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As celulases catalisam a hidr ´olise da celulose ou, mais especificamente, a ligac¸ ˜ao glicos´ıdica. S ˜ao prote´ınas que mostram grande diversidade estru- tural, mas apresentam similaridade na func¸ ˜ao de hidr ´olise. A celulose ´e um polissacar´ıdeo constitu´ıdo de mon ˆomeros de glicose unidos pelas ligac¸ ˜oes β- 1,4-glicos´ıdicas, Figura 1.2. A celulose pode apresentar regi ˜oes cristalinas e

amorfas [1].

Dependendo da configurac¸ ˜ao relativa entre a hidroxila no carbono anom ´erico (C1) e a hidroxila no carbono com mais alta numerac¸ ˜ao, um monossacar´ıdeo ´e chamado de α ou β, Figura 1.3. A extremidade de polissacar´ıdeo com car- bono anom ´erico livre ´e chamada de extremidade redutora porque ´e capaz de formar um grupo alde´ıdo em carbono anom ´erico atrav ´es de abertura de anel e atuar como agente redutor. Enquanto isso, a extremidade oposta ´e chamada de n ˜ao-redutora.

Figura 1.2. Ligac¸ ˜ao β-1,4-glicos´ıdica, entre os ´atomos C1 e O4’.

A ligac¸ ˜ao β-1,4-glicos´ıdica que ocorre em celulose ´e uma ligac¸ ˜ao entre a hidroxila do carbono anom ´erico de uma glicose e a hidroxila na posic¸ ˜ao 4 de outra glicose, com a remoc¸ ˜ao de uma mol ´ecula de ´agua. Portanto, ´e uma ligac¸ ˜ao an´ıdrica e as enzimas que a clivam s ˜ao hidrolases, as enzimas que requerem ´agua. Mais especificamente, ´e uma ligac¸ ˜ao covalente entre o car- bono anom ´erico (C1) de uma unidade de glicose e oxig ˆenio da hidroxila 4 da outra, agora chamado de oxig ˆenio glicos´ıdico, Figura 1.2. A liberdade de movimentac¸ ˜ao de uma cadeia de celulose ´e determinada por esta ligac¸ ˜ao que

´e mais flex´ıvel do que as ligac¸ ˜oes de an ´eis.

O mecanismo de hidr ´olise da ligac¸ ˜ao glicos´ıdica foi proposta por Koshland em 1953 [8], Figura 1.4. Esta hidr ´olise ocorre atrav ´es de dois mecanismos prin- cipais que d ˜ao origem `a retenc¸ ˜ao ou invers ˜ao integral da configurac¸ ˜ao anom ´erica do substrato. Ela ocorre via cat ´alise ´acida e exige dois res´ıduos cr´ıticos: um

Figura 1.3. Duas configurac¸ ˜oes anom ´ericas da glicose.

catalisador ´acido e um nucle ´ofilo/base. O catalisador ´acido doa hidrog ˆenio ao oxig ˆenio glicos´ıdico e quebra a ligac¸ ˜ao glicos´ıdica, liberando o produto da hidr ´olise. O carbono anom ´erico que formava a ligac¸ ˜ao glicos´ıdica fica com a carga positiva, portanto sujeito ao ataque nucleof´ılico. Estes dois res´ıduos catal´ıticos junto com um res´ıduo auxiliador que ´e protonado e forma ligac¸ ˜ao de hidrog ˆenio com o nucle ´ofilo mantendo-o na posic¸ ˜ao certa, s ˜ao chamados de s´ıtio ativo.

No caso do mecanismo de retenc¸ ˜ao, o papel do nucle ´ofilo pertence a um res´ıduo da enzima que se liga covalentemente ao carbono anom ´erico, assim formando um intermedi ´ario covalente com o carboidrato. No segundo passo da reac¸ ˜ao, este intermedi ´ario ´e sujeito a outro ataque nucleof´ılico de uma mol ´ecula de ´agua da soluc¸ ˜ao que, para ser capaz de atuar como nucle ´ofilo, precisa ser desprotonada. E esta desprotonac¸ ˜ao agora ´e realizada por outro res´ıduo da enzima que tinha papel de catalisador ´acido e agora tem papel de catal- isador b ´asico, estando desprotonado. Depois da hidr ´olise, a enzima permanece igual e o substrato, depois de duas invers ˜oes da configurac¸ ˜ao anom ´erica em seguida, permanece com a configurac¸ ˜ao inalterada. O primeiro passo, em que o intermedi ´ario covalente ´e formado, chama-se glicosilac¸ ˜ao pelo evento

Figura 1.4. Mecanismos de hidr ´olise glicos´ıdica.

de ligar o glicos´ıdeo (polissacar´ıdeo) `a enzima, e o segundo passo chama-se desglicosilac¸ ˜ao porque este glicos´ıdeo separa-se da enzima.

No caso do mecanismo da invers ˜ao, o papel do nucle ´ofilo pertence a uma mol ´ecula de ´agua que posiciona-se entre o substrato e a enzima. Ela est ´a desprotonada por um res´ıduo da enzima, o catalisador b ´asico, e pronta para o ataque nucleof´ılico ao carbono anom ´erico do substrato. A posic¸ ˜ao do catal- isador b ´asico impede a formac¸ ˜ao da configurac¸ ˜ao inalterada do substrato, man- tendo a mol ´ecula de ´agua nucleof´ılica no lugar certo. Depois da hidr ´olise, a enzima fica com um pr ´oton trocado entre os res´ıduos catal´ıticos e o substrato com a configurac¸ ˜ao anom ´erica invertida. Praticamente, ´e o mesmo mecanismo de protonac¸ ˜ao seguida por um ataque nucleof´ılico com a diferenc¸a que, no caso

da retenc¸ ˜ao, este processo acontece duas vezes [4, 5].

Os res´ıduos catal´ıticos de enzima, como tem sido observado na maioria dos casos, s ˜ao aspartato ou glutamato. Ambos possuem o grupo carboxila (-COOH) na cadeia lateral que pode atuar como um doador de pr ´oton na cat ´alise ´acida e tamb ´em possuem oxig ˆenios ricos em pares de el ´etrons livres para ataque nucleof´ılico.

Os grupos ioniz ´aveis s ˜ao relativamente raros no interior de prote´ınas, mas eles s ˜ao essenciais na cat ´alise. Em microambientes altamente polares ou po- lariz ´aveis, a forma carregada de um grupo ioniz ´avel ir ´a predominar. J ´a em mi- croambientes menos polares ou polariz ´aveis, a forma neutra ser ´a favorecida e os valores de pKa ser ˜ao deslocados em relac¸ ˜ao aos valores normais em ´agua.

Isto acontece de modo que, para os grupos ´acidos, os valores de pKa tendem

a ser superiores aos valores normais de pKa, e para os grupos b ´asicos, os

valores de pKatendem a ser inferiores aos valores normais [6].

O mecanismo de hidr ´olise (retenc¸ ˜ao ou invers ˜ao) depende da estrutura da enzima. As enzimas com o mecanismo de retenc¸ ˜ao e as enzimas com o mecanismo de invers ˜ao diferem em dist ˆancia entre os res´ıduos catal´ıticos. Am- bos os mecanismos apresentam a mesma dist ˆancia entre o catalisador ´acido e o oxig ˆenio glicos´ıdico situando-os perto o suficiente para eles formarem a ligac¸ ˜ao de hidrog ˆenio. Os dois mecanismos comec¸am a divergir quanto `a dist ˆancia entre o nucle ´ofilo/base e o carbono anom ´erico. Como o mecan- ismo de invers ˜ao deve acomodar espac¸o suficiente para a mol ´ecula de ´agua, o nucle ´ofilo/base est ´a situado mais longe do carbono anom ´erico. A tabela 1.1 mostra as dist ˆancias m ´edias entre res´ıduos catal´ıticos para os quatro tipos de glicosidases medidas em v ´arias enzimas por v ´arios m ´etodos experimentais [7].

Tabela 1.1. Dist ˆancia entre res´ıduos catal´ıticos para quatro tipos de glicosi- dases, adaptado de [7].

Invers ˜ao Retenc¸ ˜ao

(9.0 ± 1.0) ˚A (5.3 ± 0.2) ˚A