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MediAção: a complexidade do seu conceito

III. Enquadramento Teórico da Problemática de Estágio

3.1. MediAção: a complexidade do seu conceito

“A mediação está preocupada não com quem estava certo e errado no passado, mas em como os disputantes querem se reorganizar para o futuro” (Haynes & Marodin, 1996, p. 21). O conceito de mediação tem sido alvo de adaptações e evoluções constantes. Se anteriormente o seu sentido era redutor, limitado a uma técnica de resolução de conflitos, atualmente este apresenta

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potencialidades numa multiplicidade de espaços, cenários e contextos. Antes de me debruçar sobre áreas especificas de intervenção, nomeadamente sobre aquelas que tocaram implícita ou explicitamente o meu projeto de estágio (como é o caso da mediação socioeducativa à qual será dado maior destaque), é pertinente refletir, embora que de forma pontual e breve, sobre o seu conceito natural, desnudado das metamorfoses de que tem sido alvo.

Deste modo, começo por fazer uma alusão à definição que mais comummente é usada, que se relaciona com a intervenção de uma terceira pessoa num conflito. A propósito, leia-se o seguinte excerto de Haynes e Marodin (1996, p.11), em que os mesmos afirmam que “a mediação é um processo no qual uma terceira pessoa – o mediador – auxilia os participantes na resolução de uma disputa. O acordo final resolve o problema com uma solução mutuamente aceitável e será estruturado de modo a manter a continuidade das relações das pessoas envolvidas no conflito.”. Apesar de considerar que a terminologia usada para definir as partes – “disputantes” – é demasiado forte, estes autores apresentam-nos uma visão genérica de mediação. Por outro lado, Freire (2009, p.41), defende que

“A mediação fundamenta-se no reconhecimento de que os próprios (as partes) são quem mais sabe acerca das causas dos seus problemas (dos seus conflitos) e das formas de superação dos mesmos. Neste sentido, a mediação é amplamente participativa e o papel do mediador consiste basicamente em «assistir» os próprios no processo de construção de soluções”.

Talvez consequência da atualidade da citação, julgo que Freire (2009) conseguiu, de forma subtil, expressar o que é a mediação, fugindo das representações mais vulgares. Assim, entende-se que o mediador é encarado como um facilitador e proporcionador de pontes entre os intervenientes no processo. Seguindo esta linha de pensamento, o papel do mediador é principal pois, “para que cada um dos participantes tenha a oportunidade de se fazer ouvir, às vezes é necessário um empurrão que só ele [mediador] pode dar” (Torremorell, 2008, p.25).

Também defensora de uma perspetiva contemporânea, Torremorell (2008) assume a mediação como uma cultura de mudança social. Silva (2008, p.9) complementa, encarando a mediação como promotora da “compreensividade entre os diferentes participantes no processo de mediação, defende a pluralidade, as diferentes versões sobre a realidade e fomenta a livre tomada de decisões e compromissos, contribuindo para a participação democrática”. No meu entendimento e de acordo com as minhas práticas profissionais, em específico as desenvolvidas no estágio no qual se enquadra este relatório, uma das vertentes mais interessantes da mediação está precisamente na capacidade que esta tem de aceitar a pluralidade e as diferentes perspetivas ou versões. Deste modo, durante o processo de mediação, no qual é importante ter presentes regras como “não acusar a outra pessoa, só colocar os factos” (Haynes & Marodin, 1996, p. 48), os intervenientes podem, através do

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diálogo, clarificar opiniões, dizer coisas que nunca tiveram oportunidade de dizer e perceber que provavelmente ambos até defendem perspetivas semelhantes mas que nunca tinham tido oportunidade para compreender isso, entre outras. Por tal, considero que a mediação não é imprudente, é refletida, o que contribui para o seu embelezamento. Daí ser também pertinente, as partes terem em atenção que, durante as sessões de mediação, não devem falar pelo outro, sobre as suas intenções, motivos ou pontos de vista (Haynes & Marodin, 1996), porque essas ideias podem não corresponder à realidade, pelo que devem focar-se em si, no que pensam, no que sentem e no que defendem, ou seja, devem falar na primeira pessoa.

Oliveira (2009), apresenta uma conceção interessante relativa à mediação, clarificando e excluindo possíveis confusões desta área com manipulação: “a mediação afirma-se como prática informal e como uma modalidade de valorização do conflito, de reapropriação do conflito pelos sujeitos implicados, de reativação da comunicação e, em consequência, diferenciando-se de práticas de simples gestão e manipulação de relações conflituosas.” (Oliveira, 2009, p. 96).

Na minha perspetiva e atendendo ao facto da mediação ser uma área menos conhecida face a outras (por exemplo, medicina, ensino, direito, em que a população sabe discernir claramente quais as funções de um médico, de um professor ou de um advogado), esta distinção elucidativa entre o mediador e o manipulador é essencial pois, não raras vezes, o público em geral, fruto do desconhecimento e da própria confusão concetual que acompanha a mediação, poderá censurar o mediador e atribuir-lhe o rótulo de manipulador. Para Haynes e Marodin (1996), “o processo de mediação é a condução das negociações de outras pessoas e o mediador é o administrador das negociações, é quem organiza a discussão das questões a serem resolvidas” (p. 11). De referir que o termo de negociação assume grande valor na sua relação com a mediação, não só no âmbito da resolução de conflitos mas também como uma capacidade e competência de qualidade nos mais diversos contextos nos quais estamos inseridos pois,

“a negociação procura construir práticas significativas para os seus autores, proporcionando a produção de conhecimento(s) pertinente(s) na ação. Elevando a autoria à capacidade de cooperação solidária, a negociação apela à participação ativa, à emotividade e ao exercício da cidadania. Emerge, por isso, da escuta e da implicação, da subjectivação e valorização das diferenças, componentes imprescindíveis para a compreensão da complexidade, a recontextualização das práticas e a (re)construção das identidades contribuindo para a sua visibilidade social”. (Silva, 2007, pp. 222-223).

Para encerrar este apontamento relativo à mediação e para expressar, por um lado, o quão difícil é o reconhecimento da pertinência da mediação e, por outro, o quão benéfica ela pode ser, uma vez que pretende que ambas as partes saiam vencedoras, cito mais uma vez Haynes e Marodin (1996, p. 41): “Haverá momentos em que vocês repensarão porque escolheram a mediação. Irão querer que eu dê as respostas, e dirão para vocês próprios que se tivessem escolhido a rota do litígio, seus

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advogados falariam o que fazer e o que não fazer (…). Contudo, isto tudo irá passar e vocês irão negociar seu próprio acordo, mutuamente aceitável.”. Complemento afirmando que enquanto mediadora, estas palavras, resultado da prática profissional dos autores, me ficaram presentes porque, implicitamente, penso que esta frase consegue transmitir muitas ideias mas também alertar para alguns problemas. A mediação é complexa, exige a implicação das partes, requer tempo, disponibilidade, (co)responsabilidade e infelizmente, a verdade é que muitas vezes as pessoas não acreditam (ou não querem acreditar) na riqueza desta prática, preferindo enredar por vias de resolução mais facilitadoras e menos laboriosas para si (como o litigio), sem sequer mobilizar esforços para compreender que esse trabalho pode valer a pena. Compete-nos a nós, mediadores, acreditar que tudo “irá passar” quando as pessoas perceberem o quão rico este processo se revelou, descobrindo soluções recíprocas e adequadas às suas realidades.