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1 Tradução e adaptação de A Heart Full of Pride.

Publicado em The Journal of Biblical Counseling, v.23, n. 2, Spring 2005, p. 26-29.

Max Benfer é aluno do Seminário Teológico Westminster em Glenside, Pensilvania.

Eu sempre recebia atenção. Não importava onde eu estivesse ou com quem, as pessoas sempre notavam minha presença. Eu era o tipo de rapaz que sempre saía de uma noitada com mais de um número de telefone — todos dados pelas moças mais bonitas. Nos restaurantes, as garçonetes me davam os números de seus telefones. Três vezes, caça-talentos de agências de modelo pediram — até imploraram — que eu posasse para eles. Uma mulher me disse que eu era o homem mais bonito que ela já vira.

Além da minha aparência física, eu tirava ótimas notas na escola. Um representante da Academia Naval chegou a prometer uma recomendação formal à Academia com base na continuidade da minha excelência no ensino médio.

Atleticamente, eu estava entre os melhores da classe. Conseguia jogar quase todos os esportes, e jogar bem. Comecei a levantar pesos aos dezesseis anos e, quando cheguei aos vinte e um, já era um treinador profissional na academia World Gym.

Entretanto, toda essa atenção teve um custo. Embora eu gostasse da atenção que recebia de tantas pessoas, ela me escravizou. Eu exigia perfeição de mim mesmo. Tantas pessoas haviam me colocado em um pedestal, e eu queria estar naquele pedestal. Eu achava que precisava alcançar as suas expectativas em todos os aspectos e em todas as áreas. Mas a perfeição é impossível de se obter, e eu simplesmente parei de dar o meu melhor. Desse jeito, eu teria uma desculpa para o fracasso! Eu me retraí mais e mais em um estado de medo. Quanto mais atenção e sucesso eu conseguia, mais medo eu sentia.

Aquele medo manteve-me preso du- rante boa parte da minha vida. Eu simplesmente parei de buscar boas notas,

e a oferta da Academia Naval desapare- ceu. Parei de jogar esportes organizados. Os treinadores e jogadores só podiam sonhar com ter-me em seus times! E eu podia continuar a ser o “perfeito” herói dos esportes — aquele que nunca cometera nenhum erro que levasse o time à derrota.

Durante aqueles anos, eu estava obcecado com minha aparência física. Se eu não tivesse tempo suficiente para tomar banho e arrumar meu cabelo com perfeição, eu simplesmente não iria à festa. Não queria desapontar minhas admiradoras! Tornei-me um prisioneiro das minhas fantasias. Não foi surpresa quando deixei de ser um membro ativo da minha igreja.

Eu não falava com as pessoas sobre esses sentimentos. É difícil colocá-los em palavras. E parece incrivelmente arrogante, tanto quanto vergonhoso; mas é tudo verdade. Estou dizendo isso agora porque quero ser o mais honesto possível. Estou cansado de nunca dar o meu melhor e sempre procurar uma desculpa para o fracasso.

Agora sou casado, tenho mais tecido adiposo e cabelos grisalhos, e certamente menos musculatura do que costumava ter. Não sou mais observado constantemente pelas mulheres (um alívio para a minha esposa, tenho certeza) e minha aparência física não chama mais atenção sempre que adentro um recinto. Embora muito já tenha mudado, às vezes ainda me escondo atrás dos muros do medo de não estar à altura das expectativas de alguém. No entanto, estou em processo de transformação. Dois incidentes específicos fazem parte de minha história.

Incidente no 1

1. O calor e o espinheiro: orgulho e perfeccionismo

O acontecimento mais significativo no meu crescimento pessoal rumo à semelhança de Cristo (santificação progressiva) ocorreu nesse último ano. Estava sentado sozinho na biblioteca “estudando” para a prova bimestral de grego (dali a umas duas horas). Mas eu não estava me esforçando para me preparar para a prova. Antes, as preocupações com o fracasso me consumiam. Eu estava acostumado com isso; acontecia sempre que me sentia desafiado. Eu não costumava me preocupar com meu sucesso no dia-a-dia, mas apenas quando enfrentava um desafio em que o sucesso ou o fracasso em alcançar um determinado “padrão” seria público (como as notas afixadas no mu- ral). Pensava comigo mesmo: Talvez não

consiga a nota máxima na prova bimestral; talvez tire uma nota tão baixa que o professor decidirá que não sou tão bom quanto ele pensa. Eu não

estava preocupado com dar meu melhor para o Senhor, mas, sim, com o fato de não ser visto com respeito pelo professor. Minha atitude estava centrada em mim mesmo, não em Deus.

Enquanto estava lá sentado, olhando as páginas do meu texto de grego, o Senhor me trouxe alívio. Lucas, um colega de classe, chegou, assentou-se à minha frente e perguntou: “Estudando grego?” “É. Estou tentando, pelo menos”, respondi. “Mas parece que gasto mais tempo preocupando-me com se irei bem ou não na prova do que estudando.” Não sei por que eu disse aquilo, exceto porque o Senhor já estava operando em mim no processo de aconselhar a mim mesmo que eu estava aprendendo em uma disciplina

sobre como aconselhar outros.2 Uma

afirmação daquelas nunca teria saído da minha boca por medo de que minha aparente autoconfiança fosse quebrada. “Cara, sei exatamente o que você está dizendo”, Lucas replicou. “Eu fazia sempre isso quando cheguei aqui.” Era exatamente o que eu precisava ouvir.

Durante uma hora e meia, Lucas e eu conversamos sobre o nosso passado, presente e futuro. Conversamos sobre a razão de estarmos no seminário e o que esperávamos realizar ao sair. Mais especificamente, falamos sobre a minha luta pessoal — uma luta que ele também partilhava. Nós dois tínhamos vindo de grupos em que éramos “cabeções” acadêmicos e teológicos. Nossos amigos muitas vezes nos buscavam para ouvir conselhos bíblicos. Ambos sentíamos que tínhamos sido os maiores peixes nas nossas respectivas lagoas. Mas chegando no seminário, fôramos lançados no mar com tubarões mentais que nos faziam pequenos. Enquanto eu permanecia preso em um buraco de egocentrismo, Lucas tinha conseguido se libertar.

“Você está servindo a um senhor cruel”, Lucas me disse. “Por que, ao invés disso, não começa a servir o nosso Deus misericordioso?” Conversamos sobre várias coisas naquela tarde, mas nunca me esquecerei daquele comentário. Eu estou servindo um senhor cruel. Mas não é Deus quem me governa nesse caso. É o meu próprio orgulho e egocentrismo que exigem a perfeição. É por isso que estou sempre tão preocupado e aflito – vivendo

a todo instante sob a lei — esperando que o desempenho e a perfeição sejam medidas absolutas.

2. A cruz e o fruto: um coração transformado

Eu não enxergava como o evangelho (a cruz) me resgatara das exigências tanto da lei de Deus quanto da minha busca auto-imposta de perfeccionismo. Eu tinha me esquecido durante todos aqueles anos de que “Se, pois, o Filho vos libertar, verdadeiramente sereis livres”. Eu estava esquecendo de viver meus dias em gratidão pelo histórico perfeito que já me foi dado aos olhos de Deus: eu sou tão justo quanto Cristo e não preciso me sobrecarregar com a exigência perfeita da lei. Voltei a lembrar as verdades básicas. Minha conversa com Lucas foi tremendamente edificante. Entretanto, seu efeito não teria perdurado se Lucas não tivesse acrescentado mais uma coisa: “Acho que devo orar por você agora”. Ele não disse que “lembraria de mim em suas orações”, como muitos já me disseram ao longo dos anos. Esse tipo de comentário geralmente causa pouco impacto em mim. Lucas não só queria orar por mim naquele exato momento, mas ele queria orar por meu pecado específico, fazendo uma sugestão totalmente inusitada para mim e diante da qual, a princípio, eu me acovardei.

Demorei até o mês seguinte para contar a Lucas que, na verdade, eu não queria orar com ele naquele dia. Orar com ele significava admitir que o meu problema merecia uma ação imediata e eu precisava de Jesus Cristo — de verdade, ali, naquele momento. Parte do meu problema sempre fora o fato de negar isso. É claro que eu sabia que tinha um problema com o perfeccionismo, mas eu achava que

2 “Dinâmica Bíblica de Mudança”, uma disciplina

conseguiria resolvê-lo por mim mesmo, analisando-o e fazendo algo a respeito mais tarde. Porém, fazer algo imediatamente significava que não dava para protelar. Ironicamente, o meu desejo de minimizar o pecado me fez responder a Lucas despreocupadamente: “Está bem, claro”. Se eu rejeitasse a oração, traria mais atenção à severidade do problema.

3. A árvore frutífera: um coração transformado

Aquele tempo de oração foi diferente de qualquer outro que eu já tivera. Assentamo-nos ao lado um do outro e ele derramou seus pedidos ao Senhor por mim e meus problemas específicos naquele momento. Até então, meu orgulho sempre me impedira de fazer isso ao lado de alguém. E não parou por ali. Quando ele terminou, eu orei por ele. Eu não só parei de me preocupar com meu desempenho, mas também consegui orar por outra pessoa!

O Senhor começou a remover o meu orgulho e as ambições egoístas, minha busca de perfeição e a preocupação comigo mesmo. Eu fui realmente capaz, mesmo que apenas por um momento, de “olhar não somente para o que era meu, mas também para o que era dos outros”. Olhando para trás, creio que fui capaz de fazer isso apenas à luz da verdade do Evangelho. Fui capaz de ver claramente, com a ajuda de Lucas, a tolice e a dureza das minhas exigências pessoais, comparadas à suavidade do jugo de Cristo. E finalmente comecei a me libertar da escravidão ao meu pecado, a ponto de ajudar outra pessoa.

Desde aquele dia, concentro-me em três coisas. Primeiro, a afirmação de Lucas: “Você está servindo a um senhor cruel”. Nas horas de tentação, essa tem

sido a afirmação que Deus usa para me ajudar a perceber novamente que eu dificulto a minha vida ao insistir em ser perfeito, e assim entendo que vivo como um espinheiro no deserto.

Segundo, as Escrituras lembram-me não só que devo aproveitar ao máximo cada dia, mas também por que devo fazer isso: Deus me ama.

• Sede, pois, imitadores de Deus, como filhos amados; e andai em amor, como Cristo também vos amou, e se entregou a si mesmo por nós, como oferta e sacrifício a Deus, em cheiro suave. (Ef 5.1-2)

• Portanto, vede diligentemente como andais, não como néscios, mas como sábios, usando bem cada oportunidade, porquanto os dias são maus. Por isso, não sejais insensatos, mas entendei qual seja a vontade do Senhor. (Ef 5.15-17)

Devo ser um imitador de Deus, tomando decisões sábias, fazendo bom uso do meu tempo e entendendo qual é a vontade de Deus — não porque as pessoas esperam isso, mas porque Cristo me amou e se entregou por mim. O Senhor da cruz é o meu Salvador. Agora. A terceira coisa em que penso é um diálogo do livro A Sociedade do Anel. Frente a uma dificuldade esmagadora e uma profunda sensação de inadequação, Frodo diz a Gandalf: “Gostaria que isso não tivesse acontecido na minha época”. Gandalf responde: “Eu também, como todos os que vivem nestes tempos. Mas a decisão não é nossa. Tudo o que temos que decidir é o que fazer com as circunstâncias que nos são dadas”. Pode ser que eu não goste das minhas circunstâncias, mas preciso fazer o melhor com elas para a glória de Deus. Devo

frutificar no tempo e lugar em que Deus me colocou.

Incidente no 2

1. O calor e os espinhos

O fato de eu ter aprendido essas três coisas não significa que minha vida ficou perfeita daquele momento em diante! Ajudou-me, no entanto, a ficar mais ciente de outras lutas que enfrento.

Fui à festa surpresa de aniversário de meu melhor amigo. Parte da surpresa era um jogo de futebol americano que a esposa dele tinha organizado. Enquanto me dirigia para o campo, meus antigos temores começaram a aflorar. Pensei comigo mesmo: Eles vão pedir para eu

jogar como zagueiro3, e eu não jogo

futebol americano desde que vim ao seminário. Provavelmente jogarei muito mal e eles perderão o respeito por mim e minhas habilidades atléticas. Nos anos

anteriores, é provável que eu tivesse evitado a situação simplesmente deixando de comparecer ou escolhendo jogar em outra posição que fosse mais segura e menos evidente do que a de zagueiro. Mas eu sairia do jogo irado comigo mesmo por não me esforçar ao máximo e permitir que meus velhos medos me dominassem. A situação era perfeita para desencadear os antigos comportamentos.

2. A cruz e o fruto: um coração trans- formado

Dessa vez foi diferente.

O que eu estou pensando? Tudo o que tenho a decidir é o que fazer com o tempo que me foi dado. Cristo me cobriu com Sua santidade e aos olhos de Deus tenho a justiça de Cristo! Se eu deixar de jogar por causa dos meus medos, terei sucumbido novamente às exigências de um senhor cruel — o orgulho!

Naquele dia, joguei como zagueiro e dei o melhor de mim. Joguei mal. Um passe que era para mim foi interceptado. Perdemos. Mas, ainda assim, sentia-me muito bem!

Aprendi a identificar por que eu costumava sucumbir ao medo na hora de um desafio. Descobri a raiz de boa parte do meu medo e percebi como o meu coração egoísta e orgulhoso produzia um medo paralisante. Cristo, pela da Sua graça salvadora, obteve vitória sobre o medo que escraviza e eu não preciso nunca mais voltar a temer. Agora procuro ver cada momento da vida como um bem que Deus me deu. Se Deus me abençoou com mais um dia aqui na terra, como ouso desperdiçá-lo com um medo tão desnecessário quando Cristo mostrou tanto amor por mim?

3 NdT: No futebol americano, o zagueiro é o

principal jogador do time ofensivo, sendo responsável pelo planejamento e a armação do ataque.

Por que perguntar "por quê"?