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Os embates no Rio de Janeiro entre 1821 e o início de 1822

CAPÍTULO II. SUA ALTEZA REAL EM AÇÃO: O”FICO”

2.4. Os embates no Rio de Janeiro entre 1821 e o início de 1822

O embarque do “rei velho” para Portugal, possibilitou a D. Pedro, então um jovem de 22 anos, assumir posição de relevância política, num quadro extremamente fluido, de indefinições institucionais. O decreto de 22 de abril, como já mencionado, além de prever a responsabilidade dos ministros, designou os componentes do ministério:

Neste Governo será o Conde dos Arcos, Ministro e Secretário de Estado dos Negócios do Brasil e Negócios Estrangeiros; o Conde de Louzã D. Diogo de Menezes, Ministro e Secretário de Estado dos Negócios da Fazenda, como atual é: Serão Secretários de Estado interinos: o Marechal de Campo Carlos Frederico de Caula, na Repartição da Guerra: O Major General da Armada Manoel Antonio Farinha, da Repartição da Marinha.

O Príncipe Real tomará as suas Resoluções em Conselho, formado dos Ministros de Estado, e dos dois Secretários de Estado interinos, e as suas determinações serão referendadas por aquele dos Ministros

de Estado, ou Secretários da competente Repartição, os quais ficarão responsáveis.175

Nas disposições do decreto, apesar de aparentemente o Príncipe deter todas as prerrogativas para o exercício do poder, ênfase especial estava colocada no ministério, onde despontava a figura de Dom Marcos de Noronha, o Conde dos Arcos, ex-Vice-Rei do Brasil e figura de grande prestígio e experiência política. Seus demais componentes eram “portugueses da Europa” e, de alguma forma, estavam presentes no governo joanino. Portanto, com exceção do próprio D. Marcos, próximo do Príncipe176, os demais ministros pareciam comprometidos com forças políticas, em Portugal.

A situação do governo, apesar dos esforços do Ministério, era difícil. O funcionamento das estruturas administrativas vivia momento de indefinição, inclusive por questões já levantadas neste trabalho. Se o rei havia jurado as Bases da Constituição e aparentemente reconhecia a competência das Cortes para elaborar as leis para a monarquia, persistiam os confrontos quanto ao exercício e a organização dos poderes. Assim, ainda permaneciam em debate a forma de atuação da monarquia e sua relação com as Cortes e, especialmente, a relação entre as partes constitutivas da nação portuguesa, as prerrogativas de Reino do Brasil e a definição da sede da monarquia.

Este embate teve, durante 1821, grande expressão, chegando, consistentemente, a restringir a autoridade do Príncipe e a se contrapor a ela. Destacava-se entre as forças que se defrontavam com o governo do Príncipe, a Divisão Auxiliadora177, sob o comando do general Jorge de Avilez, formada pelos 11º. e 15º. Batalhões de infantaria, o 3º.

175Decretos, Cartas e Alvarás. Decreto de 22 de abril de 1821. Coleção das Leis do Brasil.

176 FERREIRA, Silvestre Pinheiro. Cartas sobre a Revolução do Brasil pelo Conselheiro Silvestre Pinheiro Ferreira. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, v. 51, 1888. Tobias Monteiro também considerava a existência de laços de amizade entre D. Marcos e o Príncipe, baseando-se não só em Silvestre Pinheiro como em relatos de Mareschal, o embaixador da Áustria no Rio de Janeiro. Cf.: MONTEIRO, Tobias. Op. cit.

177A Divisão Auxiliadora, sob comando de Jorge de Avilez, formada por veteranos das guerras contra Napoleão, em Portugal, foi enviada ao Brasil, em 1817, para combater em Pernambuco. Estacionou no Rio de Janeiro e destacou um batalhão para a Bahia, outro para Pernambuco e um terceiro para o Piauí. Na Corte, com Avilez, ficaram três batalhões e uma bateria de artilharia. Ver: RODRIGUES, José Honório. Independência: Revolução e Contra-Revolução.Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves, 1975. V. 3: As Forças Armadas.

de caçadores e o 4º. de artilharia. A produção historiográfica, influenciada pelas obras de Silva Lisboa e Varnhagen, com destaque, por exemplo, para o estudo de Aníbal Gama, entendeu o período entre junho e dezembro de 1821 como a regência coacta178 e viu Sua Alteza Real fragilizado e “refém” das tropas. No entanto, acompanhamento das ações do Príncipe mostra disposição para o enfrentamento, sugerindo que D. Pedro construía, por seu lado, forças de apoio que pudessem sustentar sua autoridade à frente do governo do Rio de Janeiro.

Entre 26 de abril de 1821 e junho do mesmo ano, D. Pedro escreveu uma única vez ao pai, em 2 de maio. Na missiva, transparecia a animosidade entre Sua Alteza Real e as tropas e seus aliados. No entanto, o Príncipe não esqueceu de destacar que mantinha práticas ligadas à atuação de D. João, preservando as audiências à população da Corte:

Cheguei ao Paço no de (sic) 26 do passado às 11 e ½ e logo fui ao Arsenal o qual eu achei em uma perfeita desordem. Dei algumas ordens as quais tenho a honra de remeter a Vossa Majestade. No outro dia, dei audiência às nove horas da manhã, na Cidade, onde hei de dar sempre a não fazer alguma complicação à obediência das ordens de Vossa Majestade.

Assim tenho feito, e vou fazendo, e para que Vossa Majestade fique também inteirado das ordens que eu com autoridade de Vossa Majestade, tenho dado, levo à Real presença de Vossa Majestade todas as ordens , avisos e decretos que têm saído a bem do Público e Vossa Majestade.179[grifo meu]

De forma reticente, D. Pedro informou sobre sua atuação e sobre as dificuldades que enfrentava. No entanto, as palavras de S.A.R. também indicavam uma disposição para atuar, ocupando os espaços possíveis, a partir das determinações do decreto de 22 de abril, que o instituíra como regente.

178GAMA, Aníbal. D. Pedro na Regência. Rio de Janeiro: Gráfica Laemmert, [19--].

179D. Pedro I. Proclamações, Cartas, Artigos de Imprensa.Intr. de Pedro Calmon. Anot. de Cybelle de Ipanema. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1972.

O momento de maior expressão das facções que defendiam um alinhamento com a atuação das Cortes de Lisboa, entendida como forma de preservar a “nação” portuguesa e garantir uma ordem constitucional, aconteceu com o movimento de tropas de 5 de junho de 1821, que resultou na deposição do Ministério liderado pelo Conde dos Arcos, na eleição de uma Junta Provisória para o Governo da Província do Rio de Janeiro e na constituição de uma Comissão Militar a assumir o Governo-de-Armas, na Corte. Em 8 de junho, D. Pedro narrou os acontecimentos, em carta a D. João.

Tendo eu procurado satisfazer aos vassalos de vossa majestade naturais desse país, como vossa majestade pode calcular pelos papéis que tive a hora de remeter a vossa majestade, e igualmente tendo-o alcançado de todo, só o não pude alcançar de alguns oficiais do no. 3[batalhão de Caçadores da Corte], que se têm portado mui mal, assentando que a constituição é e deve ser proclamada à força armada. Estes são João Crisóstomo, Peixoto, o capitão Sá, o Garcez e José Maria do 11, a ponto de peitarem os soldados para fazerem jurar as bases constitucionais portuguesas, ou por bem ou por mal, não tendo eu nada contra isso, mas por fazerem o ato seu,(grifo meu) o que as cortes seguramente reprovarão, porque eu ia caminhando, como se prova dos papéis todos feitos para antecipar os bens da constituição, muito mais tendo dito às cortes que as bases não regeriam no Brasil, sem pelos seus deputados ser expressa a sua vontade, que seguramente será a mesma.180[grifo meu]

D. Pedro reportou ao pai as estratégias que adotou, frente às movimentações das tropas, procurando destacar tanto sua fidelidade à monarquia, quanto aos princípios constitucionais que as Cortes vinham desenvolvendo. Sua principal restrição estava na afirmação de autonomia, frente à sua autoridade. No entanto, S.A.R. procurou vincular seu enfrentamento a decisões encaminhadas pelas tropas, à ausência de deputação do Reino do Brasil nas Cortes.

No Rio de Janeiro, as disposições estabelecidas pelo juramento das Bases da Constituição, talvez tendo por sustentação os mesmos argumentos indicados por D. Pedro – não terem sido referendadas por deputação do Reino do Brasil – não eram seguidas na atuação do Conde dos Arcos, à frente do ministério. Desta forma, a gestão de D. Marcos de Noronha foi considerada “despótica” pelos defensores da ordem constitucional, uma vez que o ministro sobrepunha funções, por exercer o executivo que, consensualmente, lhe caberia, e por desenvolver, através dos decretos que D. Pedro expedia, mormente regulamentos administrativos, iniciativas de natureza legislativa. Para seus opositores, D. Marcos exorbitava em suas atividades e atuava em questões que seriam de prerrogativa das Cortes. Tobias Monteiro181 alertou para a existência de certo “desequilíbrio” no interior do Ministério; o Conde de Louzã182 era adversário de D. Marcos. Na designação feita para o ministério, em decreto de D. João, apenas a D. Marcos e D. Diogo era reconhecida a condição de ministros; o general Caula e Manuel Farinha, respectivamente das repartições de Guerra e da Marinha, atuavam como interinos e, apenas, secretários de Estado, o que descontentava aos militares.

A troca de correspondência entre pai e filho, forma de comunicação que, apesar de parecer pessoal e privada, na verdade, era tornada pública e, assim, alimentava a luta política, deve ser observada com muito cuidado, conforme alertou Vesentini, quanto ao caráter da documentação oficial, como exposto no primeiro capítulo. D. Pedro, ainda em sua missiva de 8 de julho, deu a perceber que, não só conhecia os movimentos dos grupos que se opunham à sua ação e ao ministério, como, de certa forma, buscou, no enfrentamento com eles, reconfigurar a cena política. O Príncipe tinha informantes entre os militares que poderiam ajudá-lo a se antecipar às iniciativas de seus adversários.

Eu tinha-o sabido oito dias antes, e disse a João Crisóstomo que eu sabia isto assim e assim, ao que me respondeu que era intriga. No dia 4 fui à caça a Santa Cruz, e já suspeitando que a tropa auxiliadora

181MONTEIRO, Tobias. Op. cit., p. 376-377.

182 De acordo com Melo Moraes, o Conde de Louzã, D. Diogo de Menezes, ministro da Fazenda, teve um comportamento “oportunista”, em junho de 1821, e parecia compor-se com os militares no Rio de Janeiro e com as Cortes, em Portugal. Posteriormente, teria, em Portugal, participado ativamente da tentativa de re-instauração do absolutismo, liderada por D. Miguel. MORAES, A. J. de Mello. História do Brasil-Reino e do Brasil-Império. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Edusp, 1978. vol. 1. p. 156.

me queria fazer um requerimento para eu consentir que se ajuntassem para jurarem as bases, vim, e no outro dia às cinco horas da madrugada montei a cavalo e fui ao batalhão 3 para ver se eles me pediam alguma coisa sobre isto; mas vendo na porta do Sá escrito com giz “capitão Sá”, logo suspeitei que eles quereriam fazer o ato seu e não pendente do governo, que para mais constitucional só à mesma constituição.183[grifos meus]

Assim, seu relato da movimentação das tropas adquire um caráter de “conspiração”, uma vez que as justificativas de que os militares lançavam mãos, em sua versão, eram improcedentes. Pressionado, mas numa situação que não o pegava de surpresa, o Príncipe insistiu em evidenciar comportamento não só constitucional e de fidelidade à palavra dada, como de buscar mecanismos de antiga referência de sustentação da autoridade real, procurando indicar respeito à vontade de seus “súditos”.

Voltando o Caula mandei vir o cavalo e fui ao Rossio. Chegando, vieram todos os oficiais com o general[Jorge de Avilez] à testa e eu lhes perguntei: ‘Quem é que fala aqui?’ A isto ficaram um tanto sobressaltados, e eu repeti: ‘Quem fala’? Disse o general: “Eu pela tropa”. “Que querem”? Disse ele: “jurarmos as bases constitucionais portuguesas”. Respondi: “Não tenho dúvida, mas só o que sinto é que haja homens que assentem que eu não tenho palavra tanto política como religiosa, tendo eu jurado in totum tanto por minha vontade a constituição, tal qual as cortes fizeram; mas a mim não me fica mal, mas sim a quem duvida da palavra de um príncipe, comprometida por um juramento, coisa para mim tão sagrada; eu vou já, vamos todos. Fui para a sala do teatro, e dizendo-me o Peixoto que era preciso que todos jurassem as bases, eu lhe respondi: “Eu não juro sem saber a vontade do povo que estou governando, porque a tropa é uma parte da nação, por isso não valia

de nada querer sem eu saber a vontade do povo para então deliberar.”184

A atuação das tropas implicou em mudanças do governo, com o desligamento do Conde dos Arcos do ministério, substituído pelo desembargador da Casa da Suplicação Pedro Álvares Diniz. Ainda na carta ao pai, D. Pedro cuidou de relatar sua “decisão” de aceitar reivindicação que lhe era encaminhada para a formação de uma junta de governo para a Província, de acordo com decreto das Cortes Gerais Extraordinárias e Constituintes da Nação Portuguesa, de 24 de abril de 1821, que em seu parágrafo primeiro determinava:

Serão havidos como legítimos todos os Governos estabelecidos, ou que se estabelecerem nos Estados Portugueses de Ultramar e Ilhas Adjacentes, para abraçarem a Sagrada Causa da Regeneração Política da Nação Portuguesa; e serão declarados beneméritos da pátria os que tiverem premeditado, desenvolvido e executado a mesma Regeneração.185

De acordo, ainda, com o parágrafo 2º do referido decreto, seria atribuição dos governos assim estabelecidos organizar as eleições dos deputados de Cortes, para atuarem em Lisboa.

No entanto, transparecia no relato de Sua Alteza Real intenções de se apoiar na relação entre a monarquia e o “povo”, de forma a preservar uma esfera de poder própria das estruturas monárquicas. Sua descrição das negociações que conduziu no Rio deixa algumas indicações instigantes.

Para a saber [a vontade do povo] mandei convocar os eleitores de província, não como eleitores, porque já elegeram os deputados, mas como homens que se sabia que tinham a confiança pública. Eles assentiram, o que eu estimei muito. Depois apareceu o Padre José

184D. Pedro I. Proclamações, Cartas, Artigos de Imprensa. Carta de 08 de junho de 1821. Op. cit.

185Decretos, Cartas e Alvarás. Decreto de 24 de abril. Declara legítimos os Governos estabelecidos, ou que se estabelecerem nos Estados Portugueses de Ultramar, para abraçarem a causa da regeneração política. Coleção das Leis do Brasil. Op. cit.

Narciso, que foi capelão do conde de Vila Flor, interpretando a vontade do povo e tropa. Eu lhe disse que convocasse dois oficiais de cada corpo para de comum acordo com os ex-eleitores de província assentarem na forma porque haviam de fazer uma junta provisória, que eles pretendiam, mas deixaram-me criá-la, e eu mandei tudo, sempre deitando-me de fora.186[grifos meus]

De acordo com Salles Oliveira187, o grupo de eleitores de província, citado pelo Príncipe, era formado por Gonçalves Ledo, Cunha Barbosa, Souza França, Antônio José do Amaral, Fonseca e Sá, Clemente Pereira, Manuel Jacintho Nogueira da Gama, José de Oliveira Barbosa, Mariano José Pereira da Fonseca e Antônio Luís Pereira da Cunha; pelas indicações de D. Pedro coube a eles a designação dos componentes da Junta de Governo188 _ Mariano José Pereira da Fonseca, bispo capelão-mor D. José, José de Oliveira Barbosa, comandante da polícia José Caetano Ferreira de Aguiar, marechal Joaquim de Oliveira Álvares, negociante de grosso trato Joaquim José Pereira de Faro, desembargador Sebastião Luis Tinoco, Francisco José Fernandes Barbosa e Manoel Pedro Gomes.

Segundo Oliveira Lima,

O artigo 31.º das bases constitucionais portuguesas impunha a responsabilidade aos ministros e secretários de Estado e ficava incumbida aquela junta de apurar semelhante responsabilidade, sendo ela própria responsável perante as Cortes Constituintes de Lisboa, bem como de examinar todos os projetos de lei elaborados pelo executivo antes de respectivamente sancionados. O decreto definia tais atribuições, mas nunca foi regulamentado o seu modus faciendi, pelo que a junta civil ficou sabendo ao que viera ao mundo,

186D. Pedro I. Proclamações, Cartas, Artigos de Imprensa. Carta de 08 de junho de 1821. Op. cit.

187OLIVEIRA, Cecília Helena de Salles. A Astúcia Liberal. Bragança Paulista: EDUSF/ Ícone, 1999. P. 148. 188Os nomes aprovados foram publicados em decreto de 05 de junho de 1821. Decretos, cartas e alvarás. Coleção das Leis do Brasil. Op. cit.

sem contudo aprender como proceder nele e morrendo sem haver dado sinal da sua utilidade ou da sua inconveniência.189

De acordo com Sua Alteza Real, as tropas tinham se valido de um “pretexto”, para agirem contra seu ministério. No entanto, sua habilidade em “embaralhar” a cena política ficou indicada na manipulação das indefinições institucionais e na afirmação de um reconhecimento de sua autoridade enquanto representante da monarquia, atestada por manifestações populares que ele tratou de comunicar às Cortes, através do pai.

Despedi o conde dos Arcos em atenção a representações, e pediram- me que elegesse outro, quem eu quisesse; elegi Pedro Alves [sic] Diniz, que eu estimarei que seja do agrado de vossa majestade, e disse-lhes por fim: “Arranjem-se desta vez como bem lhes parecer, porque eu terceira vez não venho cá e Deus sabe para onde eu irei”. A isto foram sensíveis, e então fiz o decreto pelas quais são responsáveis pela conduta ativa e passiva às cortes; eu de nada senão a vossa majestade como filho. Peço incessantemente a vossa majestade que em cortes mostre ou mande mostrar esta carta para bem geral, e acuse de minha parte esta tropa auxiliadora de insubordinada, por querer alterar a forma do governo legalmente eleito por vossa majestade, com o pretexto de eu ter legislado, quando eu o que tenho feito é adiantado os bens constitucionais, aviventando leis adormecidas e coisas que a constituição tão cedo não podia obviar, e que eram de grande necessidade e utilidade para a sustentação dos povos, assim como o perdão dos direitos do sal, etc., e ao mesmo tempo fazê-la render quanto antes, porque ela arrogou a si poderes que só a força lhe dá, e não direito algum.(...) Fui às oito ao teatro, onde houveram os versos mais respeitosos possíveis a vossa majestade e a mim, de forma que imediatamente os mandei pedir pelo Broco para os mandar imprimir, porque eram

189LIMA, Oliveira. O movimento da Independência: 1821-1822. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Edusp, 1989.

dignos disso; imensos vivas a vossa majestade, a mim e à constituição.190[grifos meus]

Em sua missiva, D. Pedro faz referências à sua iniciativa de rever a tributação sobre o sal191, como importante para garantir o “sossego” na Corte e Província. O fornecimento de sal era fundamental para a criação de animais, especialmente na região do Rio das Mortes, sul de Minas, principal centro abastecedor do Rio de Janeiro de carne verde. As necessidades de aquietar a população, baixar preços e, ao mesmo tempo, angariar apoios de produtores do sul de Minas aparecem nesta iniciativa do governo. Por outro lado, a decisão também afetava poderosos negociantes, com vinculações em Portugal, importadores de produtos sob monopólio, que, descontentes, poderiam resistir à autoridade do Príncipe. Cabia a S.A.R. tentar equilibrar-se entre forças em confronto, avaliando as alianças que poderia construir.

O Príncipe aproveitou, também, para destacar a força de sua popularidade, não entre grupos de poder econômico, mas entre o “povo” a sinalizar, talvez, a relevância de ser considerado como peça essencial nos acordos políticos que se processavam. Desta forma, mais do que relato de momento difícil, a missiva do filho ao pai poderia ser considerada como uma estratégia para, ao mesmo tempo, sugerir uma fragilidade de sua figura – a lhe configurar maior liberdade de ação - e ainda uma justificativa para, na representação do Reino do Brasil, afrontar as decisões que vinham de Portugal.

Aparentemente, D. Pedro se dispunha a colaborar com as orientações que chegavam da Europa. No entanto, atuava no Rio de Janeiro, acompanhando debates e determinações que emanavam das Cortes de Lisboa, especialmente aquelas que dispunham sobre a reorganização das instâncias de governo, que ameaçava numerosa burocracia, instalada nos tribunais e demais repartições criadas por D. João VI, desempregando, segundo alguns cálculos, cerca de duas mil pessoas. Os efeitos sobre o comércio seriam desastrosos.

Como ressaltou Iara Lis C. Souza,

190

D. Pedro I. Proclamações, Cartas e Artigos de Imprensa.Carta de 8 de junho de 1821. Op. cit.

191Desde o início da Regência, D. Pedro havia assinado determinações a esse respeito. Ver: Decretos, cartas e alvarás de 1821. Decreto de 29 de abril de 1821: suspende o direito do sal, na entrada e passagem pelos Registros, ou Alfândegas de portos secos; Decreto de 11 de maio de 1821: estende a isenção dos direitos do sal