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Memória ao Príncipe: estratégias na defesa da monarquia

CAPÍTULO II. SUA ALTEZA REAL EM AÇÃO: O”FICO”

2.2. Memória ao Príncipe: estratégias na defesa da monarquia

Feito Regente, por determinação do pai que partia para Portugal, D. Pedro permaneceu no Rio de Janeiro, na condição de herdeiro do trono dos Bragança. Cercado por ministério nomeado pelo “rei-velho”, onde se destacava a figura do experiente D. Marcos de Noronha, ex-vice-rei do Brasil, seu espaço de atuação apresentava-se muito restrito. O Príncipe, neste contexto, praticamente não governava; sequer usufruía das prerrogativas dos vice-reis, na visão de lideranças provinciais.

Em 5 de junho de 1821, um movimento de Tropas, lideradas por Jorge de Avilez, contribuiu para a organização de uma Junta provisória de governo, na Província do Rio de Janeiro. As atribuições do Príncipe ficaram restritas à Corte.

No entanto, aos poucos, em função de aconselhamentos vindos de Portugal e de homens próximos a Sua Alteza Real, no Rio de Janeiro, e de mobilização de apoios e recursos, liderada por redes mercantis que vinham se organizando desde o governo joanino, D. Pedro foi construindo seu espaço político.

A atuação do Príncipe para que, da condição de Alteza Real viesse a assumir o governo como Regente, primeiramente na Corte e Província do Rio de Janeiro, permanece, de certa forma, marcada pela construção de uma memória, que lhe atribuiu o “destino de governar”.

No entanto, instigante documento manuscrito139, localizado no Museu Imperial, aparentemente inédito, sem autoria, sugere cuidadosa preparação política, a conduzir os passos do Príncipe. O documento chegou ao Rio de Janeiro, em janeiro de 1822; não sabemos se antes ou depois do “Fico”. Elaborado em Portugal, sugere encaminhamentos, que as versões historiográficas correntes não registraram.

Trata-se de Memória, forma de orientação encomendada e/ou encaminhada aos monarcas, frente a questões que demandavam cuidadosa reflexão na determinação de estratégias, especialmente de governo, provavelmente dirigida ao Príncipe por conselheiro da monarquia, em Portugal. Conforme Viana Lyra140, eram apresentados como “memórias” estudos solicitados pela Coroa portuguesa aos homens de grande experiência política para embasar decisões administrativas dos monarcas. D. João VI lançou mão, inúmeras vezes,

139II POB – 00.01.1822. M. 47; D.2-126, Bra.Mm.

140LYRA, Maria de Lourdes Viana. A utopia do poderoso império. Portugal e Brasil: Bastidores da política: 1798-1822. Rio de Janeiro: Livraria Sette Letras Editora, 1994.

deste procedimento, como atestam outras “memórias”, com destaque para reflexões sobre a reorganização do Império, de D. Rodrigo de Sousa Coutinho e Silvestre Pinheiro Ferreira.

O momento em que ela foi produzida é difícil de determinar. No entanto, fica claro, por seu conteúdo, que foi elaborada enquanto as Cortes discutiam a organização do Império, mais especificamente agosto/setembro de 1821, uma vez que cita e critica os decretos 124 e 125141, de 29 de setembro e publicados em 1º de outubro de 1821.

A cópia encontrada no Museu Imperial traz, em seu final, “janeiro de 1822”, sem indicações quanto ao dia. Muito provavelmente, remete à data ou que chegou ao Rio de Janeiro ou em que foi copiada e arquivada, na Corte. Esta segunda hipótese fica reforçada pelo fato de não conter assinatura ou qualquer outra identificação do autor, sugerindo interesse em mantê-la anônima.

Esta Memória inscreve-se em contexto amplo e contraditório da atuação da Corte no Rio de Janeiro e das revoluções em Portugal e Espanha. Seu conteúdo permite ampliar o universo político em que atuava o Príncipe, uma vez que mostra ação articulada entre D. Pedro e D. João na defesa da Coroa e sugere como, lá e cá, havia quadro muito nuançado de propostas.

O conhecimento de seus termos implica em reconsiderar as condições especialmente em que se desenvolveu o “Fico” e como D. Pedro dele participou. Os acontecimentos esvaziam-se de sua espontaneidade, insinuam intensas disputas políticas e a necessidade de combater projetos que, naquele período, ameaçavam a autoridade de D. Pedro, a unidade da nação portuguesa e os direitos dos Bragança.

O documento pode indicar, ainda, contrariando versões sobre um distanciamento entre D. João e D. Pedro, entendimentos entre pai e filho, conforme sugeriu Tobias Monteiro. Referindo-se a acontecimentos de agosto de 1822, o autor aventou a possibilidade de estreitas ligações entre D.João e D. Pedro, quando transcreveu a opinião de Aguilar, Ministro de Espanha em Lisboa. “Eu sou do número dos persuadidos que o Pai está

muito de acordo com as operações do filho, apesar de manifestar-se em sentido oposto, e

141 O decreto 124 estabelecia provisoriamente a forma de administração política e militar das Províncias do Brasil; o 125 determinava a viagem do príncipe Real por algumas Cortes da Europa, ou seja, sua retirada do Brasil para a Europa. Cortes gerais Extraordinárias e Constituintes da Nação Portuguesa. Parte I. Coleção das Leis do Brasil, 1821.

creio ainda que o Sr. Pinheiro[Silvestre], do qual ele tem um alto apreço, é o ministro que o dirige”.142

É possível, através da leitura desta Memória perceber uma visão arguta e crítica da situação política da Monarquia e a intenção do autor em colaborar para o delineamento de uma atuação do Príncipe. O autor anônimo cuidou de organizar um conjunto de estratégias a serem desenvolvidas, dividindo suas considerações em duas partes: uma introdução, onde avalia a situação da monarquia frente aos acontecimentos na Europa e na América e um conjunto de iniciativas a serem concretizadas pelo Príncipe, de forma a preservar interesses do Império, que se desdobravam em Portugal, América e demais possessões portuguesas.

Ao apresentar seus argumentos a S.A.R., com habilidade, reconheceu a importância da Revolução Liberal do Porto, identificando-a com uma “faísca”. Percebe-se uma dupla intenção do autor: se a Revolução foi “faísca”, a situação da Monarquia propiciou o incêndio. Assim, era necessária atuação “sistêmica”, que pudesse reordenar as relações no âmbito do Império conflagrado. A salvação da monarquia dependeria de ações dos dois lados do Atlântico, mas por questões específicas, que o autor descrevia, deveria ser orientada pela atuação de D. Pedro, a partir do Reino do Brasil. Assim encaminhava o autor anônimo suas considerações ao Príncipe:

A faísca que cintilou na cidade do Porto no dia 24 de agosto de 1820 bastou para incendiar toda a Monarquia Portuguesa. O estado em que ela se achava facilitou a conflagração do incêndio, e a levá-la a iminente perigo em ambos os hemisférios.

Na Europa, apresenta o Reino de Portugal um espetáculo tristíssimo porque acha-se governado por uma facção que, tendo usurpado todos os poderes, trata unicamente de derrubar todas as instituições existentes; de vilipendiar a Autoridade Real, e de corromper gradualmente o espírito público, para poder inaugurar com maior facilidade um governo puramente democrático.

Esta facção obra de conserto com a que oprime a Espanha, e ambas conspiram para o fim de realizarem o projetado estabelecimento de uma federação de sete Repúblicas Peninsulares. Os sucessos vão

142MONTEIRO, Tobias. Op. cit.

correspondendo aos desejos de ambas as facções; e a realização do projeto já não parece nem quimérica, nem remota.143

O mesmo movimento que havia instituído as Cortes portuguesas, se não operado com cautela, poderia trazer a “revolução” - entendida como “democracia” que produziria a anarquia, no interior da monarquia lusa144. O perigoso exemplo vinha das lutas que se desdobravam tanto na Europa – França e Espanha, como na América.

Na América, acha-se o Brasil exposto à influência das instituições democráticas dos Estados vizinhos. E, nas atuais circunstâncias em que esse Reino perde o honorífico predicamento de metrópole, de que desfrutou as preciosíssimas vantagens por espaço de 13 anos; nestas circunstâncias, (---)145 em que a facção que predomina em Lisboa emprega para manter a submissão desse Reino, meios muito mais violentos do que os que se empregaram para o mesmo fim, durante o prudente sistema colonial, e que, além disto, ofendem o amor próprio dos habitantes desse país; e quando, além disto, o pacto social que se redige em Lisboa lesa os interesses do Brasil, porque concentra naquela cidade a representação nacional e toda a administração política e econômica da Monarquia, e quando finalmente estabelece uma nova forma de administração provincial que tendesse de propósito a isolar as províncias desse Reino146, e a romper os mesmos débeis vínculos que elas tinham entre si sob o anterior

143II POB – 00.01.1822. M.47; D. 2-126, Bra.Mm.

144Ver: NEVES, Lúcia Maria Bastos Pereira das. Corcundas e Constitucionais; cultura e política (1820-1823). Rio de Janeiro: Revan/FAPERJ, 2003. P. 170. NEVES, Lúcia Maria B. “Revolução: em busca do conceito no Império luso-brasileiro”. VII Conferência Internacional de História dos Conceitos Diálogos Transatlânticos. Rio de Janeiro, 2004. In:www.historia.uff.br/artigos/guilherme_conferencia. [25 mar. 2005] SILVA, Maria Beatriz Nizza da Silva. A repercussão da revolução de 1820 no Brasil: eventos e ideologias. Revista de História das Idéias, Coimbra, n. 2, p. 1-52, 1978-79.

145As palavras do manuscrito que não puderam ser transcritas estão indicadas desta forma (---).

146O autor remete, muito provavelmente, aos debates em torno do decreto 124, já atribuindo a ele um papel que, posteriormente, será reforçado e ampliado, de instituir o desligamento das províncias do Rio de Janeiro e, por conseqüência, dissolver as condições de Reino do Brasil.

sistema colonial, é forçoso reconhecer/ embora seja dura esta verdade/ que a influência democrática dos Estados vizinhos desse Reino há de ganhar na conjuntura presente tamanha força, que não tardará em (---) uma terrível explosão logo que Sua Alteza Real se ausentar desse Reino.

A influência democrata obrará, inevitavelmente, sobre esses mesmos homens que por excesso de patriotismo, ou pela previdência das tristes conseqüências a referida explosão diriam haver concebido a idéia de definir a S.A.R. o centro desse Reino do Brasil. Eles ver-se- ão na dura necessidade de sacrificarem sobre o altar da imperiosa lei da necessidade os seus sentimentos e as suas opiniões monárquicas e de capitularem com a facção democrática que há de então aparecer sobre a cena, republicana. Tal é a situação atual da Monarquia portuguesa em ambos os mundos; e tal o seu assombroso futuro. O mal da desmembração da monarquia é tão grande e está tão iminente que não somente justifica a adoção de todos os meios que forem conseqüentes a obviar tamanho desastre, como também reclamar o emprego o mais presentemente dos referidos meios.

Interessante notar, a sugerir inclusive a proximidade e a presença de conselheiros de D. João, que o autor retoma e aprofunda argumentos já configurados, por exemplo, no polêmico folheto Le Roi et la famille Royale de Bragance doivent-ils, dans les circonstances présentes, retorner em Portugal, ou bien rester au Brésil?147 De autoria de F. Caille de Geine, o folheto foi mandado imprimir pelo ministro de D. João, Tomás Antônio de Vilanova Portugal, às custas do erário e circulou no Rio de Janeiro em janeiro de 1821. Ambos os textos registravam interpretações e estratégias políticas nas quais os destinos futuros da

147Detalhou as discussões em torno da autoria do folheto LUSTOSA, Isabel. Insultos impressos: a guerra dos jornalistas na Independência. 1821-1822.São Paulo: Cia. das Letras, 2000. P. 87-92. O folheto foi publicado, em sua íntegra, em FAORO, Raimundo. (int.) O debate político no processo da independência. Rio de Janeiro: Conselho Federal de Cultura, 1973. Cópia dele, em manuscrito, encontra-se arquivada no Museu Imperial, no fundo POB (Pedro, Orléans e Bragança).

Coroa e da nação portuguesa estavam associados à potencialidade do Reino americano, colocando-se em lugar secundário o Reino europeu. Prossegue a Memória:

Este final que há de necessariamente acontecer, se não for prevenido a tempo, não se repartirá com igualdade entre as partes desmembradas da Monarquia Portuguesa porque o Brasil, que contém no seu seio incomensuráveis elementos de riqueza, de potência, e que se achará cercado de vizinhos tanto ou mais do que ele, poderá sustentar a existência política que adquirir, depois de haver passado pelos inevitáveis inconvenientes de uma revolução. Portugal, pelo contrário, há de necessariamente perder a sua independência, porque o necessário efeito dessa desmembração será a sua incorporação com a Espanha, seja pelo mágico poder das Sociedades Secretas, que predispõem, desde já, o espírito público para um tremendo sacrifício, seja pela força das armas de um vizinho muito mais poderoso que ele. E quanto maiores forem os inúteis esforços que fizer Portugal para se opor e para comprimir a explosão democrática feita no Brasil, tanto menores serão os meios que terá aquele reino para manter a sua própria independência e tanto mais fácil e próxima há de ser a sua incorporação à Monarquia ou Confederação Espanhola.

O autor desta Memória demonstrava, como se verá a seguir, um profundo conhecimento da situação com que se defrontava o Príncipe, no Rio de Janeiro e ainda das movimentações políticas em Portugal e, por desdobramento, em todo o Império. Reconhecia a importância de bases de apoio a sustentar um projeto político. A afirmação de uma realidade “imperial” relacionava-se com as possibilidades intuídas – ainda que não efetivadas - de garantir a integridade dos domínios portugueses sob o governo dos Bragança, a beneficiar, especificamente, os “negócios” que interligavam as diferentes possessões portuguesas, na Europa, América, África e Ásia148. As relações políticas e comerciais entre os vários domínios

148Sobre a dinâmica comercial dentro do Império português, especificamente na passagem do século XVIII para o XIX, ver FRAGOSO, João, BICALHO, Maria Fernanda B. e GOUVÊA, Maria de Fátima (orgs.). O Antigo

ultramarinos e a metrópole eram referenciadas pelo autor anônimo como uma questão central no tensionar das relações entre os portugueses dos diferentes hemisférios, especialmente pela “inversão” que fez o Brasil “metrópole”.

É, portanto, um sagrado e urgentíssimo dever o de prevenir a mencionada desmembração da Monarquia Portuguesa e a consecutiva destruição de um Trono enobrecido por tantos feitos memoráveis. Esta glória não pode pertencer a Sua Majestade Fidelíssima, porque tendo caído em poder da facção que oprime o Reino de Portugal, acha-se reduzido à miseranda condição de um Augusto Prisioneiro que tem por homenagem a Província da Extremadura, e que está destituído de todos os meios necessários para o fim de realizar uma empresa tão heróica.

A seu Augustíssimo Filho é que o Céu parece haver reservado a honra do resgate do Pai, e da Salvação do Trono Português. Para operar este prodígio tem Sua Alteza Real um único meio é o de permanecer no Brasil, e de não anuir ao insidioso chamamento que lhe tem feito a facção que retém o Seu Augusto pai no cativeiro. A presença de Sua Alteza Real no Brasil (---) a conservação desse Reino; e esta a do Trono; e até mesmo a integridade da Monarquia Lusitana; porque o Mesmo Senhor, lançando mão dos meios que oferece o rico e vasto reino do Brasil, e invocando a garantia que se acha estipulada a favor de Portugal / e que não é extensiva ao Brasil/ poderá prover a pacificação daquele Reino e obstar a sua premeditada incorporação com a Monarquia ou Confederação Espanhola.

É tão sagrado o dever de libertar um Pai, e de salvar a Monarquia, que o Magnânimo Coração de Sua Alteza Real não há de hesitar um

Regime nos Trópicos. A Dinâmica Imperial portuguesa (séculos XVI-XVIII). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001. Indico, ainda, FRAGOSO, João. “Elites econômicas” em finais do século XVIII: mercado e política no centro-sul da América Lusa. Notas de uma pesquisa. In: JANCSÓ, István (org.). Independência: história e historiografia. São Paulo: Hucitec/ FAPESP, 2005. P. 849-880.

momento entre o honroso desempenho desta obrigação e o dever de vir representar na Europa o papel de um Augusto proscrito, tendo certo que a sua proscrição já está decretada com a disfarçada cor de uma viagem pelos países estrangeiros.

Desta forma, podemos considerar que o nosso analista comungava dos ideais, que já vinham sendo discutidos desde, pelo menos, a segunda metade do século XVIII, de uma “regeneração” na administração portuguesa, postulada enquanto instrumento para evitar a “revolução”, nos dois lados do Atlântico. Defendia-se a autoridade do Príncipe, enquanto instância de preservação de um espaço imperial, onde as diferentes partes que o constituíam pudessem operar relações de comércio e prosperar.

No entanto, intensas discussões se processavam entre os deputados que, nas Cortes, procuravam definir os rumos para o pacto social “português”. Conforme analisou especialmente Valentim Alexandre149, se buscava, na atuação dos “integracionistas”, a transmutação de interesses de grupos da sociedade portuguesa em interesses nacionais que entendiam uma unicidade de propósitos a se configurar em ordem constitucional onde desapareciam as identidades das partes, no império português. Estas políticas foram traduzidas em uma série de medidas que contribuíram para esvaziar a autoridade do Príncipe, no Rio de Janeiro, em favor de uma reconfiguração da administração que definia o todo – a nação portuguesa – constituída por unidades equivalentes – as províncias – submetidas diretamente às Cortes.

Ao colaborar com D. Pedro, avaliando a situação e sugerindo estratégias, o autor da Memória propunha uma atuação ousada do Príncipe, de forma a contrapor-se à revolução, “lá e cá”. Ainda que não nos seja possível identificar o autor (ou, os autores) do documento, é fatível considerar que a decisão do “Fico” foi adotada sob pressão de múltiplos interesses e agentes que projetavam situações de futuro diferentes, daí a “ambigüidade” das gestões encaminhadas ao Príncipe, uma vez que não se poderia determinar, a priori, os desdobramentos das iniciativas que se tomavam.

É importante, no entanto, lembrar que a circulação de notícias entre o Rio de Janeiro e Lisboa demandava tempo, para vencer a distância. A indicação na Memória aponta

para janeiro de 1822. Os argumentos e considerações sugerem que é possível estabelecer certa sintonia entre as iniciativas tomadas dos dois lados do Atlântico, por setores que atuavam junto ao rei e ao Príncipe, em função de intenção de preservar os interesses da monarquia. Com os dados de que se dispõe não é possível construir uma relação de causa/efeito, entre a Memória e as iniciativas de D. Pedro, no Rio de Janeiro. No entanto, é fatível refletir sobre a elaboração de estratégias semelhantes que permitem refutar uma interpretação que aponta ora para a espontaneidade, nas atitudes do Príncipe, ora para reivindicações promovidas unicamente por setores proprietários radicados no Rio de Janeiro ou no chamado centro-sul. Por isso, torna-se necessária a longa citação a seguir.

Tomada pois a heróica resolução de permanecer no Brasil, deve SAR seguindo o exemplo do Infante D. Pedro, e o de Seu Augusto Pai, nos casos de impedimento de El-Rei D. Afonso 6ºe da Rainha a Senhora Dona Maria 1ª, de saudosa memória, assumir, toda a Autoridade Real para na qualidade de regente de toda a Monarquia exercê-la em Nome de El-Rei o Sr. Dom João 6º, e durante o seu atual impedimento.

E ainda que a justiça da empresa afiança / com o favor do Céu/ o bom êxito desta, exige a prudência que ela seja precedida, e acompanhada de certas providências: e é sobre este ponto que versará a segunda parte desta breve Memória.

As providências que devem preceder e acompanhar a execução do plano acima-indicado, dividem-se em 3 categorias – Providências que se devem dar antes da execução – ditas no momento da execução – ditas logo depois de executado o plano.

As da 1ªcategoria são as seguintes:

1ºEnviar às Províncias de S. Pedro do Sul, São Paulo, Minas Gerais, Bahia e Pernambuco pessoas de toda a confiança para predisporem os ânimos dos respectivos habitantes a prestarem obediência a SAR na qualidade de Regente do Reino Unido. Esta empresa não encontrará dificuldade nas 3 primeiras Províncias, porque João Carlos de Saldanha, Carlos Augusto de Oeynhausene D. Manoel de

Portugal que gozam de confiança e estima públicas poderão contribuir muito para a sua execução – Na Bahia e Pernambuco não é ela tão fácil; todavia é possível executá-la, porque todos os brasileiros que têm bens conhecem as vantagens que lucra o seu país em preservar-se da anarquia de que está ameaçado: e uma vez que SAR lhes antecipe a promessa da imediata concessão de uma Constituição arrazoadamente liberal e que preserve a esse Reino a preciosa vantagem de ter uma representação à parte, e uma administração econômica independente de Portugal; e lhes prometa, ao mesmo tempo, a criação de uma Aristocracia a favor dos indivíduos que se distinguirem pelos serviços que prestarem nessa conjuntura, pode-se contar com a cordial cooperação dos Brasileiros