• Nenhum resultado encontrado

Do problema que se anuncia à solução futura, se apresenta um longo caminho a ser percorrido. A construção do saber, especialmente o saber científico, exige passos e métodos apropriados para que lhe seja atribuída credibilidade e validade.

Realizou-se uma pesquisa cujo fenômeno a ser investigado não se presta a uma conformização, a um enquadramento a números. A complexidade inerente à questão já explicitada remete-nos à necessidade de um enfoque epistemológico qualitativo, em detrimento do quantitativo. A pluralidade de olhares permitidos e exigidos por este enfoque, aliada à realidade múltipla e incerta do nosso objeto de estudo, justifica a escolha realizada.

Quando se pretende a investigação da(s) subjetividade(s), a saber, neste caso, a singularidade da percepção da relação dos sentenciados com os agentes penitenciários, sob a ótica dos primeiros, inserimo-nos em um campo cujas trilhas não se mostram. Elas vão se abrindo à medida que o percurso se impõe frente ao avanço de nossa caminhada. A esta jornada adequa-se melhor o enfoque qualitativo, devido à abertura que este nos proporciona.

Este fenômeno humano específico e fascinante exige um método que possibilite um olhar amplo e que o abranja em sua totalidade. Um método que

se limite apenas pela miopia do pesquisador, mas que não se torne a lente a obscurecê-lo.

A pesquisa qualitativa permite-nos adequar ou formalizar estes fenômenos subjetivos a métodos científicos sem empobrecê-los ou simplificá- los. Eles se revelam e se escondem a medida que o observador se depara com eles, e exigem-lhe um olhar atento e apurado, sob o risco de se perder na infinidade de informações a que estamos sujeitos frente a um estudo qualitativo por seu caráter não linear.

4.1- INSTRUMENTOS

Para estudar essa subjetiva relação entre seres humanos, se fez necessária a utilização de instrumentos de coleta de dados que pudessem tornar o mais fidedigno quanto possível o que foi dito e expresso pelos participantes, além de dar-nos margem ao aprofundamento no tema pesquisado.

Optamos pela utilização de uma entrevista semi-estruturada que possibilita uma maior liberdade ao entrevistado, apenas cerceada pelo tema em questão. Foram realizadas entrevistas ora na sala de psicologia do COC (Centro de Observação Criminológica) da Penitenciária Agostinho de Oliveira Júnior em Unaí MG, ora no local de trabalho do sentenciado, todas efetuadas pelo próprio pesquisador. Embora se pretendesse a realização das entrevistas a portas fechadas e sem a presença de testemunhas procurando preservar a

intimidade e o sigilo do que for dito, nem sempre isso foi possível, como veremos a seguir.

Todos os encontros foram gravados e transcritos para facilitar a atuação do entrevistador enquanto tal, além de permiti-lo observar expressões faciais indicativas de emoções associadas à fala. A transcrição da fala permite- nos um distanciamento da mesma e possibilita-nos uma visão mais ampla da gama de respostas obtidas a fim de proporcionar uma análise qualitativa apropriada dos dados.

Em função de o pesquisador ter vivenciado por dois anos e meio o ambiente penitenciário consideramos que sua observação pessoal deste período enriqueceria toda a pesquisa. Assim, as experiências vividas pelo pesquisador, com o devido distanciamento das mesmas para que não haja uma deturpação dos fatos, são aqui tomadas, também, como um instrumento de pesquisa.

Por fim, as fichas de atendimento individuais e as de ocorrências dos sentenciados foram utilizadas como forma de coleta de informações acerca do saber que se produzia sobre os sentenciados nas instituições em que viviam. Com isso, se objetivou perceber a imposição da disciplina por meio das técnicas e dos instrumentos cabíveis à Equipe Dirigente.

4.2- O SETTING

As cinco entrevistas foram realizadas em contextos diferentes, tanto no que diz respeito à exposição dos sentenciados ao agente penitenciário, quanto ao espaço físico referente às mesmas.

Antônio, foi entrevistado em seu local de trabalho na cidade de Paracatu. A entrevista se transcorreu em uma área aberta, sob sombra generosa, acomodados em cadeiras de plástico e sem a presença de pessoas que poderiam interferir na entrevista. O som de carros na rua ou clientes do estabelecimento no qual trabalha Antônio eram as únicas interferências, porém, mesmo os clientes, se aproximavam e não chegavam a interferir pois eram rapidamente abordados por colegas de Antônio. Estes auxiliaram-nos cobrindo a lacuna deixada pelo sentenciado em seu posto de trabalho.

Bruno e Cláudio, foram entrevistados na penitenciária de Unaí, na sala de psicologia do COC, com a presença de um agente penitenciário dentro da sala. O COC dispõe de duas salas para o setor de psicologia. Nelas há uma mesa e duas cadeiras além de armários e arquivos onde se localizam as fichas e prontuários dos sentenciados. Nas costas do sentenciado, quando sentado, fica a porta dotada de um visor para que haja a visualização do que ocorre dentro da sala, por quem está do lado de fora, com o objetivo de assegurar a segurança daqueles que estão dentro dela e, em última análise de todo o presídio.

Daniel e Emerson foram ouvidos no quarto de descanso do plantonista da polícia civil responsável pela cadeia pública de Paracatu-MG. Durante as entrevistas, vez por outra, algumas interferências ocorriam em função da localização da sala e o fato desta servir de passagem entre duas alas da cadeia pública. Entretanto, não houve a caracterização de uma interferência significativa no andamento da entrevista, nem em seu conteúdo, nem em seu andamento.

As interferências eram produzidas pela passagem dos presos de bom comportamento de uma ala para outra pois levavam ou traziam alimentos de uma cela para outra ou bilhetes com solicitações para o plantonista responsável. Em comparação às duas entrevistas realizadas com a presença dos agentes penitenciários, as explanações parecem ter seguido um ritmo mais livre e em um ambiente menos tenso.

4.3- PARTICIPANTES

Em oposição à pesquisa quantitativa, no modelo de pesquisa que aqui propomos, não há a necessidade de uma utilização de uma grande quantidade de indivíduos participantes numa amostra significativa à população pesquisada, uma vez que se pretende compreender uma relação específica, em um contexto igualmente específico, Da mesma forma, não há obrigatoriedade de uma generalização das percepções aqui colhidas para o universo das relações entre agentes penitenciários e sentenciados, embora não se descarte totalmente essa possibilidade, desde que feita de modo criterioso como aqui se pretende.

Foram entrevistados cinco sentenciados, sendo quatro em situação de internos, um em regime semi-aberto. O primeiro entrevistado, Antônio, foi o apenado em contexto extramuros, em trabalho externo para que pudéssemos perceber se a questão do ambiente e uma menor sensação de vigilância por parte dos agentes penitenciários infeririam na expressão do sentenciado sobre sua relação com eles. Bruno, recém chegado à instituição penitenciária e outro

Cláudio em regime fechado, com um tempo de vivência superior a 5 anos no ambiente intramuros, para que se pudesse verificar se o tempo de exposição do sentenciado à relação com os APs interfere no modo como ele a percebe. E os dois últimos, Daniel e Emerson, embora estivessem em regime fechado, encontravam-se fora da instituição penitenciária, mas na Cadeia pública de Paracatu.

Antônio – 36 anos, condenado por homicídio há 26 anos de prisão e que há dois anos se encontra no regime semi-aberto. Casado, pai de 4 filhos.

Bruno - 27 anos, condenado por furto e esperando por outra condenação, pelo mesmo crime, pois fora julgado a revelia. Casado, pai de três filhos com duas mulheres diferentes. Teve uma condenação de 5 anos e 6 meses e há 6 meses se encontrava preso na penitenciária.

Cláudio – 28 anos, condenado por latrocínio há 21 anos de prisão e cumprindo pena há 7 anos, sendo 5 deles na PAOJ. Casado, pai de três filhos.

Daniel – Preso, novamente, há 2 anos e três meses. Quebrou a liberdade condicional em que estava sendo condenado pelo crime de tráfico de drogas.

Emerson – Preso em regime fechado na cadeia pública de Paracatu, esteve durante 16 anos em penitenciárias do Estado de Minas Gerais, condenado por homicídios. Fugiu e foi recapturado em uma blitz e foi apanhado ao ser flagrado ilegalmente armado.

A escolha destes indivíduos teve como critério essencial o fato de estarem ou de já terem sido expostos à relação com um Agente Penitenciário. Destes, os dois últimos embora não se encontrassem sob esta relação,

estiveram em tempo superior a 12 anos. Destes, nem todos os anos foram na Penitenciária em que o pesquisador trabalhou, mas todos estiveram presos naquela instituição.

Bruno e Cláudio, estão, respectivamente em regime semi-aberto e regime fechado na PAOJ. Antônio apenas pernoita na referida penitenciária, já que está no regime semi-aberto e trabalha na cidade.

A opção por estes indivíduos obedeceu, além do critério acima descrito, a outros, como a necessidade de estarem em distintos afastamentos, temporais ou espaciais da Penitenciária e, conseqüentemente da relação com o Agente Penitenciário. Dois deles estão afastados desta relação, outros dois estão submetidos em tempo integral à mesma e um deles fica sob a relação apenas no período noturno, de 19:00 hs às 06:30. Por fim, a disponibilidade, tanto dos entrevistados, quanto dos estabelecimentos penais em permitirem as entrevistas com aqueles sentenciados, foram levadas em consideração.

Assim, dentro dos requisitos desejados, as instituições penais disponibilizaram indivíduos específicos para serem ouvidos. A penitenciária possuía inúmeras alternativas de escolha e disponibilizou os sentenciados segundo seus próprios critérios, sejam eles de segurança, comodidade ou outro qualquer. Não foi dada ao entrevistador a oportunidade de escolha dos apenados a serem ouvidos. Já a cadeia pública possuía apenas os dois indivíduos cedidos, com experiência de vivência em penitenciária, ou seja dentro do critério obrigatório da pesquisa. Mesmo assim, não criou barreiras para cedê-los.

Destes sentenciados entrevistados, apenas um deles havia tido algum contato prévio com o pesquisador enquanto este trabalhava no estabelecimento penal, Antônio, que era atendido com alguma freqüência pelo pesquisador, antes dele conseguir o benefício da progressão de regime.

4.4 - COLETA DE DADOS

Como foi relatado, Bruno e Cláudio foram entrevistados, por ordem da direção da Penitenciária, foram ouvidos com a presença de um Agente Penitenciário dentro da sala. Na época em que o pesquisador atuava profissionalmente na PAOJ, ficava a cargo dele a forma como preferia atender. Se com a porta aberta ou fechada, com o agente penitenciário dentro ou fora da sala, com o sentenciado algemado ou não. Entretanto, na entrevista realizada com o objetivo de coletar dados, as opções se resumiram a duas: A entrevista só poderia ser realizada com a presença de um Agente Penitenciário dentro da sala, com esta fechada, ou com o agente fora da sala mas esta com a porta aberta.

Com a insistência do pesquisador em realizar as entrevistas com uma maior privacidade, uma solicitação foi feita ao diretor da PAOJ objetivando a possibilidade de se abrir uma exceção, já que as portas possuem visores através dos quais a vigilância poderia ser feita, sem prejuízo da segurança do presídio. Questionado, acenou negativamente, informando que as normas atuais para quaisquer procedimentos realizados naquele estabelecimento são as que foram passadas, pelos agentes penitenciários, ao pesquisador.

As entrevistas foram realizadas, apesar do evidente constrangimento do apenado, face à temática explorada durante a entrevista. Por vezes, um segundo agente penitenciário se aproximava da porta pois andava pelo corredor fazendo inspeções.

Ouvia-se, os atendimentos realizados por outros profissionais nas salas de atendimento psicológico e atendimento social, ao lado e à frente da sala em que nos encontrávamos. Este fato fez-nos supor que o sentenciado também presumia poder ser ouvido por outras pessoas, inclusive pelos outros sentenciados nestes atendimentos citados.

As outras entrevistas foram realizadas em circunstâncias diversas a estas, sem a interferência ou vigilância de agentes penitenciários ou qualquer outro funcionário do Estado. Essa privacidade colaborou para que a coleta de dados com os três indivíduos restantes se transcorresse em um ambiente mais próximo daquele que entendemos como adequado.

Durante a coleta de dados, mesmo sem a presença indesejada do Agente Penitenciário dentro da sala, como nos casos das entrevistas realizadas com Antônio, Daniel e Emerson, não ficam claras se suas falas foram menos afetadas por essa ausência. Daniel, em sua entrevista, mostra-se muito disponível em participar, embora seu relato pouco traduza esta disponibilidade. Daniel fala muito, embora com superficialidade e parecendo relatar somente aquilo que, ao seu ver, poderia ser dito, temendo represálias ou, quem sabe, temendo falar demais. Ele mesmo pareceu policiar-se.

Ao final da entrevista, certificando-se de que o gravador fora desligado, descreveu-me problemas mais íntimos, tanto de caráter familiar, quanto de

problemas intramuros. Ora, é óbvio que ele resguardaria a si e a sua família proibindo uma gravação de cunho íntimo e pessoal, não condizente com o cerne da pesquisa e, por isso fora do termo de consentimento. Mas porque aproveitaria este momento para expor dificuldades e mazelas intramuros, sendo que este é um dos objetivos da pesquisa?

Acreditamos que a segurança quanto a impossibilidade de comprovação de denúncias ou queixas, tenha lhe diminuído o temor de represálias que ele julgava poder ser vítima, caso estas se espalhassem e os delegados da comarca de Paracatu viessem a saber delas e quem as proferiu.

4.5 - DISCUSSÃO DE DADOS

Quanto aos resultados, após a coleta de dados, utilizou-se como método de análise de dados a “Hermenêutica da Profundidade” proposta por J.B. Thompson (1995). Do grego hermaneuein, a palavra hermenêutica é comumente traduzida por “interpretar”. Assim, interpretar é trazer à tona, tornar compreensível.

Na metodologia proposta por Thompson, esta compreensibilidade é alcançada após a realização de três procedimentos de análise, a saber:

Análise Sócio-histórica, Análise formal ou discursiva e Interpretação/reinterpretação.

No primeiro se objetiva a reconstrução das “condições sociais e históricas de produção, circulação e recepção das formas simbólicas (Thompson, 1995: 366). É a partir desta reconstrução contextualizar as falas no

tempo e no espaço. Possibilita-nos uma análise da estrutura social, “da

formação e reprodução das classes sociais, ou a análise da divisão entre homens e mulheres e outras formas congêneres de assimetria e desigualdade (...)” (Thompson, 1995, p. 367)

Já a análise formal ou discursiva possibilita-nos a análise das “características estruturais e das relações do discurso”. (Thompson, 1995, p. 371)

Podemos realçar as expressões que perpassam o meio social pesquisado. Dela derivam alguns tipos de análise: semiótica, de conversação, sintática, narrativa e argumentativa.

A última fase, Interpretação/reinterpretação, seria baseada na reconstrução do discurso que foi desconstruído nas etapas anteriores. Mas a interpretação pressupõe não a simples reconstrução, mas uma nova construção a partir do que foi dito sob a análise e a percepção do pesquisador. Ela se caracteriza por uma “construção criativa do significado, isto é, de uma

explicação interpretativa do que está representado ou do que é dito.”

(Thompson, 1995, p. 375)

Desta forma, Thompson auxilia-nos libertarmo-nos das obviedades descritivas para atingirmos um nível mais sofisticado de análise. Apoiados nos autores discutidos no decorrer do trabalho, o discurso dos sentenciados participantes, se revela em categorias inferidas após a reinterpretação proferida por Thompson.

A seguir, apresentaremos e discutiremos os dados coletados e os relacionaremos aos objetivos propostos.

Capítulo V

Documentos relacionados