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2.4. Uma teoria de auto-regulação e o TDAH

2.4.4 Memória de trabalho não verbal

Uma habilidade que aparece na maioria dos modelos de funcionamento executivo e que se encontra alterada em crianças com TDAH é a memória de trabalho. Essa capacidade diz respeito à forma especial de memória que implica a recordação e o processamento da informação armazenada na memória a curto prazo, com o intuito de planejar e executar ações futuras (PFIFFNER; BARKLEY; DUPAUL, 2008).

A memória de trabalho não-verbal constitui função executiva inicial, porque mediante a visão e audição, vão sendo armazenados e selecionados imagens e sons. Segundo Cypel

40 (2006), ativa-se e trabalha por meio de dois mecanismos principais: a função retrospectiva, com o resgate das informações registradas na mente naquele momento e a função prospectiva, que organiza a ação motora com base nos conhecimentos anteriores. ―Essa ação conjunta conduz à sensação de temporalidade, gerando os conceitos de passado e futuro‖. (p.381). Logo, a função executiva proporciona a oportunidade, na sequência do processo de aprendizado, pela observação das ações de outras pessoas ou, ainda, pela perseverança na reflexão, procurando evitar erros e desenvolver a capacidade para pensar. Cumpre ressaltar que, pessoas com TDAH parecem não aprender com os próprios erros, precisamente por terem uma noção de tempo comprometida (HALLOWELL; RATEY, 1999).

Essa função executiva é compreendida, também, como a capacidade de ter em mente ou preparadas as informações apresentadas internamente, que serão usadas para conter uma reação. Barkley (2008) considera essa estrutura como ―a ação sensório-motora do indivíduo para consigo mesmo‖. (p. 319). No decorrer do desenvolvimento, utiliza todas as formas de comportamento sensorial para armazenar um contingente significativo de informações internas; faz um arquivo progressivamente maior dessas representações sensoriais, que podem ser reativados na medida em que sejam requeridos para orientar suas ações. A capacidade de reativar sons, imagens do passado e de prolongar sua existência na mente constitui a base para uma percepção tardia – experiência anterior para ajudar a selecionar a melhor resposta para um evento. A percepção tardia tem a função adicional de previsão ou antecipação. Notadamente, a pessoa com esse transtorno age sem a devida consideração para com a percepção tardia, previsões e preparações antecipatórias para prever o futuro iminente. Assim sendo, é menos provável que pare e pense antes de agir.

Refletir sobre experiências anteriores nos permite criar o que Bronowsky (1977) denominou futuros hipotéticos. Formulamos hipóteses, suposições, porquanto pensamos sobre nosso passado e o utilizamos para ponderar ideias sobre o futuro. Desse modo, usamos o senso do passado para criar um senso de futuro. Assim, inferimos sobre o que pode ocorrer a partir do senso de passado. Nesse sentido, a teoria de Bronowsky (1977) afirma que pessoas com TDAH devem possuir um sentido mais limitado do passado e, como conseqüência, um senso mais estreito do futuro. Crianças com TDAH não parecem aprender com os próprios erros e sucessos. Barkley (2000) considera que, em virtude da rapidez em responder a um estímulo e a uma situação, não conseguem se transportar às experiências passadas e ponderar sobre o que poderiam acrescentar aos eventos presentes. Isso significa que crianças com TDAH possuem uma visão míope do futuro. São criaturas do momento (ALENCAR, 2006;

41 BARKLEY, 2000, 2008; HALLOWELL; RATEY, 1999; NARBONA; SÁNCHEZ- CARPINTERO, 2004; MATOS et al., 2003; RODHE; BENCZIK, 1999).

A capacidade de armazenar informações na mente e projetá-las adiante no tempo, com vistas a prever o futuro contribui para o próprio sentido consciente de tempo, usando esse sentido de tempo para reger o comportamento e torná-lo mais adequado para realizar preparativos a fim de agir no momento oportuno no futuro. No seu nível mais amplo, isso representa o controle do tempo, ou de si mesmo em relação ao tempo e às atividades a serem executadas. Essa estrutura encontra-se comprometida no indivíduo com TDAH, sendo frequentes queixas de procrastinação, falta de pontualidade, dificuldade de organizar o tempo (BARKLEY, 2008).

Nessa perspectiva, ―O senso alterado de tempo nos portadores de TDAH, [...] faz com que se sintam como se o tempo estivesse passando muito mais vagarosamente do que passa na realidade. [...] Sem senso de futuro é difícil protelar a gratificação‖. (BARKLEY, 2000, p. 69). Para eles significa que a maioria dos acontecimentos parece levar mais tempo do que esperam. “A falta de senso de tempo cria nenhum conceito de um futuro. O tempo é agora e somente agora‖. (FISHER; BECKLEY, 1999, p.14). Sem uma percepção do futuro, é difícil adiar a recompensa; se não vislumbra o que vem depois, parece complexo retardar a resposta e prorrogar a satisfação (ALENCAR, 2006; BARKLEY, 2008; BROWN, 2007; FISHER; BECKLEY, 1999; HALLOWELL; RATEY, 1999; RODHE; BENCZIK, 2003).

Vale o fato de a criança com TDAH possui uma noção de tempo diferente das outras. O tempo lhe escapa das mãos, sendo incapaz de lidar com ele com a mesma eficácia e eficiência das demais da sua faixa etária. Da perspectiva da criança é sempre agora, o momento e, se ela somente consegue enfocar o momento, faz sentido agir impulsivamente. A criança com esse transtorno quer fazer o que é prazeroso no momento, e esquivar-se do que não reforce o desejado naquela ocasião. Essa situação, no entanto, pode ser complicada, pois é incapaz de se libertar do controle do momento e se permitir receber a influência do futuro. (BASTOS; BUENO, 1999; BARKLEY, 1998, 2000; BROWN, 2007; HALLOWELL; RATEY, 1999; PHELAN, 2004; RODHE et al., 2000; SCHWARTZMAN, 2001).

Por sua vez, a retenção de sequência de eventos na memória de trabalho parece proporcionar a base para estruturar um sentido de tempo: capacidade de controlar o comportamento em relação ao tempo, administrando-o eficientemente. Logo, o esforço de armazenar a sequência dos eventos exige uma atenção focada.

42 Por fim, a memória de trabalho, a percepção tardia, a previsão e controle do tempo podem colaborar efetivamente para o desenvolvimento de uma preferência maior por gratificações proteladas em vez de imediatas. Essa preferência parece ser um prerrequisito para o desenvolvimento do autocontrole, visto que seu objetivo primário constitui a maximização das consequências futuras sobre as imediatas. Ademais, ao longo do desenvolvimento humano, tende a desenvolver a capacidade de organizar e direcionar o comportamento para eventos cada vez mais distantes do presente imediato, voltados para o futuro (BARKLEY, 2008).