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1 INTRODUÇÃO

2.2 Compreender a leitura como interação

2.2.1 Mediação e ensino-aprendizagem

Para que o ensino e a aprendizagem possam se realizar, no espaço da sala de aula, as inter- relações entre professor-aluno, aluno-aluno interferem diretamente no processamento da leitura, por isso um dos conceitos pertinentes a esta pesquisa é o de mediação.

Vygotsky (1991) especifica a mediação e a origem das funções mentais mediante o conceito de internalização, ou seja, o mecanismo por meio do qual uma atividade externa se torna uma atividade interna. Partindo dessa visão, a linguagem e a consciência deixam de ser encaradas como faculdades naturais humanas, para se estabelecerem em produtos de ação conjunta dos homens, desenvolvidos ao longo da história.

O autor destaca o papel da linguagem para a compreensão do ser humano social e histórico. Segundo ele,

A função primordial da fala é a comunicação, o intercâmbio social. Quando o estudo da linguagem se baseava na análise em elementos, também esta função foi dissociada da função intelectual da fala. Ambas foram tratadas como funções separadas, até mesmo paralelas, sem se considerar a inter- relação de sua estrutura e desenvolvimento (VYGOTSKY, 1991, p. 6). Assim, de acordo com Vygotsky (1991), é a utilização da linguagem que possibilita o desenvolvimento das estruturas psicológicas superiores (consciência) da criança. A internalização ou interiorização dos conteúdos historicamente determinados e culturalmente organizados é possível via linguagem, uma vez que esse conteúdo da experiência histórica do homem, apesar de consolidado nas criações materiais, reflete-se nas formas verbais de comunicação entre as pessoas.

Vygotsky (1991) toma como ponto de partida para sua discussão o fato de que o aprendizado das crianças começa muito antes de elas frequentarem a escola. Para ele, qualquer situação de aprendizado com a qual a criança se defronta na escola tem sempre uma história prévia. Nesse sentido, há a valorização do exterior, das relações sociais e experiências vividas pela criança antes da aprendizagem formal escolar. Em sua teoria, o autor considera a existência de dois níveis de desenvolvimento infantil. O primeiro é conhecido como real e engloba as funções mentais que já estão completamente desenvolvidas, fruto de habilidades e conhecimentos construídos pela criança. Normalmente, esse nível é representado pelo que a criança é capaz de realizar sozinha. Isso, contudo, não leva em consideração o que ela conseguiria fazer ou alcançar com a ajuda de alguém. O que Vygotsky (2007) passa a questionar:

- em resumo, se por pouco a criança não é capaz de resolver o problema sozinha – a solução não é vista como um indicativo de seu desenvolvimento mental. Esta ―verdade‖ pertencia ao senso comum e era por ele reforçada. Por mais de uma década, mesmo os pensadores mais sagazes nunca questionaram esse fato; nunca consideraram a noção de que o que a criança consegue fazer com ajuda dos outros poderia ser, de alguma maneira, muito

mais indicativo de seu desenvolvimento mental do que o que consegue fazer sozinha (VYGOTSKY,[1984] 2007, p. 96).

Apesar de este autor afirmar que essa noção de não se valorizar o que a criança faz com auxílio do outro como indicativo de seu desenvolvimento ser algo do passado, ainda notamos no universo escolar a presença dessa concepção, o que muitas vezes se observa com os resultados de provas e atividades que os alunos precisam fazer sozinhos.

É neste ponto questionado pelo autor, ou seja, na distância entre o que já se sabe e o que se pode saber com algum auxílio, que está o segundo nível de desenvolvimento preconizado e chamado por Vygotsky (2007) de proximal. Dessa forma, a zona de desenvolvimento proximal (ZDP) é entendida como a distância entre as práticas que uma criança já domina e as atividades nas quais ela ainda depende de ajuda. No percurso entre esses dois pontos é que, conforme o autor, a criança pode desenvolver mentalmente pela interação e pela troca de experiências.

Nesse aspecto, o papel do outro é fundamental para aprendizagem. A interação, na maioria das vezes, ocorrerá por meio da linguagem. Ou seja, pela linguagem, pela troca de experiências, pela interação e intervenção do outro ocorre a mediação. Em se tratando do espaço da escola, é primordial o papel do professor, que deverá conhecer seus alunos e elaborar estratégias de mediação que farão com que eles avancem de um nível para outro; do que sabem sozinhos (real) para o que conseguem com a ajuda do outro (proximal).

Essa noção de mediação é pertinente a este trabalho, visto que em sala de aula, é possível observar que os alunos, ao realizarem suas tarefas, conseguem resolver sozinhos algumas atividades, mas em outras precisam de ajuda. Por exemplo, nas turmas pesquisadas, na aula de leitura os alunos leem, decodificam o texto e as questões de forma independente, respondem a questões que precisam apenas de transcrição do texto e localização de informação sem o auxílio do outro. Contudo, em alguns momentos, existe a necessidade de mediação do professor para, por exemplo, explicar o significado de algum termo ou expressão, ajudar em atividades que exigem correlação de informações e construção de inferência, auxiliar na construção do sentido global do texto, fazendo retomadas do título, de fatos, passagens do texto.

A ocorrência dessas demandas dos alunos torna necessário evocar o conceito de mediação pertinente à obra de Vygotsky(2007). O termo mediação é entendido como o elo

intermediário entre o sujeito e o meio, mas, para além disso, ele engloba todas a intervenções feitas em favor do sujeito para a construção do conhecimento. Na proposta de Vygotsky, quando realizada por outros, a mediação é conhecida como pedagógica e quando proporcionada pela linguagem, passa a ser chamada de semiótica. Apesar dessa separação entre a noção de mediação pedagógica e de mediação semiótica, esses conceitos são inter- relacionados e são separados apenas por questões didáticas; não são, portanto, independentes ou excludentes.

Como o conceito de mediação remete ao conceito de intervenção, sabemos que não é qualquer intervenção que promove o desenvolvimento do sujeito e a consequente aprendizagem. A intervenção eficaz deve proporcionar trocas do sujeito com o objeto de conhecimento, deve possibilitar-lhe a ação sobre o objeto qualquer que seja sua natureza. Assim, explorar sua natureza física e estabelecer relações entre objetos de mesma natureza como: comparar, ordenar, classificar, levantar hipóteses etc. Ainda que essa seja uma das bases da teoria piagetiana11, Vygotsky (2007) também destaca a necessidade da ação para o desenvolvimento intelectual, pois segundo ele, o desenvolvimento da inteligência abstrata está profundamente ligado ao desenvolvimento da inteligência prática.

Além disso, a ação planejada marca a diferença entre o homem e o animal. Essa ação planejada ou atividade humana implica vontade, objetivos do sujeito e os meios para atingi- los. O que significa que essa atividade pode estar ligada a uma necessidade do sujeito. Neste sentido, o professor em sala, mediador, deve estar atento para que a ações sobre os objetos não se esgotem em si mesmas e não sejam reduzidas a mero treino de habilidades, mas que sejam experiências significativas.

Outros autores e documentos oficiais também discutem a noção de mediação no ensino de língua. Entre eles destacamos Kleiman (2006), os PCNs (1997) e Bortoni-Ricardo (2012).

Kleiman (2006) discute a noção de mediação e o papel do mediador apresentado por Vygotsky (2007) e afirma que é uma noção consistente teoricamente, mas que se consagrou,

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Jean Piaget (1896-1980), epistemólogo suíço, defendeu uma abordagem interdisciplinar para a investigação epistemológica e fundou a Epistemologia Genética, teoria do conhecimento com base no estudo da gênese psicológica do pensamento humano. Pela atenta observação de seus filhos e de outras crianças, Piaget impulsionou a Teoria Cognitiva, na qual propõe a existência de quatro estágios de desenvolvimento cognitivo no ser humano: o estágio sensório-motor, pré-operacional (pré-operatório), operatório concreto e operatório formal. Piaget influenciou a educação de maneira profunda. Para ele as crianças só podiam aprender o que estavam preparadas a assimilar. Aos professores, cabia aperfeiçoar o processo de descoberta dos alunos. Mais informações disponíveis em <http://revistaescola.abril.com.br/formacao/jean-piaget-428139.shtml?page=0>>, acesso em 26/05/2014.

ao longo do tempo, de forma pouco funcional, pois o mediador foi visto apenas como aquele que se coloca no meio entre o sujeito e o objeto de conhecimento. Essa posição garante ao mediador um papel privilegiado em relação ao outro. Dessa forma, o mediador não seria um co-construtor do conhecimento como previsto no sociointeracionismo.

Como mediador, o professor, segundo a visão de Kleiman, apresentaria uma posição neutra por não considerar as demais vozes, os demais contextos. Neutra ainda em relação às demandas políticas e sociais de seu exercício profissional e seu papel político seria apagado. A autora apresenta uma definição, que visa substituir ou completar o conceito de professor mediador vygotskyano, a que ela chama de agente de letramento. Este seria aquele que é assim delineado pela autora:

Um agente social é um mobilizador dos sistemas de conhecimentos pertinentes, dos recursos, das capacidades dos membros das comunidades: no caso da escola seria um promotor das capacidades e recursos de seus alunos e de suas redes comunicativas para que participem das práticas sociais de letramento, as práticas de uso da escrita situadas, das diversas instituições (KLEIMAN, 2006, p.82-83).

Pela perspectiva de Kleiman (2006), todos os sujeitos envolvidos são mediadores entre si e não apenas o professor desempenharia essa função de mediador. É essa a atuação do outro no processo de aprendizagem que esta prevista em Vygotsky ao afirmar que “...o aprendizado humano pressupõe uma natureza social específica e um processo através do qual as crianças penetram na vida intelectual daquelas que as cercam‖ (VIGOTSKY, 2007, p. 100). Essa posição é reafirmada em sua obra:

Propomos que um aspecto essencial do aprendizado é o fato de ele criar a zona de desenvolvimento proximal; ou seja, o aprendizado desperta vários processos internos de desenvolvimento, que são capazes de operar somente quando a criança interage com pessoas em seu ambiente e quando em operação com seus companheiros. Uma vez internalizados, esses processos tornam-se parte das aquisições do desenvolvimento independente da criança (VYGOTSKY, [1984]2007, p.103).

O autor, portanto, destaca a importância da interação com o outro em situação específica de convívio social em que o ensino e aprendizagem ocorrerão, mas não restringe esse papel à figura de adulto ou do professor. Ao afirmar que os processos internos de desenvolvimento são despertados no aprendizado da criança quando ela interage com ―pessoas em seu ambiente e quando em operação com seus companheiros‖ o autor está generalizando que este outro é qualquer, o que parece estar em jogo não é exatamente o papel social desse outro, mas a experiência que ele tem. E, nesse sentido, embora Kleiman (2006) prefira designar agente de

letramento em vez de mediador, o que parece é que é apenas uma opção terminológica, o que provavelmente resulta de teorias que ambos os autores mobilizaram.

Na perspectiva de Vygotsky (2007), é possível dizer que mediador não é aquele que se coloca no meio, mas aquele que agirá em favor do mediado, mobilizando todos os recursos possíveis para que este alcance o nível posterior. Assim, para nós, o conceito não precisa ser substituído, ele foi mal interpretado ao longo dos anos. Na mesma perspectiva proposta pelo autor, é que são concebidos os termos mediação e mediador neste trabalho.

Nos PCNs-LP, a mediação também é considerada pelo viés de Vygotsky (2007). Ao tratarem da aprendizagem e ensino de língua portuguesa, os PCNs-LP consideram esse processo como resultado da articulação de três instâncias: o aluno, a língua e o ensino. O aluno é o sujeito da ação de aprender, que atua sobre o objeto de conhecimento. A língua em suas diversas modalidades, dentro e fora da escola, é o objeto de conhecimento. O terceiro elemento, o ensino, é a prática educacional que organiza a mediação entre o sujeito e o objeto do conhecimento. O documento ressalta que

Para que a mediação aconteça, o professor deverá planejar, implementar e dirigir as atividades didáticas com o objetivo de desencadear, apoiar e orientar o esforço de ação e reflexão do aluno (BRASIL, PCN-LP, MEC, 1997, p.29).

Podemos considerar, nesse sentido, que toda ação do professor em favor da construção da aprendizagem do aluno, suas intervenções durante a aula, tais como explicações, questionamentos, leituras colaborativas, assistência individual, realização de atividades em grupo, exposições etc. constituem estratégias mediadoras da aprendizagem. Além disso, a atuação dos pares em sala de aula, aluno-aluno, é mediadora da aprendizagem pelas trocas de experiências, pela linguagem.

Nessa linha de pensamento, Bortoni-Ricardo (2012), ao investigar a interação professor-aluno em eventos de leitura, nos quais o professor agia para a compreensão que o aluno tinha do texto, chama a mediação realizada de ―andaimes‖. De acordo com a autora,

Andaime é um termo metafórico, introduzido por Bruner (1983), que se refere à assistência visível ou audível que um membro mais experiente de uma cultura presta a um aprendiz, em qualquer ambiente social, ainda que o termo seja mais empregado no âmbito do discurso de sala de aula. Dois conceitos básicos subjacentes à noção de andaime são a zona de desenvolvimento proximal (ZDP) de Vygotsky, retomada por Jerome Bruner, e as pistas de contextualização, como propostas por John Gumperz...(BORTONI-RICARDO, 2012, p.9).

A autora retoma a teoria de Bruner (1983) para evidenciar o papel do professor como mediador nas intervenções em aula de leitura. Essas intervenções podem ser comparadas aos ―scaffolding‖ propostos anteriormente por Wood, Bruner & Ross (1976), ou seja, ―andaimes conceituais‖ que oferecem suporte e indícios para ajudar o aprendiz sobre os próximos passos na construção do conhecimento.

A definição de agente de letramento dada por Kleiman (2006) é o que acreditamos ser o papel do professor mediador, ou seja, aquele que é ―um promotor das capacidades e recursos de seus alunos e de suas redes comunicativas para que participem das práticas sociais de letramento‖(KLEIMAN, 2006, p.82). O conceito apresentado pela autora está de acordo com o de Vygotsky, isto porque ambos consideram a troca de experiências e conhecimentos com o outro na construção da aprendizagem.

Desse modo, na perspectiva de Vygotsky (2007), na linha dos PCNs(1997) e de Bortoni- Ricardo(2012), neste trabalho, serão chamadas de mediações as ações do professor em sala de aula para promover a construção da aprendizagem e o seu papel de mediador entendido como aquele que atua, constrói junto com os alunos o processo de ensino-aprendizagem mobilizando para isto os recursos e as condições necessárias.

O professor é mediador ao ensinar boas estratégias que permitam ao aprendiz avançar no seu processo construção da aprendizagem. É esperado que o professor, como mediador, continue ensinando leitura nos anos posteriores não apenas nos anos iniciais de escolarização por isso, na seção a seguir, tratamos de estratégias e habilidades de leitura e de análise de texto.