• Nenhum resultado encontrado

Espaço é um conceito bastante generalizante. Por esse motivo é necessário que o especifiquemos antes de discuti-lo. Para ter noção do seu caráter abrangente quando voltamos nossa atenção para o estudo da história e literatura romana e, mais especificamente para a poesia de Virgílio, vemos emergir numerosas pesquisas sobre os mais diferentes aspectos do espaço, paisagem, política, religião, guerras, heroísmo, morte e vida, isso para citar apenas alguns58.

Para exemplificar melhor podemos destacar o trabalho de Luís M. G. Cerqueira (2008, p.140-145) sobre o espaço da paisagem na obra de Virgílio como uma novidade na literatura da Antiguidade. De acordo com o ponto de vista do autor esse aspecto era tido como sem relevância, um mero pano de fundo para os feitos dos heróis homéricos, por exemplo. Era o lugar onde qualquer coisa se passava. No entanto, em Virgílio, mais especificamente na épica romana, a paisagem assumiu um papel de relevância, se tornando um recurso estilístico59. Para justificar tal afirmativa o autor nos apresenta um exemplo retirado da Eneida, da chegada dos troianos à Itália e a entrada na foz do Tibre, comunicadas ao leitor através da descrição de uma paisagem tranquila, uma manhã clara, animada pelo canto dos pássaros, como uma previsão do sucesso na conquista do Lácio e que mais a frente deixa uma brecha para a descrição das batalhas que seguirão (Eneida, VII, 7-24). A descrição de cada amanhecer na Eneida é vista como uma formulação adequada às circunstâncias do que ia acontecer nesse dia. A paisagem funciona como criadora de momentos de tensões e serenidade, ela direciona as ações dos personagens. Além disso, nos finais de cada Livro é perceptível um esforço de intensificar o ambiente dominante no canto, as zonas luminosas e sombrias. A paisagem interage com as ações humanas, não é um estado da alma, mas a própria alma, dinâmica e com consequências, não um simples cenário (CERQUEIRA, 2008, p.145).

Diante de tais observações sobre o conceito de espaço nos propomos a analisar como os troianos se situavam nos espaços com os quais tiveram contato, durante os

58 Dentre eles Castro (2012), Ferreira (2012), Moniz (2012), Pimentel (2012).

59 Notar na descrição do Livro III que Virgílio faz bastante uso da paisagem na sua epopeia, como por exemplo, quando Eneias aporta na Trácia e encontra o corpo de Polidoro misturado à vegetação e o relato sobre as chegadas e partidas dos troianos nas ilhas descritas por Eneias são acompanhados de descrições sobre as paisagens desses espaços sempre associadas aos acontecimentos.

primeiros anos de exílio narrados pelo personagem principal no Livro III da Eneida, que nos dará subsídios para entender questões relacionadas à conduta religiosa e política dos cidadãos da Roma augustana, que serão exploradas no capítulo seguinte. Conforme anunciamos, o Livro III se trata de um relato de memória no qual o herói Eneias descreve para a rainha de Cartago, Dido, todas as batalhas que teve de enfrentar até chegar a essa terra. O personagem principal se apropria das suas próprias memórias para contar sua experiência com os espaços que teve contado ao longo de sua viagem. O exílio aparece como um acontecimento tão relevante para Eneias que ele sequer deixa de mencionar as falas de todos os que o acompanharam nessa viagem e daqueles que encontrou ao longo do caminho, do mesmo modo como Simônides é sua visão a responsável pelo seu conhecimento. Partindo desse ponto de vista podemos conceber o Livro III como o “Livro das memórias de Eneias”. Na abertura o herói troiano afirma:

Quando aos eternos aprouve destruir sem motivo o invejável império d’Ásia e a progênie de Príamo, em terra soberba Ílio, e em ruínas ardentes a Troia Netúnia mudada, por injunção dos agouros nos vimos lançados no exílio, para buscar novas terras60 (Eneida, III, 1-4).

Eneias conta o que viu e viveu, tal como Ulisses, é aquele que sabe por que viu. François Hartog (2004, p.14) ao realizar uma análise sobre a viagem do herói homérico classifica essa qualidade como uma característica essencial do mundo grego, o olho como modo de conhecimento, e chega a essa conclusão se apoiando em Aristóteles, que considerava a visão como o sentido do ser humano capaz de transmitir um maior nível de conhecimento. Procuramos traçar aqui não um simples mapa da viagem de Eneias, mas uma análise da sua narrativa enquanto viajante, exilado, que relatou não somente o que observou, mas também o que viveu.

Diferentemente do Ulisses de Homero, Eneias não participa de batalhas ou passa pelas provações dos deuses para poder voltar a sua pátria, mas procura por uma nova. Porém, esses dois personagens podem ser reconhecidos como homens-fronteira, tal como afirma Hartog (2014, p.14-15), eles se perdem no mar, suas viagens são cheias de chegadas e partidas, demarcam as fronteiras entre o divino e o humano ao atravessarem o mundo dos

60

Postquam res Asiae Priamique euertere gentem/immeritam uisum superis, ceciditque superbum/ Ilium et

vivos e o mundo dos mortos. Esses viajantes se deslocam até lugares antes desconhecidos para eles, delineiam os contornos de uma viagem que os identificam um como grego e outro como romano. A Odisseia foi à pioneira da narrativa de viagem e foi posteriormente evocada metaforicamente por vários poetas, como Virgílio.

Eneias e seus companheiros se situavam nos espaços onde aportavam como estrangeiros, viajantes que não possuíam um lugar de pertencimento físico no mundo, pois este existia apenas em suas memórias e nas dos Penates. Na visão de Cabeceiras (2008, p.170) cidade e segurança é um binômio cuja pertinência para a cidade de Roma, a partir do seu desmensurado crescimento, começou a ser posto em questão no final da República. Apesar disso, esses dois elementos continuaram fazendo parte do imaginário mediterrâneo. Fora da “cidade murada” coisas ruins aconteciam, o autor em questão dá como exemplo o encontro entre os dois amantes Píramo e Tisbe que resultou na trágica morte de ambos. Seguindo essa premissa e desviando nossa atenção para a Eneida encontramos esse mesmo princípio. Os troianos exilados estavam desprotegidos, sem uma cidade estavam à mercê dos perigos, tendo sobrevivido graças à ajuda dos deuses. Sem pátria, fora dos “muros da cidade” eles se encontravam em espaços hostis, onde se depararam com morte, pestes, guerras, tempestades e maus augúrios.

A partir disso poderíamos pensar que na Eneida os espaços de ordem são as cidades, tendo como exemplo Cartago, onde os troianos encontram um local de repouso e proteção após a tempestade causada por Eólo no Livro I. Nessa cidade são bem recebidos, a rainha lhes oferece um banquete e pede a Eneias que lhe conte suas aventuras. No entanto, o que percebemos ao longo do relato do herói é que a ideia de segurança e ordem da cidade não se aplica homogeneamente. Durante o exílio o líder dos troianos fundou duas cidades, Enea e Pérgamo, mas elas não prosperaram, foram atingidas pela peste e maus presságios, sinais enviados pelos deuses para indicar que se fixar nessas terras não era seu Destino e que novamente as velas dos navios deviam ser levantadas para buscar novas paragens. Na

Eneida a proteção e a segurança estão condicionadas à vontade dos deuses e à pietas dos

homens. A recompensa pelos esforços era uma garantia divina, mas dependia da atitude devota dos troianos, demonstrada através da realização de sacrifícios e pelo respeito às previsões divinas, como podemos perceber no Livro III.

O espaço de ordem deve ser buscado, conquistado e fundado na península itálica pelos troianos sobreviventes de uma guerra. “O disciplinamento do espaço e a sua demarcação podem ser considerados atos fundadores da cidade e a sintonizam com o cosmos” (CABECEIRAS, 2008, p.71). A disciplinarização do espaço da nova pátria dos troianos seria promovida pela guerra empreendida contra Turno no final da epopeia, os quatro cavalos avistados por Eneias quando viu a Itália pela primeira vez era um presságio sobre esse acontecimento. Os troianos só encontrariam a paz depois da guerra. Essa pode ser considerada uma das mensagens da Eneida, um indicativo da pax conquistada por Otávio Augusto através do seu sucesso militar para conter as guerras civis e ampliar o território do Império. A epopeia de Virgílio é um poema sobre origens, mas também da conquista da paz por meio da guerra, de tempestades seguidas de calmaria, de morte seguida de vida, de perda de uma pátria e a conquista de uma mais nova e mais forte. A

Eneida pode ser considerada um poema sobre “ressureição”.

Conforme observa Langrouva (2003, p.267-269) o tópos literário viagem aparece na literatura antiga vinculado às experiências humanas de fuga, exílio, saudade da pátria e da família, bem como a ritos de passagem, sugerindo uma necessidade de renovação e busca de uma nova ordem social e espiritual. A ideia de viagem faz parte também da cultura grega, em especial das cosmologias pré- socráticas e da cultura grega arcaica. Na Odisseia, um dos mais exponenciais exemplos dessa tradição, a viagem é realizada em um espaço geográfico e mítico, desenvolvida em um tempo cíclico. Embora essa epopeia pareça a princípio um poema de regresso, um olhar mais aprofundado revela que se trata de uma obra aberta para um novo ciclo, pois mesmo depois de ter alcançado seus objetivos, em Itáca, Ulisses se prepara para novas viagens e retornos. Ao lançar um olhar sobre a Eneida esse autor afirma que o espaço da viagem de Eneias também é geográfico e mítico, porém não ocorrem em tempo cíclico e sim aberto. O herói e seus companheiros fogem da desordem e da violência da Guerra de Troia para o espaço desconhecido, num tempo predominantemente linear. O líder dos troianos exilados é um herói mítico fundador de uma nova ordem social, política e religiosa, pois essa foi à vontade do Destino, fato profugus (Eneida, I, 3).

A ideia de renovação na Eneida se encontra como uma necessidade devido à degeneração dos homens de Troia (LANGROUVA, 2003, p.269). Conforme observamos

anteriormente, no tópico 2.2.1 A partida de Troia e a chegada à Trácia, a cidade dos troianos foi condenada à destruição devido à ganância e ao desrespeito dos homens, principalmente dos reis Laomedonte e Príamo, aos pactos com as divindades. Coube a Eneias a missão de buscar uma nova cidade para os sobreviventes da guerra isenta de todos os males que levaram Troia à condenação. Nesse cenário as aventuras que Eneias e seus sócios tiveram de enfrentar no decorrer do seu percurso funcionaram como uma espécie de ritual de purificação e seleção dos mais dignos de habitarem o novo burgo, concluído pela demonstração de lealdade e capacidade militar para defender sua pátria e seus compatriotas na batalha do final da epopeia, contra Turno. Os espaços ocupados pelos troianos no Livro III são lugares de hostilidade, de perigos, mas também de proteção e adoração aos deuses.

Esses homens sem uma pátria, sem um espaço de pertencimento, vagam pelos mares à procura de um lugar para fixar-se, passam por provações enviadas pelos deuses, tempestades, renúncia ao amor e ao desejo de fundar uma nova cidade nas ilhas onde aportam. No que diz respeito ao mar, este pode ser encarado como um espaço de refúgio, mesmo tendo nele se deparado com o perigo das tempestades é nele que sua experiência de exílio se completa. Eneias e seus compatriotas são acolhidos pelo mar, um exemplo disso pode ser observado no episódio em que Eólo61, persuadido por Juno, cria uma tempestade para atingir os troianos, mas eles são salvos pelo deus do mar, Netuno (Eneida, I, 64-144). No que diz respeito a Troia em seu sentido físico ela se torna uma ausência, pois é destruída, porém permanece viva na memória daqueles que viveram nessa cidade. Eneias e seus sociis ainda habitam sua pátria, pelas suas memórias e pelos Penates sua cidade não deixou de existir, além disso, ao longo do exílio esses homens se autoproclamam, são chamados por outros personagens e pelo narrador de troianos62.

Na sua Poética do Espaço, Gaston Bachelard (1978, p.188) procura analisar os espaços da sensibilidade, das imagens da intimidade do ser humano, através do estudo da relação que este mantém com os espaços que lhe são familiares, como a casa, por exemplo, e a poética envolvida nesse processo. Para esse filósofo a importância de focar seu trabalho nos espaços íntimos se dá por neles estarem abrigadas as nossas lembranças e

61

Foi transformado em rei dos ventos graças por Júpiter. Ver mais em Eneida, I, 55- 63.

62

Em algumas passagens os exilados de troia são denominados troianos: (I, 562); (I, 626); (II, 48); (V, 420); (V, 690); (IX, 128); (X, 77); (X, 814). Em outras passagens eles são chamados de teucros: (I, 38); (I, 88); (I, 248); (I, 304); (I, 511); (I, 556).

esquecimentos, bem como o nosso inconsciente. Tendo esses princípios como norteadores o autor tece um trabalho de análise do espaço baseado na psicologia, através de pesquisas “sobre a imaginação poética”, a produção de imagens poéticas e sua repercussão na alma.

Bachelard (1978, p.196) coloca em questão o valor da sensibilidade, da arte, do sonho na constituição psíquica do sujeito. Ele analisa como a imaginação concebe um "espaço feliz" e uma "topofilia" das imagens, ou seja, visa determinar o valor humano dos espaços de posse, dos espaços proibidos, dos espaços amados, tendo como base comum o fato de serem espaços vividos com todas as parcialidades da imaginação. Esta por sua vez é considerada um processo que está em constante movimento, resultando em uma infinidade de imagens novas a cada segundo e é isso que esse filósofo pretende explorar. Para tanto, ele analisa como essas imagens se relacionam com o ambiente, com os espaços vividos.

Umas das problemáticas levantadas no trabalho desse autor diz respeito à questão da carga de imagens concentradas na casa através das lembranças que nela inserimos e que nos levam a atribuir diferentes valores para esse espaço, principalmente o de proteção. No ponto de vista do autor não se trata apenas de descrever a casa, mas de mergulhar no psicológico do seu interior inerente a função de habitar (BACHELARD, 1978, p.199). A importância de se analisar os espaços vividos tendo como ponto de partida a casa se dá por ela se constituir como o "lugar no mundo" do sujeito, por ser o seu primeiro universo. O seu sentido poético reside em um sentimento que lhe é intrínseco, nas lembranças que se criam nesse espaço experienciado e que são levadas para qualquer outra moradia que o sujeito venha a possuir ao longo da vida. O espaço vivido é o espaço ao qual o sujeito se sente ligado por laços afetivos, um espaço familiar, é o seu "espaço de pertencimento" (BACHELARD, 1978, p.200).

Ao ter a casa como objeto de análise o autor não se refere a ela apenas como a estrutura física a qual damos essa denominação, mas a todo e qualquer espaço habitado, pois ele carrega consigo essa noção de casa. Ao longo da análise de Bachelard (1978, p.200) vemos como a imaginação possui a força de criar "paredes" nesses espaços que convencionamos chamar de lar e lhes encher de sentido de proteção ou de perigo. O ser que vive no espaço é quem delimita as suas fronteiras e o sentido de cada parte que o compõe, do mesmo modo que o morador de uma casa atribui diferentes valores aos cômodos do seu abrigo. Esses valores da casa, do espaço vivido, não são reconhecidos apenas no momento

presente, mas é também levado pelo sonho a nova casa que o sujeito venha a habitar no futuro, ou seja, se transforma em memória.

Todos os aposentos da casa são "vividos, experienciados pela relação que o individuo possui com cada parte dela e ele guarda lembranças dessa relação de modo que ela passa a ser vivida não somente no presente, mas também no passado e ele pode voltar a viver em uma casa nova” (BACHELARD, 1978, p.200). Ao analisarmos a Eneida podemos partir dessa mesma premissa, Eneias experimentou essa relação ao perder sua pátria, os deuses o obrigaram a se desvincular da sua casa no plano físico, assim como das pessoas que a habitavam, e esse sentimento de perda percorreu todo o seu ser ao longo do seu exílio. O seu passado permanecia vivo não somente na sua memória, mas também nos seus

Penates, que enquanto estivessem nas mãos dos troianos garantiriam a existência da sua

cidade.

A memória e a imaginação trabalham juntas. Elas constituem a comunhão da lembrança, ou seja, são produtoras de imagens, como a lembrança da casa da infância. Essas imagens podem ser acionadas por determinados acontecimentos, como uma casa nova que nos reporta a lembrança da casa que habitávamos na infância, que nos permitem viver momentos de felicidade ao reviver lembranças de um lugar de proteção. Dessa maneira a casa é considerada o abrigo do devaneio, dos sonhos. Tendo deixado isso claro Bachelard procura mostrar como a casa é "um dos maiores poderes de interação para os pensamentos, as lembranças e os sonhos do homem" (BACHELARD, 1978, p.201).

A casa, o espaço de pertencimento do homem, é uma parte constitutiva do seu ser. "Sem ela, o homem seria um ser disperso. Ela mantém o homem através das tempestades do céu e das tempestades da vida. Ela é corpo e alma. É o primeiro mundo do ser humano. Antes de ser "atirado ao mundo", como o professam os metafísicos apressados, o homem é colocado no berço da casa." (BACHELARD, 1978, p.201).

Na narrativa de Virgílio, Eneias não sonha especificamente com imagens da sua cidade, mas com pessoas que a habitavam, além de encontrar compatriotas durante a viagem, são lembranças da sua casa, do seu espaço de pertencimento. Antes de sair de Troia é com a sombra do falecido Heitor lhe pedindo para que deixe a cidade e salve os

Penates que ele sonha; na Trácia encontra o corpo de Polidoro misturado às plantas que

encontra um simulacro do passado, uma cidade congelada no tempo, uma lembrança, nela Andrômaca ainda chora pela morte de Heitor e juntamente com Heleno cria uma cidade do passado, que não se recuperou das perdas sofridas e por isso permanece estagnada. As sombras de Troia, assim como os seus deuses, os Penates, conduzem o herói troiano para longe dessa cidade. Eneias é levado pelos deuses a afastar-se desse passado em beneficio da fundação de uma nova pátria, ou seja, do futuro.

Sob esse ponto de vista tomamos emprestada a teoria de Bachelard (1978, p.202- 205) segundo a qual a casa é o abrigo das nossas lembranças mais íntimas, elas ficam compartimentadas em seus cômodos e voltamos a elas durante toda a vida, em nossos devaneios. Ao discutir esses aspectos o autor se prontifica a fazer uma topoanálise, um estudo psicológico dos lugares físicos da vida intima do ser humano. Partindo desse pressuposto esse autor se debruça sobre o estudo da memória, levando em consideração a sua incapacidade de registrar a duração concreta da vida e afirma que localizar a lembrança é uma preocupação de uso externo, ou seja, é um esforço de comunicar-se com os outros. Da mesma maneira que cada cômodo da casa guarda memórias intimas dos seres que a habitam ou habitaram e elas se tornam casas da lembrança. Assim, tudo o que podemos descrever da casa da infância é devaneio, sonhos de um passado.

Tendo o mito de Eneias como base, percebemos que ele foi escrito não só nas páginas de um livro, mas também nos monumentos arquitetônicos da capital do Império Romano, no século I a. C., imprimindo nesses artefatos um sentimento de pertencimento a esse espaço por aqueles que o vivenciavam. Funcionou como o registro de uma memória compartilhada entre todos aqueles que se identificavam como romanos. Esse processo de apreensão dos gêneros artísticos sejam eles literatura, pintura ou música, visava impactar o receptor. O fato é que mythos e memória andam de mãos dadas, são elementos que despertam a curiosidade e identificação no homem. Com o mito do exílio de Eneias não foi diferente, estudado e utilizado como referência da Antiguidade à Modernidade, esse registro da memória permanece vivo, guiando aqueles que se aventuram a embarcar na viagem rumo à novas descobertas, tendo Eneias como comandante da embarcação.

3. REALIZAÇÕES HEROICAS, FUNDAÇÕES E PROFECIAS NO LIVRO III DA