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CAPÍTULO 2 MÉTODO: APREENSÃO DAS DIMENSÕES SUBJETIVAS DA REALIDADE

2.2 Metodologia de Pesquisa

Quanto à metodologia de pesquisa da Psicologia Sócio-Histórica, iniciamos por uma breve exposição sobre Vigotski em sua árdua tarefa de pensar e propor um método de estudo para a Psicologia, e avançamos para a explicação do método nos aspectos condizentes com o desenvolvimento desta pesquisa.

Vigotski iniciou suas investigações em Psicologia no início do século XX, quando predominavam no mundo a perspectiva experimental fundada por Wundt e o pragmatismo americano, representado por James, além da psicanálise, que começava a se firmar. Segundo Namura (2004), para Vigostski, nenhuma dessas tendências vigentes no seu tempo lograva buscar uma explicação sobre o que há de especificamente humano no ser humano a partir de sua própria condição. Indício disso é o fato de que, em meio ao dualismo entre naturalistas e mentalistas, observam-se também possibilidades duais quanto ao tratamento do conceito de “sentido”, pois só era presumível associá-lo a uma esfera exterior, sendo capturável pelas sensações e percepções, ou ao âmbito de uma interioridade autossuficiente em relação à cultura.

Para se deslocar fundamentalmente dos caminhos então adotados por naturalistas e por mentalistas, Vigotski busca subsídio metodológico no Materialismo Histórico-Dialético de Marx e Engels. Isto fica patente nesta citação:

O que pode ser buscado nos mestres do marxismo não é a solução para a questão, e nem mesmo uma hipótese de trabalho [...] mas o método de construção. Não quero receber de lambuja, pescando aqui e ali algumas citações, o que ‘psique, o que desejo é aprender na globalidade do método de

Marx como se constrói a ciência, como enfocar a análise da psique (VIGOTSKI, [1927], 2004, p. 395).

Destarte, a preocupação de Vigotski era propor um método que abarcasse a complexidade do que entendia como objeto da Psicologia, ou seja, o homem e suas funções psicológicas. Fica evidente que a Psicologia seria impotente para superar as tarefas práticas que se lhe apresentavam se não contasse com uma infraestrutura lógico-metodológica própria. Revela-se desta forma, nas reflexões do autor, a necessidade de uma teoria que fizesse a mediação entre o método materialista histórico e os fenômenos psíquicos.

Foi a partir dessa base que Vigotski desenvolveu uma crítica ao modelo vigente na Psicologia em sua época, apresentando um novo método de estudo, cujo enfoque é essencialmente dialético. O seu método procura estudar o ser humano que, ao pensar e sentir e ao agir sobre a realidade, é por ela transformado sem por ela ser diluído.

Assim, para Vigotski (1998), o desenvolvimento do indivíduo se dá na relação dialética entre o plano subjetivo e o plano objetivo, por meio do plano intersubjetivo. Este autor mostra que não se pode falar de vida social sem se falar em subjetividade, nem falar de subjetividade separada da vida social (GONÇALVES; BOCK, 2003). Uma de suas principais proposições é a noção de que o ser humano se constitui na relação com o social.

Assim como mostra Molon (2010), ao considerar as relações sociais como constitutivas do sujeito, Vigotski não apontava para um determinismo sociocultural, nem estava aliando-se àqueles que descartavam o psicológico e o consideravam como mero reflexo do social. Na realidade, ao referir-se ao social, Vigotski não estava falando de um social genérico e abstrato, indiscriminado e absoluto, mas de um social que é vivido como subjetividade e intersubjetividade, cuja relação se constitui na relação entre sujeitos e seus semelhantes.

Essa concepção traz como tarefa para a Psicologia, ao abordar seu objeto de estudo, a substituição da análise do objeto pela análise do processo, da sua constituição, da sua gênese. Afirmava-se a necessidade de apreender os processos internos, sendo preciso, para isso, exteriorizá-los e observar o não observável, ou seja, caminhar da aparência para a essência, no esforço de apreender a complexidade do real.

Por esse motivo o método na Psicologia Sócio-histórica, tal como o método em Marx, não está preocupado em fornecer ao pesquisador um conjunto de regras formais que se apliquem a um objeto que tenha sido recortado para uma determinada investigação, nem se restringe à utilização de um mero conjunto de procedimentos e técnicas, mas significa uma determinada perspectiva que permite ao pesquisador penetrar o real, objetivando compreender o fenômeno em sua totalidade e buscando apreender a complexidade do real, no esforço para produzir um conhecimento que se aproxime do concreto, a síntese de múltiplas determinações.

O esforço do pesquisador é, sobretudo, apreender a complexidade do real, devendo ficar claro que não é possível captar todas as determinações constitutivas da realidade, porque ela está em movimento; mas o pesquisador precisa se comprometer a caminhar na direção de superar a aparência de forma a apreender o fenômeno nas suas contradições, o que o determina e o que o leva a apresentar-se da maneira como o faz.

Paulo Neto afirma:

[...] o objetivo do pesquisador - indo além da aparência fenomênica, imediata e empírica - por onde, necessariamente se inicia o conhecimento, sendo essa aparência um nível de realidade, e portanto, algo importante e não descartável -, é apreender a essência (ou seja, a estrutura e a dinâmica) do objeto. Numa palavra o método de pesquisa que propicia o conhecimento teórico, partindo da aparência, visa alcançar a essência (2011, p. 22).

Destarte, é seguindo nesta direção que no caminho de adentrar a realidade recorremos à metodologia da “Investigação Qualitativa em Psicologia”, proposta por González Rey (1999) - primeiramente por ser condizente com o método proposto nesta pesquisa, em termos ontológicos e epistemológicos e, em segundo lugar, pelo modo como orienta o processo de pesquisa, o andar e a postura do pesquisador, e pelo modo de conduzir a pesquisa como um “devir”, num processo construtivo-interpretativo.

A pesquisa nessa abordagem caracteriza-se como um processo essencialmente qualitativo. Segundo González Rey (2005), mais que um simples método, a pesquisa qualitativa configura-se como uma epistemologia (o termo “Epistemologia Qualitativa” foi cunhado por ele na obra Epistemologia Cualitativa y Subjetividad, publicada pela EDUC em 1997).

A Epistemologia Qualitativa defende o caráter construtivo interpretativo do conhecimento, o que de fato implica compreender o conhecimento como produção e não como apropriação linear de uma realidade que se nos apresenta (GONZÁLEZ REY, 2005, p. 5).

A Epistemologia Qualitativa, conforme afirma González Rey (2005), ao apontar a possibilidade de construir conhecimento a partir do debate teórico- epistemológico, rompe com a visão instrumentalista utilizada pelos métodos positivistas na ciência, os quais reduzem a pesquisa a um instrumento de “coleta” de informações sobre a realidade. É como se o conhecimento já estivesse pronto na realidade, e ao pesquisador bastasse coletá-lo e descrevê- lo com base em categorias universais previamente estabelecidas; contudo, ao contrário do que pensam os positivistas, o conhecimento científico é algo mais complexo: é uma produção humana; é, como apontava Lane (1995), “a Ciência da Práxis”.

[...] A investigação qualitativa que defendemos substitui a resposta pela construção, a verificação pela elaboração e a neutralidade pela participação. O investigador entra no campo com o que lhe interessa investigar, não supondo que o desenho metodológico contenha apenas aquelas informações diretamente relacionadas com o problema explícito a priori no projeto, pois a investigação implica a emergência do novo nas ideias do investigador, processo em que o marco teórico e a realidade se integram e se contradizem de formas diversas no curso da produção teórica (GONZÁLEZ REY, 1999, p. 42).

A perspectiva da investigação qualitativa proposta por González Rey, fundamentada nos pressupostos da Psicologia Sócio-Histórica, foi escolhida como mapa orientador do trajeto da pesquisa no campo singular do CAPS (singularidade do estudo), no sentido de valer-se do caminho metodológico proposto pelo Materialismo Histórico-Dialético, do abstrato para o concreto, da totalidade para a singularidade, tendo-se a particularidade como mediação, num jogo constante de devir. Assim, a investigação qualitativa proposta dá ênfase ao processo, ao desenho do caminho metodológico que vai se configurando como resultado da relação entre pesquisador e pesquisado na própria trajetória da pesquisa.

[…] O trabalho de campo é aquele que permite o contato interativo do investigador-investigado em um contexto relevante para a vida do investigado, dentro do qual o investigador pode se comportar com naturalidade dentro das relações e eventos que formam parte da vida cotidiana do sujeito.

Desse modo, a investigação qualitativa pressupõe a participação espontânea do pesquisador no curso do cotidiano dos sujeitos estudados e sua presença dentro da instituição, o que implica a possibilidade de formar importantes redes de comunicação, que permitam a expressão cotidiana dos trabalhadores no seu contexto de trabalho, constituindo-se em uma fonte importante para a produção do conhecimento sobre a especificidade deste saber/fazer. O autor diferencia esta perspectiva de pesquisa do que ele chama de recogida de dados, pois:

[…] o trabalho de campo representa um processo permanente de estabelecimento de relações e construções de eixos relevantes do conhecimento dentro do próprio cenário em que trabalhamos o problema investigado. A informação que se produz no campo, entra em um processo de conceitualização que caracteriza o desenvolvimento do momento empírico (GONZÁLEZ REY, 1999, p. 98).

Segundo o mesmo autor, nesta proposta o trabalho de campo é, por definição, um espaço a ser organizado, onde se produzirão muitas ideias sobre o corpo teórico da pesquisa, pois "[…] o curso da produção da informação é, simultaneamente, um processo de produção de ideias, em que toda nova informação adquire sentido para a investigação” (GONZÁLEZ REY, 1999, p. 99). Ao contrário, na recogida de datos os investigadores vão para o campo com ideias pré-concebidas sobre o sentido que darão aos seus achados, o que transforma a investigação numa tarefa de classificação de dados mais do que em produção de conhecimento.

Outra importante diferenciação apontada pelo autor citado é a seguinte:

O trabalho de campo não está construído por nenhum problema, nem hipóteses, senão que representa uma entrada aberta para no campo de estudo, dentro do qual irão se configurando diferentes opções para a construção de problemas que aparecem em estreita relação uns com os outros (GONZÁLEZ REY, 1999, p. 99).

De igual modo, o conjunto de procedimentos e ferramentas (neste caso, observação participante, rodas de conversas, conversas individuais negociadas) não foi definido previamente, mas foi no processo de investigação que esses recursos foram utilizados, e não de maneira estática e predeterminada, mas como resultado da inserção da pesquisadora no campo e do engajamento com o grupo de trabalhadores, sob a orientação da proposta teórica e metodológica.

2.3 Procedimentos metodológicos