental illness and diseases, particulary, mood diseases and depressive symptoms have a negative impact in QOL of people. The work also references speeches elements of subjects with mood disease that show profound despair.

Keywords: Quality of life; mood diseases; despair.

Introdução

O Grupo da Qualidade de Vida da Organização Mundial da Saúde (WHOQOL-Group) definiu Qualidade de Vida como “a percepção do indivíduo da sua posição na vida no contexto cultural e sistema de valores nos quais ele vive em relação aos seus objectivos, expectativas, padrões e preocupações” (Fleck, et al., 1999a; Fleck, Louzada, Xavier, Chachamovich, Vieira, & Santos, 1999b; Fleck, et al., 2002; Rapley, 2003; WHO, 1997; WHOQOL Group,

1998). A QDV refere-se a uma avaliação subjectiva a qual está incluída num contexto social cultural e ambiental, com um sistema de valores local. Não é apenas equacionado como estado de saúde, satisfação com a vida, estado mental e bem-estar. É um conceito multidimensional e altamente individual (Higginson & Carr, 2001). A aval- iação da QDV é especialmente útil para a aplicação na pesquisa e na prática clínica de psiquiatria principalmente para se perceber o impacto das doenças mentais e o possível benefício das intervenções terapêuticas (Berlim & Fleck, 2003). A doença mental tem uma alta prevalência mundial (Word Health Organization, 2004) e Portugal acompanha essas tendências (Comissão Nacional para a Reestruturação dos Serviços de Saúde Mental, 2007). Sendo as doenças do humor, especialmente a depressão, as doenças que mais sobrecarregam a nossa sociedade (Gusmão, Xavier, Heitor, Bento, & Caldas de Almeida, 2005) estimando-se um aumento da sua prevalência no futuro, importa que lhes seja dado um espaço para serem estudadas.

De uma forma geral os estudos revelam limitações na QDV em pessoas com doenças do humor ou sintomato- logia depressiva (Fleck et al., 2002; Moore et al., 2005; Michalak, et al., 2005; Papakostas et al., 2004; Rodrigues & Leal, 2004; Xavier, et al., 2001).

Ainda, quando o interesse das investigações é perceber como se comportam as emoções das pessoas com doença mental, verifica-se que a doença mental aguda provoca mudanças nas emoções das pessoas (Melges & Foug- erousse, 1966) sendo, neste sentido, importante dar relevo à informação de que as doenças do humor têm sido associadas ao risco significativo de suicídio (WHO, 2000).

Objectivo do Estudo

O presente estudo visa contribuir para uma melhor compreensão entre a presença de doença do humor e a QDV de pessoas em contexto português.

Metodologia

Tipo de estudo

O estudo apresentado é um estudo comparativo.

Participantes

A amostra é constituída por 78 sujeitos; 39 com doença de humor diagnosticada – depressão major, distimia, doença bipolar e doença depressiva sem outra especificação (1º Grupo) e 39 sem doença mental diagnosticada (2º Grupo) e ambos os grupos pertencem à região de Braga. O 1º Grupo foi seleccionado de entre as pessoas inscritas na consulta externa de um Hospital do Norte do país tendo sido respeitados todos os requisitos éticos e legais e o 2º grupo foi seleccionado em bola de neve de entre a população geral respeitando-se sempre que possível as características sociodemográficas do 1º Grupo. A recolha de dados foi efectuada no domicílio dos sujeitos.

Instrumentos

A ambos os grupos foi aplicado o World Health Organization Quality of Life (WHOQOL-Bref), versão por- tuguesas de Portugal (Canavarro, et al., 2006; Vaz Serra, et al., 2006), contemplando campos referentes aos parâmetros sociodemográficos seleccionados e a respeitar e o Índice de Graffar para medir a classe socio- económica dos sujeitos. O WHOQOL-Bref está organizado em quatro domínios: DF (Domínio Físico); DP (Domínio Psicológico); DRS (Domínio Relações Sociais) e DA (Domínio Ambiente) e inclui duas questões mais gerais relativas à percepção geral da qualidade de vida (Faceta QDV Geral) e à percepção geral da saúde.

Análise & Discussão dos Resultados

Quando comparados os domínios da qualidade de vida (domínio físico, domínio psicológico, domínio relações sociais e domínio ambiente) e Faceta QDV Geral entre os dois grupos (com e sem doença do humor diagnosticada) verifica-se que existem diferenças significativas (Quadro 1).

Quadro 1 – Qualidade de vida em sujeitos com e sem doença do humor diagnosticada

Domínios Com doença (n= 39) Sem doença (n= 39) t U p Média ± DP Média ± DP D1 (Físico) 49,73±18,71 68,96±14,96 -5,014 0,000** D2 (Psicológico) 45,30±16,28 72,12±11,56 -8,387 0,000** D3 (Relações sociais) 54,06±18,02 72,01±15,35 345,500 0,000** D4 (Ambiente) 54,41±12,64 58,33±12,89 -1,358 0,089 QDV Geral 48,40±17,49 66,03±14,32 319,500 0,000** *p<0.05 **p<0.01

O 1.º Grupo (com doença do humor diagnosticada) apresenta em todos os domínios do WHOQOL – Bref e Faceta QDV Geral scores mais baixos que o 2º Grupo (sem doença mental diagnosticada) (cf. Quadro 2) sendo as diferenças encontradas estatisticamente significativas exceptuando o DA (DF: t= -5.014; p=0.000; DP: t=-8.387; p=0.000; DRS: U=345.500; p= 0.000; DA: t=-1.358; p=0.089; Faceta QDV Geral: U= 319.500; p=0.000). A maior diferença nas médias dos domínios entre os dois grupos ocorre nos DF e DP, seguido do DRS e a Faceta QDV Geral e, por fim, o DA.

Conclusões

Os resultados confirmam a evidência científica anterior a qual revela que as doenças mentais e concretamente as doenças do humor e sintomatologia depressiva têm um impacto negativo na QDV das pessoas (Gameiro, et al., 2008; Mcntyre, Barroso, & Lourenço, 2002). Os dados deste estudo revelam a diminuição de todos os scores dos domínios do WHOQOL-Bref e da Faceta da QDV Geral no Grupo com doença do humor diagnosticada, quando comparado com o Grupo sem doença mental diagnosticada. Verificou-se que os domínios mais afecta- dos pela presença de doença do humor foram o DF e o DP.

Nos discursos dos participantes foram encontradas frequentes notas de desespero intenso, o que nos leva a reflec- tir sobre as consequências desse sentimento. De facto, o suicídio não é uma doença em si mesmo, nem necessari- amente a manifestação de uma doença, mas as doenças mentais são um factor importante associado ao suicídio (WHO, 2000).

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No documento Saúde e Qualidade de Vida: uma meta a atingir (páginas 167-173)

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