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METODOLOGIA – A ANÁLISE DAS OBRAS

No documento Ensino de literatura no ensino fundamental (páginas 52-54)

O PEQUENO PRÍNCIPE

3 METODOLOGIA – A ANÁLISE DAS OBRAS

Na etapa inicial de leitura, a antecipação, pode-se refletir sobre as infe- rências do leitor a partir do contato com a materialidade física do livro, o que pode subsidiar estratégias iniciais de abordagem da obra literária. Ao manusear os exemplares O Pequeno Príncipe e O Pequeno Príncipe em Cordel, o aluno pode fazer algumas deduções ou indagações acerca da estrutura composicional desses enunciados – a primeira obra é um conto filosófico? A segunda segue as convenções da literatura de cordel? – e sobre as correlações temáticas entre as duas obras – tratariam ambas do mesmo assunto? Quais as mudanças de sentido entre os enuncia- dos estão presentes em cada uma delas? Essas primeiras impressões podem ser exploradas pelo professor nos encaminhamentos de sequên- cias básica ou expandida de leitura.

Na segunda etapa da leitura, a decifração, percebe-se que a composição de Limeira (2015) possui os mesmos elementos presentes no hipotexto de Saint-Exupéry, como se pode observar na chamada estrutura cíclica das narrativas de cordel: na situação inicial de equilíbrio, a narrativa apre- senta o Pequeno Príncipe vivendo em paz em seu planeta, com ativida- des corriqueiras e cuidando de uma flor que germinou em seu Asteroide B 612; a degradação da situação se dá quando o Principezinho passa a se desentender com a rosa; a constatação do desequilíbrio acontece durante a saída do menino de seu pequeno planeta, sua visita aos outros asteroides, a chegada à Terra e seu contato com os seres que encontra nesses lugares; a tentativa de resgate do equilíbrio da situação inicial se dá no momento em que a serpente pica o Príncipe com o seu consenti- mento; a volta ao equilíbrio inicial acontece com o desaparecimento do Pequeno Príncipe.

Ainda nessa etapa da decifração, ao atentarmos para as ilustrações, observamos que Barros, ao contrário de Saint-Exupéry colore todos os desenhos e mostra o Aviador com traços fisionômicos dos moradores do Nordeste brasileiro, quando ele aparece como menino desenhando (LIMEIRA, 2015, p. 12-13), e com a indumentária de sua profissão, quando adulto, Limeira (2015, p. 18-19). O Pequeno Príncipe da versão em cordel também possui os “cabelos dourados”, mas sua pele é bronzeada e traz sobre a cabeça um chapéu de couro, típico dos vaqueiros nordestinos.

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Os elementos da cultura nordestina também aparecem representados através da Flor do deserto, que é desenhada como uma flor de mandaca- ru; do homem vaidoso, que é representado pela figura carnavalesca do homem da meia-noite; do rei, representado pelo rei do Maracatu; e do pássaro que leva o Pequeno Príncipe em sua viagem, a asa branca imor- talizada na música interpretada por Luiz Gonzaga. Esses traços regiona- listas demonstram que Barros, de fato, promoveu uma transformação/ transposição das aquarelas de Saint-Exupéry (1943/2009) para a versão cordelina do conto filosófico francês.

Na terceira etapa, a análise, observamos que as duas obras apresentam a predominância de diálogos entre o Príncipe e um outro personagem. Quando Limeira opta por construir sua narrativa seguindo a norma da sextilha, em que os versos pares rimam, podemos inferir que as rimas externas que se alternam com versos brancos representariam esse diálogo que acontece ao longo do poema. O Pequeno Príncipe, a criança atenta que, sabendo o que busca, está aberta a descobertas e a estabe- lecer laços – “rimar” com outros personagens – seria representado pelos versos pares. Já os outros seres, adultos solitários, perdidos e sedentos de afeto, vivendo em um constante desequilíbrio e insatisfação, seriam representados pelos versos ímpares – brancos. Assim no processo de versificação (GENETTE, 1989, p. 270-271) do conto filosófico, a estrutu- ra composicional está intrinsicamente ligada ao conteúdo temático, aos sentidos que podem ser inferidos dos enunciados de Limeira (2015). As ilustrações também permitem que se façam inferências a partir de algumas opções estilísticas dos ilustradores. As aquarelas de Saint- -Exupéry, por vezes exploram a tristeza, a solidão e os momentos de tensão em escalas de cinza. Como quando representa a instabilidade do relacionamento entre o Príncipe e a Flor, em que alterna desenhos colo- ridos e sem cor. Já as ilustrações de Barros, ao seguirem a convenção da xilogravura e trazer elementos do folclore nordestino, evidenciam a universalidade da obra-mote, ou hipotexto, cuja representação/ambien- tação pode se dar em qualquer lugar do mundo, inclusive no Nordeste do Brasil. Todos esses aspectos indicam que a versificação e a transposi- ção das aquarelas exuperinas para as xilogravuras-armoriais resultaram na composição de uma obra com traços distintivos, tanto na estrutura composicional, quanto no conteúdo temático e no estilo das linguagens dos enunciados verbal e não verbal.

Na última etapa, a interpretação, podemos fazer algumas inferências a partir do nosso repertório de leituras. O professor pode tanto pensar em obras que dialoguem com os sentidos expressos pelas obras, quanto formular questões que permitam aos alunos agregar seu conhecimento de mundo à compreensão dos textos lidos. Para a elaboração da “sequên- cia”, pensamos nas relações que as obras analisadas podem estabelecer com outros enunciados, como, por exemplo, com a música Asa Branca, de Humberto Teixeira. Além da presença desse pássaro nas ilustrações,

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uma analogia possível com o conteúdo temático de O Pequeno Príncipe e O Pequeno Príncipe em Cordel é a necessidade de se partir da terra natal. Partida motivada, na canção, pela seca no Nordeste.

Essa análise das obras ao longo das etapas de leitura descritas por Cosson (2014), Micheletti (2000) e rediscutidas por Corsi (2015), permitiram a formulação da sequência expandida de leitura, de que trataremos a seguir.

4 RESULTADOS – A “SEQUÊNCIA EXPANDIDA DE

No documento Ensino de literatura no ensino fundamental (páginas 52-54)