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Você expressa a ira da maneira correta?

David A Powlison

Teste 2: Você expressa a ira da maneira correta?

É possível enxergar acertadamente a injustiça praticada por outra pessoa e, ainda

assim, expressar a ira de maneira pecaminosa. A parábola de Jesus sobre a “trave e o argueiro” levanta esse assunto.29

A ira despertada corretamente (que passou pelo teste 1) é com freqüência mais difícil de avaliar no teste 2. O que aconteceu “lá fora” parece tão errado que fico cego àquilo que está errado “aqui comigo”. Os pecados da justiça-própria são notavelmente enganadores.

A escala mais clara para medir se a ira está certa ou errada em sua expressão é o quanto ela age para condenar ou para oferecer ajuda. Somos chamados a colocar nossa fé na verdade de que “Minha é a vingança, eu retribuirei, diz o Senhor” (Rm 12.19). Nossa ira não é para punir nem vingar. Ela é para fazer primeira e obviamente o bem para as vítimas reais ou potenciais do mal. Em segundo lugar, às vezes não tão obviamente, fazer o bem aos que praticaram o mal. A ira nos motiva a intervir para fazer cessar a injustiça, proteger o fraco, desafiar os opressores (e alguns deles podem se sentar à nossa frente no aconselhamento), para repreender, advertir o insubordinado, alertar para o perigo. Mas a dinâmica de oferecer graça e ser um pacificador deve finalmente permear nossa ira. De outra forma, seríamos culpados de julgar sem misericórdia, arrancar os argueiros tendo traves nos nossos olhos.

Efésios 4.29 é sempre verdade: “Não saia da vossa boca nenhuma palavra torpe, e, sim, unicamente a que for boa para edificação, conforme a necessidade, e assim transmita graça aos que ouvem”. A percepção da injustiça e o vigor da ira não dão o direito de colocar de lado uma ordem escrita especificamente para ajudar as

distorcida”. Seu sentimento de culpa é produto de uma lei falsa. Ela é verdadeiramente culpada por servir a um padrão falso e sustentá-lo (ou, no caso, ficar aquém dele) mediante “obras” realizadas debaixo desta lei falsa. Seu padrão de julgamento está distorcido e seu modus operandi desconsidera Cristo. A verdade de Deus -– tanto a lei como a misericórdia -– pode renovar a sua mente. Justamente como a noção de culpa falsa é inadequada, assim também é inadequado simplesmente oferecer um “quase-evangelho”, dizendo que Jesus a aceita. Jesus não a aceita simplesmente como ela é, pois Ele se levanta contra seus pecados verdadeiros. Mas visto que sua culpa está distorcida por um critério falso, também é inadequado dizer simplesmente que Jesus a perdoa, sem antes fazer um trabalho introdutório que defina com precisão a sua necessidade real de perdão. Jesus não a perdoa por ela não ter uma casa perfeita como a da revista. Isto não é pecado. Ele a perdoa por adorar o padrão falso estabelecido por ela mesma (e sua cultura), e ajuda a viver com atitude de gratidão, pela graça, ao invés de viver de maneira infrutífera, tentando se superar. Quando ela entende seu pecado real, então a graça real faz um sentido

pessoas a lidarem com o aborrecimento das injustiças praticadas uns contra os outros!30 Mesmo quando (e especialmente

quando!) lidamos com pecados graves ou heresias, 2 Timóteo 2.24-25 sempre se aplica: “Ora, é necessário que o servo do Senhor não viva a contender, e, sim, deve ser brando para com todos, apto para instruir, paciente; disciplinando com mansidão os que se opõem, na expectativa de que Deus lhes conceda não só o arrependimento para conhecerem plenamente a verdade”.

Jesus dirigiu Sua crítica mais violenta contra os líderes religiosos em Jerusalém (Mt 23). A ira deu foco às Suas palavras, como lança pontiaguda com impacto crescente. Mas Ele não estava destruindo as pessoas; Ele estava ajudando. As palavras de Jesus tinham a intenção de resgatar aqueles cujos líderes tinham desencaminhado para o legalismo, a justiça-própria e a incredulidade no Cristo que estava entre eles. E Jesus falou para chamar a atenção daqueles líderes, avisando-os de que enfrentariam a ira: “Ai de vós”. Mesmo em uma ocasião extrema de ira, Jesus não impôs castigo. Ele não foi dado à discussão, grosseiro, falso, impaciente, rixoso. Quando agonizou na cruz, muitos líderes — Nicodemos, José de Arimatéia, o apóstolo Paulo e outros mais – estavam incluídos em Sua intercessão “Pai, perdoa-lhes”, e foram cobertos pelo sangue do Cordeiro que os amou.

Há uma boa razão para que a função punitiva que Deus dá ao homem – a

“espada” – seja refreada por Ele para o bem-estar geral. Quando o “rei”, o juiz principal, pune com honestidade, o resultado é a justiça. Quanto maior a injustiça, mais necessária se torna a punição e menor parte de ação cabe à ira individual. Quando a ira individual tem a intenção de punir, resulta em uma ação judiciária, a injustiça a acompanha e Deus não se agrada. Sonde a si mesmo com a seguinte pergunta: Presumindo que a sua ira seja apropriada, você a está expressando construtivamente para a glória de Deus? Ou sua ira está cheia de impertinência, justiça-própria e desejo de punir característicos da ira pecaminosa?

Posso pensar em uma ocasião dramática em que minha ira foi muito intensa e – pelo tanto que conheço a mim mesmo – simplesmente justa. Esse incidente aconteceu quando eu era recém- convertido e trabalhava em um hospital psiquiátrico. Um dos pacientes era enorme de gordo e tinha um histórico de violência. “João” esperou até que toda a equipe de plantão saísse para o almoço, menos eu (que nada tenho do Incrível Hulk) e uma enfermeira que pesava mais ou menos 50 quilos. Ele escolheu aquela hora para ter um ataque de violência. Ouvi barulho de móveis sendo quebrados na sala de estar. Ao sair da sala da enfermagem, vi João andando pelo corredor ameaçadoramente em minha direção, segurando uma enorme televisão sobre sua cabeça.

Fiquei irado. Intensamente irado. Talvez seja estranho ficar irado e não ter medo, mas eu estava cônscio apenas da ira. Não sei de onde veio a voz estrondosa, mas de repente ouvi a mim mesmo dizendo: “JOÃO, PONHA ISSO NO CHÃO E VÁ PARA SEU QUARTO!” Minhas palavras foram fortes e impetuosas. Eu

30 Essa é a ênfase tanto do contexto imediato (4.25-

5.2) como do contexto amplo (do começo do capítulo 4).

estava lidando com o erro e minha resposta foi enérgica, de comando e autoritária. A