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memória e Formação de Professores

Mary de Andrade Arapiraca Lícia Maria Freire Beltrão

Liane de Castro Araújo

Nada como o tempo para passar, dizia Vinicius. Em 02 de agosto de 2004, acontecia na Faculdade de Educação – Faced/UFBA um Semi- nário para marcar o início do Projeto Salvador, denominação dada ao Curso de Licenciatura em Pedagogia para Professores em Exercício na Rede Municipal de Salvador.

Para rememorar, retomamos a fala de saudação da coordenadora do Projeto, que expressava o sentimento de que ali estávamos para desenca- dear encontros de solidão e de compartilhamento que se concretizariam em experiências humanas. Explicou que, por experiência, tomando Walter Benjamin (1975, p. 77) por base, estava se referindo a algo que é vivido, pensado, narrado, compartilhado, logo algo que não se con- funde com o que acontece, mas com o que nos acontece, nos toca, nos implica. Expressou ainda que, quando se considera de forma radical as próprias experiências, não há espaço para descuido sobre o que fazemos acontecer com o que nos acontece. E assim sendo, a pessoa bota tempo no tempo que, por vezes, não tem para não fazer as coisas de forma ali- nhavada. Paul Valéry, citado por Benjamin (1975, p. 74), fez um alerta importante quanto a essa coisa de querer finalizar tudo muito rápido: “O homem de nossos dias não trabalha mais naquilo que pode ser abre- viado. Parece mesmo que a atrofia da idéia de eternidade coincide com a aversão cada vez mais nítida ao trabalho prolongado”.

Caminhando por aí, a fala da coordenadora foi de convocação, lem- brando que um projeto de formação é uma pedagogia de horizontes abertos, ou como diz Galeffi1: “Um projeto de formação é um feito a serviço do ainda a ser feito, por ser feito e bem feito”. E até mal feito, acrescentamos, porque acertar e equivocar-se são legítimos movimen- tos do sujeito aprendente. Concluiu sua fala desejando que o Curso sugerisse, em seu próprio curso, o valor do contar, do ter o que contar, narrar, sobre o vivido.

O Curso corresponde ao Projeto Salvador que atende a uma demanda da Secretaria de Educação do Município de Salvador-Bahia para graduar professores da sua rede de ensino, no exercício da docência, no nível do Ensino Fundamental/séries iniciais. Insere-se no Programa de Formação de Professores em Exercício da Faced/UFBA2, visando tanto ampliar quanto criar novos espaços de interlocução com a comunidade, no que concerne à busca de formas contemporâneas de fazer educação.

Com especificidades compatíveis com a filosofia do Projeto, a pró pria seleção dos professores-cursistas efetuou-se mediante um pro- cesso inclusivo, desencadeado por uma oficina de produção de memo- rial que deveria resultar na composição escrita de um texto memo- rialístico, dirigido pelos marcadores: “eu estudante”; “eu professor”. Esse procedimento, referendado pelas proposições de Nóvoa (1992), foi retomado no percurso formativo dos cursistas para a escrita do Memorial

de Formação – texto individual –, elaborado com o intuito de textualizar

o próprio processo de aprendizagem e de ampliação de conhecimentos, vivências e visões de mundo. Refletindo sobre o que iam aprendendo, relembrando e tecendo com o presente da formação os fios do passado, os cursistas contavam o que viviam e, quem sabe, viviam para contar, aten- tos, de certo modo, ao que ensina Gabriel García Márquez (2003, p. 7): “A vida não é o que a gente viveu, e sim o que a gente recorda para contá- 1 Dante Galeffi é Professor-Doutor da Faced/UFBA, integrante do Núcleo Filosofia, Educação

e Práxis Pedagógica do Programa de Pós Graduação em Educação.

2 Por indicação da Congregação da Faced/UFBA, a Professora Mary Arapiraca, uma das autoras

la”. Nessa direção, o Memorial pedia, a todo o momento, a implicação de todos no seu percurso formativo e, como texto, ele permitia retornos avaliativos e autoavaliativos do que lhes acontecia durante o Curso, tudo isso articulando olhares introspectivos, retrospectivos e prospectivos, do eu-estudante, do eu-professor e do eu-em formação. É um gênero em que “dizer” é “ser”, dizer provoca ações ou ações provocam dizeres. Pela atividade de linguagem, o autor de um memorial negocia transforma- ções, toma as rédeas de seu percurso de construção de conhecimentos e de seu discurso sobre ele, traz sua voz, seu olhar sobre sua história de vida e de formação, que é uma rica fonte para melhor compreender e colaborar para sua constituição como educador. Aprender a escrever nesse gênero supõe pensar sobre questões ligadas aos conteúdos e pro- cedimentos aprendidos de forma implicada, significando essas questões a partir do olhar de quem as vivencia. Significa refletir sobre seu pró- prio percurso narrando, descrevendo, argumentando, escrevendo. Não é fácil. Cada um se implica e dá sentidos diferentes ao vivenciado. Cada um tem um estilo de expor suas reflexões e de escrevê-las. Cada um, um jeito de estruturar o texto. Essa diversidade é rica, e a singularidade pre- cisa ser resguardada. Mas há um gênero textual a delinear essa produção. Esse gênero é um gênero que tem particularidades, e, além disso, vem se configurando como gênero que se produz na academia, como ins- tância discursiva. Nesse sentido, a orientação da produção do memorial constituiu-se uma contribuição na construção da trajetória de formação do professor-cursista, bem como no seu processo de usar a linguagem escrita e, ao mesmo tempo, refletir sobre ela. No Memorial, cabe até mesmo falar da própria construção do Memorial.

Assim, as orientações dos memoriais buscaram encontrar o que é próprio, singular de cada cursista para ressaltá-lo, explicitando o modo como trama sua história, seus conhecimentos, sua aprendizagem, como se implica ou não no seu percurso e em seu texto, para buscar, junto com ele, meios de enfatizar o que já desponta como um estilo de escrita, valorizando o seu modo de estruturar o texto, ajudando-o a constituir sua autoria. Permitiam também detectar lacunas, inconsistências, ajustar desequilíbrios entre partes do texto, refletir sobre outras possibilidades

de contar, de narrar e expor além dos modos mais lineares, perceber a dinâmica do tempo do narrar/escrever e do tempo rememorado. Levar quem escreve a perceber características próprias do gênero, ajudá-lo a romper com a tendência a reduzir o texto ao tipo descritivo, ou a enfa- tizar apenas o narrativo, ou apenas o reflexivo, dentre muitos outros aspectos, é fundamental na interlocução que visa aprimorar um texto com a função que tem um memorial.

Além disso – porque escrever bem se aprende também no enlevo da riqueza do que se lê que fornece matéria, substância, forma até, quem sabe, inspiração – um levantamento de material apropriado: memoriais, memórias, autobiografia, literatura, história de vida, filmes – ia sendo feito e exposto, no sentido de oferecer cenas e tramas para enriquecer as discussões sobre as relações entre memória, narrativa, reflexão e escrita e, sobretudo, para “alimentar” a escrita das memórias reflexivas em con- texto de formação.

Quatro pontos constituíam a referência da orientação: Como é essa produção de memorial a partir da participação nas atividades do Curso. Como escrever em relação aos eixos eu-estudante, eu – professor e eu – em formação. Características dessa escrita. O engajamento em relação a essa produção.

Contar, narrar é que daria a estruturação à memória, que daria forma e organizar a experiência, o vivido... Mais que isso, é a narrativa que ressignificaria a experiência. Contar é discurso. E na discursividade entram o recorte, o apagamento, o esquecimento, o deslocamento...

A relação entre evento e linguagem, entre os fatos e as experiên-

cias e o discurso sobre os fatos e as experiências não é tão simples. Não contamos algo de modo linear, com todos os detalhes, tendo todos os fatos iguais proporções no nosso contar. Primeiro porque a memória não guarda qualquer coisa e tudo. A memória se constrói. Não basta ter vivido para guardar, guarda pela importância, como nos ensina Bar- tolomeu Campos de Queirós (1997, p. 25). Guarda por ter virado ane- dota na família ou outro grupo qualquer, guarda porque fez história. Depois, ao contar o que lembramos dessas histórias, contamos por pon- tos de vista, com certo olhar, contamos a partir de elementos marcantes,

dos eventos salientes, por algum motivo, sejam positivos, negativos ou simplesmente eventos. O relato é um recorte, sempre. A memória é discursiva, nos mostra Orlandi (1987). E a linguagem conta, mas tam- bém esquece, apaga, transfigura, espicha, encolhe, colore, acinzenta, pinta, borda. Narrativa e experiência terminam, assim, se misturando na memória. O vivido vira “crônica”, é “recortado”, é tratado de forma linguística, até estética, deixa de ser só evento, vira linguagem.

Assim, orientávamos que não se tratava de, durante o curso, escre- ver tudo, com o intuito de não esquecer nada, nenhum detalhe, mas de engenhar tramas a partir do vivido. O que se escreve tem prazo de validade, se não tornarmos o texto vivo, retomando-o, ressignificando-o, reconfigurando-o.

Indicávamos que a escrita do memorial não deveria ser encarada como uma tarefa escolar. Da mesma forma que queremos fazer uma escola em que nossos alunos tenham o que contar, queremos que vocês também o tenham, dizíamos. Ou seja, trata-se não de cumprir uma tarefa, mas de se implicar em seu processo de aprendizagem e ampliação de conhecimentos e vivências, de assumir sua diferença, de encontrar sentido próprio ao que vivencia e aprende.

Ampliando o argumento, podemos dizer com Nóvoa (1992, p. 2): Essa profissão - a de professor - precisa de se dizer e de se

contar: é uma maneira de compreendê-la em toda a sua com- plexidade humana e científica. É que ser professor obriga a opções constantes, que cruzam nossa maneira de ser com a nossa maneira de ensinar, e que desvendam na nossa maneira de ensinar a nossa maneira de ser.

Como ainda com Bastos (2003, p. 172):

A formação não se constrói por acumulação, mas sim por meio de um trabalho de reflexão crítica sobre as práticas e de construção permanente de uma identidade pessoal. Por isso é tão importante investir na pessoa e dar um estatuto ao saber da experiência. Produzir a sua vida é também produzir a sua profissão.

A vida é o lugar da educação, e a história de vida, a memória, é o lugar sobre o qual se constrói a formação. Escrever sobre si, sobre o eu-professor, numa perspectiva narrativa, já é um momento de refle- xão e ressignificação de práticas docentes e a configuração da identidade pessoal e profissional. A configuração da identidade pessoal e profissio- nal pela atividade narrativa é enriquecida pela atividade crítico-reflexiva, que organiza ainda mais a experiência de aprendizagem, no âmbito de um Memorial de Formação. Ou seja, é preciso ir para além do narrar e, aos poucos, integrar as reflexões mais distanciadas, menos centradas no eu- narrador, incluindo cada vez mais as sequências textuais de tipo argu- mentativo, crítico-reflexivo, até mesmo com discussões mais teóricas integradas à composição do texto memorialístico.

Não se tratava de se apressar para dar conta desse Memorial desde já, e tão pouco deixar para o final do Curso. Não se tratava de tomar os fragmentos de textos produzidos no processo em textos definitivos. A proposta do memorial no Projeto Salvador sempre foi a de se ir, pro- gressivamente, dando corpo, à medida da diversificação e ampliação de experiências no Curso e na escritura. Não bastava ir escrevendo sobre tudo, tudo, tudo e depois fazer uma colagem para obter um texto final. Importava o exercício de ir fazendo produções diversas, reflexões, narra- ções, teorizações, anotações de curso, impressões sobre textos, imagens, filmes, situações, e se utilizar desses fragmentos para compor textos provisórios que, num determinado momento, constituiria o Memorial. Os fragmentos, recombinados, ressignificados, reescritos, abandonados, reformulados, aglutinados, deviam ser trabalhados na perspectiva de formar um texto único, narrativo, descritivo, argumentativo e crítico- reflexivo com essa perspectiva de provisoriedade. O Memorial é uma produção de escrita, e escrita não nasce assim pronta, de um só jato, especialmente os escritos mais longos. Reler os fragmentos, as notas é também produzir, pois ao reler, pensamos novas coisas que podem encharcar as margens com comentários metatextuais ou novos fragmen- tos de textos. Aprender a se utilizar, de forma produtiva, dos rascunhos de texto é um outro aprendizado decorrente dessa produção. Enfim, experienciar tal como sugere Nunes (1988, p. 13)

Eu queria ficar apagando uma palavra daqui e riscando uma outra de lá; eu queria puxar seta pra ir escrever lá em cima a mesma coisa de outro jeito, deixando pra resolver depois o jeito que eu achava melhor [...] e ficar desenhando na mar- gem até o pensamento desempacar.

A escrita vem em idas e vindas – o texto, como objeto teórico é, por definição conceitual de Orlandi (1987), inacabado e por isso VIVO. O texto empírico termina, mas ainda assim tem sempre os fios soltos por onde brotam e podem brotar sempre, novos sentidos. Em verdade, o texto está dentro de cada um, por isso mesmo, pode ser levado para qualquer parte. Uma palavra, uma frase, um pensamento, uma refle- xão inteira pode surgir a qualquer hora. A produção deve ser um movi- mento interno, motivado Desse modo, não tem o lugar certo nem o tempo para retomá-lo. Qualquer pedaço de papel, cantinho de caderno, guardanapo, caderninho ou computador, qualquer lugar sala de aula, quarto escuro, escada, corredor, qualquer hora, aqui, lá e acolá, é tempo e lugar de espichar algo, mudar outro algo, riscar uma palavra que fis- gou, reformular outra que não estava cabendo, puxar uma conversa com outros textos, abrir uma janelinha para comentar, discordar de si mesmo, ponderar, mudar de ideia. Isso é pôr o memorial em movimento. Isso é escrever.

O papel de uma movimentação externa como a do orientador é o de tensionar, de criar ruídos para avançar e rugosidades que dinamizam a construção. É o papel de fazer a interlocução, durante a produção, e não o de avaliar o suposto produto final. É o papel de leitor, que comenta, ajuda o autor a ver o que se torna invisível para ele, leitor de si mesmo.

O como os cursistas articulavam essas partes, como se utilizavam dos escritos produzidos durante o Curso, dependia do percurso e do estilo próprio de cada um. Do percurso, significa dizer que o que a

pessoa escreve hoje, vai se modificar na medida em que vivencia, estuda, produz, reflete sobre outras coisas em outros momentos. Com Antunes e Paulo Miklos, aprendemos a sentir, com mais delicadeza, os tempos em cada qual.

Será que a cabeça tem o mesmo tempo que a mão?

O tempo do pensamento, o tempo da ação.

Será que o teto tem o mesmo tempo que o chão? O tempo do decompor...

O tempo da decomposição Será que o filho tem o mesmo tempo que o pai?

O tempo do nascimento, crescimento, envelhecimento, um momento um momento [...].

(ANTUNES, 1992)

Lembrar e contar é olhar para trás de um determinado lugar no tempo e poder processar o percurso vivido, reconstruir os acontecimen- tos refletindo sobre eles, construir com linguagem, ideias, imagens, a visão de um determinado momento (o final do curso) sobre o processo, sobre as experiências vividas durante o curso – de forma narrativa, des- critiva, argumentativa e crítico-reflexiva (olhando para trás). Ou seja, dizer sobre o processo, mas também sobre o passado reconfigurado pelo vivido nessa formação, pois o passado é condicionado pelo presente, por nosso olhar atual.

Só que o tempo não para, nem para olharmos para trás. Quando olhamos, já é outro o tempo, já é outro o olhar.

Terminar um texto – que é por definição inacabado – terminar um Memorial, é fazer um acordo com o tempo, como faz Caetano Veloso. Olhar para ele, o tempo, com olhos encharcados de hoje e, com lin- guagem, fabricar um produto, que tem um rumo, um destino. Sempre fadado ao inacabamento, porque a própria linguagem o é. Porque o pró- prio tempo o é.

Compositor de destinos Tambor de todos os ritmos Tempo, tempo, tempo, tempo Entro num acordo contigo [...]

Peço-te o prazer legítimo E o movimento preciso

Tempo, tempo, tempo, tempo Quando o tempo for propício.

(VELOSO, 2003, p. 247)

Foram tantas as dúvidas a respeito das características do texto a ser produzido - as características linguístico-discursivas, ligadas ao gênero em questão. E foi assim o entendimento transmitido: o memorial é um gênero que se avizinha com outros gêneros como o diário, a autobiogra- fia. Como se trata de um Memorial de formação, se avizinha também do resumo, do comentário de texto, diário de leitura, dentre outros. O gênero memorial tem predominância do tipo de discurso narrativo, mas também descritivo. Como se trata de um memorial de formação, de um texto que pretende dar conta não apenas de uma trajetória e iden- tidade pessoal, mas de uma trajetória e identidade profissional, consti- tui-se também de tipos argumentativos, explicativos, em passagens mais teóricas e crítico-reflexivas. Ou seja, é um gênero híbrido, composto de vários tipos discursivos.

No gênero memorial, há uma predominância da voz de um narra- dor que diz “eu” nas sequências narrativas e descritivas, ao rememorar e criar um discurso para essa memória. Esse narrador, no entanto, sus- pende a narração em determinados momentos, e o texto passa a falar de um lugar mais distanciado, sem a presença da primeira pessoa “eu”, com argumentações, explicações, descrições mais distanciadas, ou modos intermediários de mesclar discursos interativos com teóricos.

Costurar essas seqüências foi o desafio de cada um. Afinal, há momentos em que as reflexões são bastante coladas na história narrada, e há momentos em que ela se descola de modos mais ou menos marca- dos. Desafio também foi aprender diferentes modos de narrar e expor costurado também de formas não lineares, aumentar o repertório de conhecimentos a respeito de escrever em diversas situações, com diver- sas funções, com diversos níveis de implicação na escrita.

Escrever esse Memorial foi, assim, também, uma forma de ampliar os conhecimentos sobre a produção escrita, os aspectos linguísticos e discursivos em jogo, quando os professores-cursistas se arriscaram a escrever em um determinado gênero textual, com o qual possuíam

menos familiaridade. Os modos de tecer a coerência textual e o enca- deamento das partes do texto são múltiplos. Eis o aprendizado. Porém, trata-se de um texto que não é para si mesmo apenas. Apesar de apa- rentado com o diário que é um escrito íntimo, o Memorial sai da esfera privada para a pública. Ele tem, na base, uma relação de interlocução na qual um “eu” aluno-professor falo a um “tu” professor-formador ou instância abstrata, interlocutor menos empírico, “o Curso”.

Terminar o Memorial Formativo, do ponto de vista de quem os escre- veu, foi fazer uma espécie de acordo com o tempo. Significou olhar para ele, o tempo, com olhos encharcados de hoje e, com linguagem, fabri- car um produto, que tem história, que olha para o vivido, o lembrado, o registrado, dando-lhe um acabamento final, ainda que só provisório. E esse produto teve um rumo, um destino, ou alguns. Dentre os quais, no caso, ser avaliado.

Quem leu os memoriais, por certo pôde observar que, numa pers- pectiva discursiva de estilo, os cursistas buscaram não só traços de expres- sividade individuais. Seus textos, com a ajuda de Beth Brait (2003, p. 98), para dizer o que deve ser dito, “instauraram discursos a partir de seus enunciados concretos, de suas formas de enunciação, que fazem história e são à história submetidos”. Desse modo, a individualidade e a subjeti- vidade tornaram-se dialogicamente relacionados com o coletivo, permi- tindo entrever-se, em cada escrita, vozes que não se esgotaram na singu- laridade de um sujeito, mas se inscreveram no uso social da língua.

Como era de se esperar, pelo fôlego da absoluta maioria, na pro- dução dos memoriais, os cursistas não fizeram apenas uma releitura da história de sua formação, mas uma recriação marcada pela atualidade, constituindo formas de interação e comunicação necessárias à renova- ção de uma dada história da educação.

Ao final dos três anos, terminados os Memoriais escritos – após muitas revisões, retomadas, reescritas –, esses foram objeto de leitura e avaliação pelos professores convidados pela coordenação, responsáveis pela avaliação dos mesmos. Além da apresentação do Memorial como texto escrito, o processo avaliativo contou também com uma apresenta- ção coletiva, em grupos organizados a partir dos grupos de orientação,