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Microcistinas e seu papel intracelular

No documento ASPECTOS MORFOLÓGICOS, FISIOLÓGICOS E (páginas 54-57)

A quantidade intracelular de microcistina geralmente é muito maior do que a dissolvida no meio externo. Apenas cerca de 10% é encontrado no espaço extracelular, ou seja, microcistinas dissolvidas (Pietsch et al., 2002; Zheng et al., 2004; Ibelings & Chorus, 2007; van Apeldoorn et al., 2007). Portanto, a maior parte dos estudos que investigam possíveis funções para as microcistinas se concentra em seu papel intracelular.

2.3.1 Regulação fotossintética

Sugere-se que as microcistinas tenham papel na regulação fotossintética, inclusive pelo fato de serem encontradas em maiores concentrações nas membranas dos tilacóides (Shi et al., 1995; Young et al., 2005), mais precisamente ligadas às ficobilinas (Juttner & Luthi, 2008) ou carboxissomos (Gerbersdorf, 2006).

Cepas de M. aeruginosa produtoras de microcistinas e seu mutante não tóxico foram comparadas em diferentes regimes de luz, quanto ao crescimento e pigmentação. Hesse et al. (2001) não encontraram diferenças entre as taxas de crescimento das cepas, em intensidades luminosas de 4 a 110 μmol. fotons m-2 s –1, mas o espectro de absorção de radiação gama fotossinteticamente ativa variou significativamente. As células mutantes possuíam menores teores de clorofila a e de vários carotenóides sob estas condições.

Em seguida, foi proposto por Jahnichen et al. (2007) que a produção de microcistina poderia responder a baixas concentrações de carbono inorgânico intracelular, o que de fato foi confirmado. Também foi relatada neste estudo a variação na cota celular de microcistina durante um ciclo diurno, no qual maiores valores de toxina coincidiram com menores concentrações intracelulares de carbono. Comparando uma a linhagem tóxica (PCC7806) com seu mutante mcyB- em baixas concentrações de carbono inorgânico, foi observado que, enquanto ambos responderam aumentando a concentração de ficocianina, somente a linhagem selvagem elevou o nível de clorofila a, mas não a mutante. Este ajuste na razão ficocianina /Chl a é uma forma de a cianobactéria se adaptar às concentrações intracelulares de carbono, otimizando a captação e concentração deste elemento e assim otimizando a eficiência fotossintética. Esta capacidade estava ausente no mutante, o que prejudicou sua adaptação a baixas concentrações de carbono. Portanto, o estudo suporta a ideia de que a microcistina tenha um papel na adaptação fotossintética em resposta à limitação de carbono inorgânico intracelular, considerando que a microcistina afeta a eficiência do mecanismo de concentração de carbono, favorecendo uma razão CO2/O2 alta e assim a função de RuBisCO.

A relação entre microcistina e limitação de carbono foi aprofundada no estudo de van de Waal et al. (2011) Experimentos de competição entre uma linhagem tóxica de M.

aeruginosa (CYA140) e uma linhagem não tóxica (CYA43) em quemostato limitado em CO2

mostraram que a linhagem tóxica prevaleceu, indicando que a microcistina confere vantagem seletiva nestas condições, o que não ocorre quando há ampla oferta de CO2. O mesmo tipo de

experimento comparando a linhagem de M. aeruginosa PCC7806 e seu mutante mcyB- confirmou que a produção de microcistina confere vantagem seletiva sob limitação de carbono. Já em quemostatos repletos de CO2 e com redução de intensidade luminosa (inicial

de 25 μmol. fotons m-2 s –1e decaindo para cerca de 2 μmol. fotons m-2 s –1) foi simulada competição por luz e neste caso ocorreu o reverso da vantagem competitva, sendo a linhagem tóxica suplantada pela não tóxica.

Wiedner et al. (2003), ao estudarem o efeito da radiação fotossiteticamente ativa (PAR) (intensidades entre 10 e 403 μmol. fotons m-2 s –1; 12:12 h luz escuro) sobre a produção de microcistinas em uma linhagem de Microcystis (PCC7806), em cultivo contínuo. A cota celular de microcistina se correlacionou positivamente com PAR sob condição limitada de PAR. Porém, sob saturação de PAR uma correlação negativa entre estas varáveis foi observada. Portanto PAR afetou positivamente a síntese de microcistina até o ponto de

máxima taxa de crescimento, em seguida com o aumento de PAR a produção da toxina foi inibida. Foi sugerido que este efeito ocorra na regulação da biossíntese de microcistinas, de forma ainda não elucidada.

Tonk et al. (2005) verificaram que em Planktothrix agardhii, diferentes intensidades luminosas podem modificar a produção das variantes de microcistinas e parece que a capacidade fotossintética é aumentada na presença da toxina.

2.3.2 Proteção a estresse oxidativo

Como citado nos itens acima, uma série de dados da literatura apontam para um papel das microcistinas na resposta celular ao dano oxidativo. O envolvimento de NtrA e Fur, reguladores ligados a respostas de estresse oxidativo, na transcrição de genes mcy apoia esta ideia, assim como os diversos estudos que relacionam cotas celulares de microcistina e intensidade luminosa, já discutidos.

Além disso, Dziallas & Grossart (2011) mostraram os efeitos benéficos de microcistinas na presença de radicais de oxigênio, comparando linhagens tóxicas e não tóxicas. Em todos os casos, houve diminuição de crescimento e de clorofila a sob efeito do tratamento com peróxido de hidrogênio, mas a redução foi menos significativa para linhagens tóxicas do que não tóxicas. A produção de microcistina aumentou com a temperatura, quando espera-se aumento de radicais de oxigênio na célula.

Situações de estresse também diferenciaram uma linhagem tóxica de seu mutante não tóxico de P. agardhii (Tran et al., 2013). A expressão de vários genes da resposta de choque térmico (hsp), quando avaliada sob alta intensidade de luz (600 µmol m−2.s−1), foi intensificada em maior grau na linhagem selvagem do que na mutante, indicando um papel protetor da toxina nesta condição.

A resposta à limitação de ferro inclui o componente da resposta oxidativa, já que resulta na formação de espécies ativas de oxigênio (ROS) através da reação de Fenton (Latifi et al., 2009). Em baixo ferro, ocorre a degradação de ficobilissomos resultando em clorose e na síntese de proteínas que protegem os fotossistemas I e II, para reduzir o fluxo de elétrons e a formação de ROS. Quando linhagens tóxicas e não tóxicas foram comparadas sob limitação de ferro, foi observado que a ausência de microcistina na célula afetou o remodelamento da maquinaria fotossintética, o transporte de ferro e a regulação de funções mediadas por Fur.

Assim, a presença da toxina propiciou vantagem protegendo a célula de ROS (Alexova et al., 2011a).

Ainda na linha de um papel protetor, Ding et al. (2013) avaliaram a influência da radiação UVB (testando intensidades ambientais) sobre linhagens de M. aeruginosa tóxicas e uma naturalmente não tóxica (PCC7005) e relataram que a última foi mais suscetível aos efeitos deletérios da radiação, com pouca capacidade de recuperação após o dano celular.

Em um estudo recém publicado (Pimentel & Giani, 2014), foi investigada a síntese de microcistina sob estresse nutricional em duas linhagens de Microcystis, sendo uma 10 vezes mais tóxica do que a outra. A privação de nutrientes, seja de nitrato, amônia ou fosfato, levou ao aumento da cota celular de microcistina e da transcrição do gene mcyD. De forma geral a linhagem mais tóxica foi mais tolerante e mostrou maior alteração na expressão gênica apenas nas condições de limitação mais severa. O perfil de transcrição do gene ntcA, que codifica o regulador global de nitrogênio NtcA, se correlacionou positivamente com o do gene mcyD. Uma vez que a expressão de NtcA é afetada pelo estado redox da célula, e que NtcA se liga ao promotor dos genes mcy, este resultado sugere que a microcistina pode ter sua função ligada ao metabolismo de carbono/nitrogênio e controle do estado redox na célula. De fato, sob limitação de nutrientes as linhagens diminuíram o conteúdo de clorofila a, a expressão do gene de ficocianina, o crescimento celular e a pigmentação. A clorose das culturas indicou a ocorrência de estresse oxidativo.

Portanto, diferenças na adaptação ou tolerância ao estresse (principalmente variações no estado redox) e seu reflexo no balanço carbono/nitrogênio, parece ser o que distingue linhagens tóxicas de não tóxicas. Estudos mais recentes explorando abordagens de larga escala têm dado cada vez mais suporte a esta ideia, como descrito a seguir.

No documento ASPECTOS MORFOLÓGICOS, FISIOLÓGICOS E (páginas 54-57)